Face à recusa sistemática do Presidente ucraniano alinhar com o guião americano para a paz, em Washington crescem evidências de que algo de muito sério está para suceder para convencer Kiev a aveludar a sua posição e aceite fazer o caminho das pedras em nome da paz.
Com um guião escrito por Donald Trump em, cada vez mais evidente, colaboração com Vladimir Putin, já há quem admita que os EUA podem meter mesmo a sua arma secreta neste filme, que é o mesmo que dizer usar a CIA para "amolecer" a posição ucraniana por dentro.
Ao fim de de três anos e dois meses de guerra, com quase três de sólido apoio militar de Washington a Kiev, durante a Administração anterior de Joe Biden, a agência de intelligentsia norte-americana tem uma presença tão pesada quanto diluída no Estado ucraniano.
E se, como alguns analistas notam como forte possibilidade, suportada pelas declarações públicas do Presidente norte-americano e dos seus mais directos colaboradores, os EUA se convencerem de que é o Presidente Zelensky o entrave maior à paz, então tudo pode mudar.
É que, antes de ser público esse mudar de "chip", as bases da intelligentsia americana na Ucrânia poderão ser accionadas para "moer" a resistência a um acordo de paz sob as condições definidas no plano que está em cima da mesa e desenhado em Washington.
Segundo os media norte-americanos, mesmo que o Kremlin já tenha avisado que não são notícias fiáveis, em cima da mesa está o plano de Keith Kellog, o enviado de Trump para a Ucrânia, com retoques recentes, onde Kiev deve ceder as cinco regiões anexadas à Rússia.
A Crimeia, anexada em 2014, com soberania definitiva de Moscovo, e as quatro regiões anexadas em 2022, Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia, devem ser admitidas como sob controlo de facto russo mesmo que não de jure, ou seja, sem legalidade aceite internacionalmente.
A questão territorial não é a única de elevada complexidade em cima da mesa, mas é a que mais reacção negativa obteve de Volodymyr Zelensky, que veio na quarta-feira, 23, dizer que nem é bom pensar em ceder territórios aos russos sejam quais forem os termos negociais.
Claramente furioso, Donalt Trump, depois de ouvir as palavras de Zelensky a recusar liminarmente negociar sequer cedências territoriais, foi às redes sociais escrever que as declarações do Presidente ucraniano "são muito danosas para as negociações de paz".
O Presidente norte-americano acusou Zelensky de ser "o homem sem cartas para jogar" que está a querer impedir o sucesso do seu plano para acabar com a guerra, sublinhando em tom fortemente crítico que o Presidente ucraniano "vem falar da Crimeia quando esse já nem é um ponto" em aberto.
Os EUA já fizeram mesmo saber, pelo menos acreditando nos media do país, que estão à beira de reconhecer a Crimeia como parte inteira da Federação Russa, sendo esse um degrau fundamental da escadaria que vai levou, afirma Trump, a que "se esteja agora muito perto da paz".
Quase ao mesmo tempo, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, dando forma verbal "à frustração do Presidente", disse ao jornalistas que "infelizmente" os atrasos se devem "Presidente Zelensky estar a levar as negociações de paz para os media e isso é inaceitável".
"Estas negociações devem ser mantidas em privado, porque o Presidente e a sua equipa de conselheiros dedicaram muito tempo e energia a este processo que visa acabar com a guerra" sob uma vasta quantidade de dinheiro "dos americanos que pagam impostos", avisou Leavitt.
A responsável pela comunicação da Casa Branca sublinhou nestas declarações aos jornalistas em Washington que Trump não está a exigir nada aos ucranianos, apenas que se sentem á mesa e se apresentem com vontade para falar e encontrar uma saída para esta "guerra brutal".
Ainda nesta toada, mesmo que do lado ucraniano se ergam igualmente vozes a defender que Zelensky não pode aceitar ceder territórios sem ouvir o povo, porque a Constituição não o permite, e ainda porque o plano norte-americano é mais simpático para Moscovo que para Kiev, o vice-Presidente dos EUA, JD Vance, voltou a avisar que a Casa Branca está no limite da paciência.
