Centenas de elementos das forças especiais russas, incluindo comandos, paraquedistas e a unidade chechena Akhmat, introduziram-se na retaguarda das posições ucranianas na região de Kursk, conquistada em Agosto do ano passado, sem que fossem notados.

Para isso, rastejaram quatro dias e ao longo de quase 20 kms por estreitos gasodutos antigos a partir de território russo, ocupando posições na retaguarda dos ucranianos, levando o pânico e o caos às unidades de Kiev ali posicionadas, como os media ucranianos e ocidentais admitiram depois.

Tal operação forçou milhares de militares ucranianos a procurarem a fuga para a fronteira, tendo, como noticiou o Kiyiv Independent e a revista norte-americana Time, embora sublinhando que tal só foi possível porque Washington deixou de fornecer intelligentsia a Kiev, ficado perigosamente expostos à artilharia e aos drones de Moscovo.

No entanto, esta operação, ainda em curso nesta segunda-feira, 10, poderá ser um factor determinante para a presença ucraniana em território russo, porque se os media ucranianos falam em situação muito difícil mas sob controlo, do lado russo dá-se conta de milhares de ucranianos mortos, feridos e presos e centenas de veículos de guerra destruídos.

Uma informação mais clara só será possível nas próximas horas, mas os vídeos que circulam às centenas nas redes sociais mostram, de facto, inúmeros veículos ucranianos a serem destruídos e as forças especiais russas a tomarem posições nos territórios sob ocupação ucraniana desde Agosto.

A importância desta operação resulta ainda de os ucranianos, como o Presidente Volodymyr Zelensky tem repetido, estarem a contar com a área ocupada de Kursk para ser usada como moeda de troca em futuras negociações de paz com os russos, trocando-a por territórios ocupados por Moscovo no leste.

"Frente" saudita activa na busca da paz

E o "sucesso" russo em Kursk surge num momento em que o Presidente dos EUA enviou uma delegação chefiada pelo seu secretário de Estado, Marco Rubio, à Arábia Saudita, para negociações com os ucranianos, com o objectivo de aproximar as partes, Kiev e Moscovo, a um acordo de paz e para que Zelensky acabe por assinar o acordo dos minerais com os EUA.

Estas negociações começam já na terça-feira, 11, sendo a parte ucraniana chefiada por Andriy Yermak, o chefe de gabinete de Zelensky, estando este também na capital saudita mas, aparentemente, para um encontro com o príncipe Mohammed bin Salman.

Algumas fontes apontam para a "coincidência" como uma garantia exigida pelos EUA da presença do Presidente ucraniano em Riade para que este possa assinar o acordo dos minerais, as tais "terras raras", de forma a satisfazer Trump depois da desastrosa visita do ucraniano à Casa Branca há pouco mais de uma semana.

A Casa Branca tem ligado este acordo das "terras raras" a um acordo de paz entre ucranianos e russos mas em parte nenhuma os americanos explicam como é que estas duas realidades estão ligadas e se condicionam uma à outra.

A não ser pela ameaça directa de Trump à Rússia de que, quando as equipas e equipamentos americanos estiverem nas minas, essas áreas não serão atacadas pelos russos sob risco de desencadear um confronto de consequências inimagináveis entre os dois países.

Para já, Donald Trump, numa linha de continuidade de declarações ambíguas e contraditórias, voltou a dizer que não está totalmente confiante na vontade de Volodymyr Zelensky de que quer mesmo assinar um acordo sobre os minérios estratégicos ucranianos com os EUA.

"Até ao momento eles não demonstraram essa vontade de forma cabal, como deviam, mas acredito que vão acabar por assinar o acordo dos minerais... e eu quero que eles queiram também a paz", disse Trump.

E, noutra resposta a um jornalista a bordo do Air Force 1, assegurou que "eles vão assinar o acordo e que nos próximos dois ou três dias isso ficará evidente e também ficará claro que vai haver paz".

Esta afirmação ganha maior peso se ligada a outra feita há dias, onde Trump garante que "Zelesnky não tem alternativa a assinar o acordo de paz" ao mesmo tempo que também Vladimir Putin "não tem alternativa", mas por razões diferentes, que só ele conhece.

Provavelmente as negociações na capital da Arábia Saudita não serão tão lineares como afirma Trump, porque se sabe já que os mesmos minerais estratégicos que os americanos querem para serem ressarcidos dos 350 mil milhões que diz terem sido enviados para Kiev pelos EUA, foram já entregues ao Reino Unido no "acordo de 100 anos" assinado a 16 de Janeiro deste ano.

E se este pode ser um problema, até porque Kiev exige, o que levou ao descalabro das negociações na Casa Branca a 28 de Fevereiro, garantias de segurança militares dos EUA para entregar as suas "terras raras", e essa exigência não foi levantada, outro é que estas riquezas estão, na sua maior parte, no subsolo dos territórios anexados pelos russos em 2022.

Para assinar este acordo, Zelensky tem de "trair" o Reino Unido e entregar aos EUA as suas "terras raras", até porque essa pode ser a única forma de Donald Trump retomar o apoio militar aos ucranianos, não apenas em armamento como igualmente em intelligentsia.

Mas também aí pode existir risco, visto que se os EUA retomarem o apoio militar a Kiev - que foi travado para levar os ucranianos a serem mais flexíveis -, então Trump estará a fazer o mesmo que o seu antecessor, Joe Biden.

E se isso se verificar, então terá consequências no processo negocial em curso com os russos para a normalização das relações entre Washington e Moscovo, que foram reduzidas a zero no curso da guerra, e que é uma das prioridades da Administração norte-americana.

A par deste intrincado xadrez, há ainda que ter em conta que a posição do Kremlin sobre a cessação das hostilidades na Ucrânia não mudou deste que foi anunciada em Julho do ano passado pelo Presidente Vladimir Putin.

Esta, em síntese, aponta para que a guerra só pare com um acordo de paz sólido e alargado, no qual esteja inserida a neutralidade ucraniana, fora da NATO, o reconhecimento por Kiev de que as regiões anexadas em 2014 (Crimeia) e 2022 (Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia) são parte inteira da Federação Russa, sem forças militares ocidentais no terreno sob nenhuma razão, e o reconhecimento da língua, cultura e religião russas no que restar da Ucrânia no pós-guerra.

Isto, quando a posição do Presidente ucraniano vai mudando.=ora aceita perder territórios, ora recusa essa possibilidade, ora exige entrar na NATO ora aceita ficar de fora, mas com garantias de segurança ocidentais, especialmente americanas..

Mas a lei aprovada no Parlamento em 2022, por sua proposta em decreto Presidencial, impede que Zelensky e os seus ministros e conselheiros de encetarem quaisquer negociações com os russos, ainda não foi anulada, podendo fazer de tudo o que está a suceder ter valor nulo.

Para firmar posição, a Rússia tem, nos últimos dias, depois de uma paragem de semanas nos ataques de grande envergadura sobre a Ucrânia, lançado centenas de misseis e drones sobre alvos energéticos e postos de concentração de forças militares, incluindo áreas de treino com apoio de instrutores de países da NATO contratados como mercenários.

Além de Kursk, as forças russas, apesar da resistência severa dos ucranianos, importante agora que se aproximam eventuais negociações, estão a avançar com maior rapidez na frente de batalha do leste, mesmo que ainda grandes porções das regiões oficialmente anexadas, especialmente Kherson e Zaporizhia, se mantenham sob controlo de Kiev.