O Kremlin, que há mais de um ano a repete insistentemente que um cessar-fogo não será nunca considerado sem negociações conclusivas sobre um acordo de paz alargado, está agora encostado às cordas porque não pode surgir como "o" obstáculo à paz.

Para isso, segundo diversos analistas, o Presidente russo, Vladimir Putin, que vai voltar a falar com o seu homólogo norte-americano, Donald Trump, deverá dizer "sim" ao cessar-fogo mas se este for precedido do preenchimento de algumas condições.

Condições essas que vão passar, seguramente, por garantias de que os aliados ocidentais de Kiev, incluindo os EUA, que nas últimas horas retomaram o fornecimento de armas e intelligentsia, não vão aproveitar esse período de tréguas para repor os stocks de armamento ucranianos.

Além disso, até porque tem sido esse o discurso de Moscovo, só fará sentido aceitar um cessar-fogo com alguns pontos consolidados, como o reconhecimento da neutralidade de Kiev, caso contrário essas tréguas são um intervalo e não o princípio do fim das hostilidades.

Afastamento definitivo de forças militares ocidentais em território ucraniano, com ou sem cessar-fogo, respeito pela língua, cultura e religião russas na Ucrânia do pós-conflito e garantias de que as futuras forças armadas ucranianas terão uma dimensão limitada, são outras das questões em cima da mesa.

Analistas, como o suíço Jacques Baud, antigo oficial de intelligentsia da NATO, ou o professor da Universidade de Chicago e autoridade mundial em estratégia política internacional, o norte-americano John Mearsheimer, sublinham ainda que não há lógica na aceitação do Kremlin de um cessar-fogo sem que Kiev reconheça a soberania de Moscovo sobre as regiões anexadas.

Alias, a generalidade dos analistas notam também que se por um lado Moscovo está condicionada a dizer "sim" à proposta dos EUA para tréguas no conflito, porque não quer desestabilizar o processo de normalização das relações bilaterais co Washington, por outro lado não pode permitir que os ganhos de três anos de guerra sejam postos em causa.

Além disso, a ideia de que o Kremlin teme que seja apontado como obstáculo à paz se vier a recusar a proposta não cola à forma como os russos conduzem a sua política, porque estão cientes de que seja qual for a decisão, serão sempre os maus da fita vistos pelos media ocidentais.

Todavia, não é do conhecimento público o teor do acordo entre EUA e Ucrânia em Jeddah, na Arábia Saudita, esta semana, para um cessar-fogo de 30 dias, nem o que poderá o enviado especial de Donald Trump a Moscovo para transmitir esse mesmo conteúdo aos russos, Steve Witkoff, dizer que convença Vladimir Putin.

Por exemplo, quais as cedências que o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, e o seu Chefe de Gabinete e principal conselheiro, com quem parece estar a dividir o poder nesta matéria, Andrii Yermak, estão dispostos a fazer para levar os russos a aceitar estas tréguas?

O que vai Donald Trump dizer a Vladimir Putin que o convença a recuar nas suas declarações ao longo dos últimos meses sobre a inadmissibilidade de aceitação de um cessar-fogo sem as condições prévias definidas por Moscovo estarem preenchidas?

Isto ganha ainda mais relevância quando no campo de batalha é a Rússia que está claramente em vantagem, como, de resto, ficou esta semana claro ao recuperar quase 90% do território que os ucranianos ocuparam na sua região de Kursk, em Agosto do ano passado, provocando uma catastrófica derrota de Kiev, que queria aquela geografia para negociar a sua troca por áreas ocupadas pelos russos no leste.

Há, no entanto, segundo estão a noticiar os media russos esta quinta-feira, 13, um dado que permite antever que Trump poderá dar alguns trunfos a Putin neste processo, desde logo admitir que a Rússia não está apenas a combater a Ucrânia nesta guerra, também a NATO está envolvida directamente.

Numa conversa com o primeiro-ministro irlandês, Michel Martin, segundo a RT, Donald Trump referiu-se à NATO como estando agora "muito mais forte" devido aos milhões que encaixa no contexto desta guerra, e está a "gastar muito desse dinheiro a combater a terrível guerra" na Ucrânia, sendo "muito mau que tenha de estar a fazer isso".

Com esta declaração, Trump aproxima-se da perspectiva de Moscovo, que tem repetido que não está apenas a combater os ucranianos, mas também a NATO e todo o ocidente colectivamente.

É claro que esta aproximação não é suficiente para que o Kremoin aceite as tréguas de um mês sem outras condições prévias cumpridas, mas isso só ficará claro na sexta-feira, embora a TASS, a agência de notícias oficial russa, tenha divulgado hoje que Putin poderá falar sobre a situação no conflito ucraniano numa conferência de imprensa no contexto da Cimeira Rùssia-Bielorrússia que tem lugar esta quinta-feira, 13.

Entretanto, Vladimir Putin deslocou-se, em farda militar, com a sua inerente carga simbólica, à frente de guerra em Kursk, onde, segundo o britânico The Guardian, recebeu um ponto de situação do seu CEMGFA, Valeri Gerasimov, e onde pediu às forças russas que terminassem a "limpeza" de Kursk rapidamente.

Esta situação permite concluir que Putin pretende retirar trunfos negociais aos ucranianos, o que pode ser um sinal de que se prepara para algumas cedências que levam a negociações para acabar com a guerra, como pretende o seu "amigo" Donald Trump.

Igualmente claro é que Moscovo e Washington mantém paralelamente negociações importantes sobre o formato da retoma das relações bilaterais que foram totalmente cortadas no decurso da guerra pela anterior Administração do Presidente Joe Biden.

E que essa normalização diplomática EUA/Federação Russa parece ser mais importante para os norte-americanos, provavelmente por razões diferentes dos russos, que a questão ucraniana, de onde Donald Trump quer sair o mais depressa possível por não ser a "sua" guerra.

Como o Novo Jornal tem noticiado, alguns analistas (ver links em baixo) apontam como objectivo estratégico de Washington procurar, através de cedências a Moscovo na questão do conflito na Ucrânia, criar um contexto que permita algum afastamento entre russos e chineses sob a perspectiva de que mais cedo ou mais tarde, os norte-americanos terão um confronto sério com Pequim, onde gostariam de contar com a neutralidade russa.

Face a este contexto, em Kiev, Volodymyr Zelensky, cujo entusiasmo sobre o cessar-fogo, por outro lado, deixa adivinhar que as condições propostas pelos norte-americanos são convenientes para a Ucrânia, já veio defender que os EUA sejam duros com os russos se recusarem as tréguas.

O chefe do Governo ucraniano voltou a dizer que está disponível para aceitar o cessar-fogo de 30 dias mas espera que os americanos avancem com mais robustas sanções sobre Moscovo se o Kremlin recusar parar as hostilidades.

Além de dizer que espera "medidas fortes em relação ao lado russo" dos americanos caso rejeitem as condições, Zelensky aproveitou, citado pelas agências, para dizer que a culpa será totalmente da Rússia se o cessar-fogo não entrar em vigor em breve.