Vance, depois de o secretário de Estado Marco Rubio ter feito esse aviso há cerca de uma semana, na Índia, onde esteve em visita oficial, retomou a ameaça de que os EUA podem sair de cena do conflito na Ucrânia quase no imediato se não surgirem sinais de que a paz é possível em breve.
"Nós (EUA) enviamos uma proposta muito clara aos ucranianos e aos russos e é tempo deles dizerem que aceitam negociar de boa fé ou ficam sozinhos", garantiu o vice-Presidente norte-americano, acrescentando que "a única forma de parar a guerra e ambos os lados baixarem as armas e avançarem para construir uma melhor Ucrânia e uma melhor Rússia".
Apesar desta pressão, se nada acontecer de inesperado, Volodymyr Zelensky não parece mostrar disponibilidade para fazer a vontade aos americanos: "Não há nada de novo para discutir. A Ucrânia nunca irá reconhecer a ocupação da Crimeia" e muito menos as quatro regiões do leste ucraniano sob domínio russo.
E se a posição do chefe do regime ucraniano não se alterar, aumentam as possibilidades de os EUA saírem de cena ou, como já se percebe em alguns "corredores", começarem a virar as costas aos ucranianos.
E isso pode acontecer de duas formas, acabando com o fornecimento do que resta do apoio militar a Kiev, que é no quadro das informações estratégicas obtidas no terreno pelas secretas norte-americanas e pela sua espessa rede de satélites espiões, ou fazer o que a CIA melhor sabe fazer, como o demonstra o seu currículo de décadas, que é remover obstáculos do caminho dos interesses de Washington.
Entretanto, num claro aproveitamento da situação, em Moscovo, depois de um devastador ataque russo com drones e misseis a múltiplos alvos em Kiev, todos eles, como o Kremlin sempre garante, militares, exclusivamente, como os ucranianos sempre dizem, civis, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação veio enfatizar a "responsabilidade de Kiev" no tardar de uma solução pacífica para o conflito.
Maria Zakharova, porta-voz da diplomacia russa, disse em Moscovo, citada por The Guardian, que "Zelensky não tem capacidade" para negociar um acordo que acabe com o conflito, alegando que o fluxo contínuo de armas europeias para Kiev "encoraja-o a continuar" a guerra.
A porta-voz do ministro Sergei Lavrov, acrescentou segundo a Reuters, que "alguns países europeus (numa clara alusão a franceses e britânicos) ficam gelados sob a perspectiva de uma vitória russa" neste conflito.
Com esta declaração desafiante de Zakharova não é de excluir que o Kremlin entenda que, perante a certeza de que um eventual acordo sob os auspícios norte-americanos não permitirá à Rússia ficar com os territórios das regiões anexadas ainda sob domínio ucraniano, ainda seja cedo para calar as armas.
A mesmo tempo, a Rússia não pode admitir que ainda precisa da guerra para concluir esses objectivos e está obrigada, para não defraudar Washington, a manter a posição de que tem toda a disponibilidade para negociar com Kiev, a quem acusa de ser o grande procrastinador.
E se assim se confirmar, o Kremlin poderá mesmo estar secretamente a agradecer à França e ao Reino Unido pelo seu empenhado esforço em manter os ucranianos presos às trincheiras para tentarem fragilizar a Rússia até que esta esteja mais disponível para cedências em futuras negociações.
O risco, segundo vários analistas, é que se os Estados Unidos abandonarem mesmo as negociações, caberá aos europeus garantir o apoio em armas e em dinheiro a Kiev, que, sendo menos abundantes que o que Washington forneceu ao longo dos anos, aproximará significativamente forças europeias da linha da frente e isso seria um confronto directo, como, de resto, Zelensky não esconde que pretende ver concretizado, com a Rússia.