Hoje, depois de mais uma Cimeira de Paris, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, esbracejam ainda por ganhar um lugar à mesa dos "grandes" mas em Washington e em Moscovo ninguém lhes liga.

Soterrados nesta marginalização, Macron e Starmer, que não conseguiram, mais uma vez, como há um mês, e há dois meses... convencer os restantes países europeus a juntarem-se à sua disponibilidade para esticar a corda perante russos e norte-americanos, optaram agora por mostrar os dentes com mais do mesmo.

Paris e Londres voltaram a ameaçar Moscovo com o envio de uma força militar para a Ucrânia, mas, depois, esmiuçando a decisão, lá explicaram aos jornalistas, provavelmente já cansados deste esbracejar europeu nas águas da indiferença russa e norte-americana, que tal só será feito após a assinatura de um cessar-fogo e sempre mantendo-se longe da linha da frente.

Ou seja, os dois mais aguerridos lideres europeus, até porque sendo duas das maiores potências europeias, e os dois países que dispõem de armas nucleares na parte ocidental do continente europeu, não querem deixar consolidar esta redução da importância europeia no xadrez que se joga globalmente e quando o mundo se reorganiza numa nova ordem mundial.

Só que, após longas horas da reunião de Paris, o que os jornalistas conseguiram de palpável foi apenas uma declaração consensual entre os líderes europeus de que não vão levantar quaisquer sanções à Rússia das milhares que aplicaram a Moscovo desde o início da invasão da Ucrânia a 24 de Fevereiro de 2022.

Nessa notícia da CNN World, de meados de Fevereiro, pode ainda ler-se que a sair do choque provocado pela decisão do Presidente Trump de avançar com negociações directas com os russos sobre como acabar com a guerra na Ucrânia, ignorado os aliados históricos europeus, e até os ucranianos, os líderes europeus procuram a fórmula que lhes permita entrar no jogo.

Nada. Ainda não foi desta. Passado um mês, os europeus, com Emmanuel Macron como anfitrião, ladeado pelo britânico Keir Starmer, curiosamente ambos em sérias dificuldades políticas internas, continuam marginalizados por Washington e com um consenso interno cada vez mais longe.

Mas há um sinal curioso de saiu da Cimeira de Paris, que é o facto de a decisão de não levantar sanções aos russos estar a ser vista, como escreve agora também a CNN World, mas igualmente a Reuters, The Guardian ou a Bloomberg, entre outros, como uma pedra atirada contra Dnald Trump e não contra Vladimir Putin.

Isto, porque os europeus não gostaram de ver acentuada a sua distância da mesa onde os grandes discutem o futuro do mundo, com os Estados Unidos a anunciarem a intenção de aliviar algumas das sanções que Washington aplicou nos últimos três anos a Moscovo.

Antes de Trump regressar à Casa Branca, a 20 de Janeiro, os europeus e os norte-americanos, sob a Administração de Joe Biden, incluindo o Canadá, estiveram sempre juntos a decidir as áreas da economia russa a sancionar.

Existia então uma harmonia evidente, onde, na altura, era o Presidente francês que procurava ganhar algum protagonismo ao manter canais de comunicação abertos com o Kremlin, enfurecendo Washington, que tinha cortado totalmente as relações com Vladimir Putin, embora ao nível da intelligentsia essa comunicação nunca tenha sido interrompida a 100%.

Segundo o site da CNN, o "não" rotundo dos europeus ao levantamento das sanções à Rússia, é uma afronta desenhada para afectar os norte-americanos, sendo uma "mensagem clara" para Trump, que tem na diluição das sanções uma moeda de troca para obter de Moscovo concessões para um acordo de cessar-fogo na Ucrânia.

"Vamos mesmo anexar a ilha"

Alias, as relações entre os europeus e os históricos aliados norte-americanos podem mesmo estar por um fio e espantar o mundo com uma situação não apenas de afastamento diplomático mas de aproximação de uma situação de potencial conflito militar.

E o que parecia ser algo impensável ainda há anos, senão meses, está hoje nas páginas dos sites de notícias de todo o mundo, que é a desafiante visita do vice-Presidente dos EUA, JD Vance, à Gronelândia, a gigantesca ilha dinamarquesa localizada no circulo Ártico.

É que os EUA, depois de Donald Trump ter dito, logo após assumir o poder, que iria anexar esta ilha (ver links em baixo) de um país europeu que também faz parte da NATO, sem que tenha sido levado muito a sério, agora tudo parece estar a evoluir depressa demais e perigosamente.

"Vamos mesmo ter de anexar a Gronelândia", disser Trump horas antes de o seu vice-Presidente iniciar a deslocação para esta ilha dinamarquesa, voltando a alegar razões de segurança para os EUA, o que, apesar de por razões diferentes, é o mesmo argumento usado pelos russos para avançar sobre as fronteiras ucranianas, há mais de três anos, de nde se destaca a questão da adesão de Kiev à NATO, que o Kremlin mantém como questão "existencial".

É que esta deslocação do vice-Presidente dos EUA à Gronelândia, sem dar disso nota diplomática e sem autorização oficial da Dinamarca, é uma humilhação jamais vista de Washington a um aliado europeu, mas não apenas ao Governo de Copenhaga, atinge directamente o coração da Europa, Paris e Londres e Berlin.

Potências europeias que, para já, tardam a reagir ao que agora, como nota o analista português Tiago André Lopes, se apresenta como uma real ameaça de anexação da ilha dinamarquesa, embora com estatuto de autonomia consolidado, pelos norte-americanos, naquilo que seria o desmoronamento total e irrecuperável da NATO e deixaria países até agora aliados sólidos, pelo menos desde o fim da II Guerra Mundial, de armas apontadas uns aos outros.

Recorde-se que Trump justifica a anexação da Gronelândia, ilha gigante ártica, para garantir o controlo das novas rotas marítimas criadas pelo aquecimento global, onde já estão a passar muitos navios chineses e russos, aproveitando as menores distâncias pelo extremo norte do planeta para chegar da Ásia ao ocidente com as suas mercadorias.

Diz o Presidente norte-americano que é ainda uma questão de segurança face à presença crescente russa e chinesa, mesmo que os EUA já tenham duas bases militares na Gronelândia, onde o vice-Presidente JD Vance chega esta sexta-feira, 28, naquilo que é uma entrada ilegal em território de um país soberano.

Isto tudo, quando os EUA e a Rússia estão a negociar um cessar-fogo directamente sem os europeus e até sem os ucranianos, envolvendo, para já uma paragem parcial das hostilidades no Mar Negro e nos ataques a infra-estruturas energéticas.

Ao mesmo tempo, os EUA estão a exigir que os ucranianos cedam não apenas a exploração dos seus minérios estratégicos querendo ainda as suas reservas de gás natural e de petróleo, para ser ressarcido das centenas de milhares de milhões de dólares injectados em armas na Ucrânia, fazendo com que o Governo de Kiev seja um actor secundário do seu próprio filme.

Os recados de Putin

Claramente de modo a parecer que se mantém alheado destes problemas europeus, o Presidente russo foi a bordo de um submarino nuclear para lhes dizer que as suas forças armadas estão quase, quase a ganhar a guerra e a destruir o que resta do Exército de Kiev.

Avisou ainda que a ideia peregrina dos europeus manterem como objectivo desferir uma "derrota estratégica" à Rússia é, antes de mais, uma armadilha montada contra o povo ucraniano, que é quem está a servir de carne para o canhão dos interesses dos europeus.

Referiu como sério e grave o esforço dos europeus, como sucedeu na Cimeira de Paris desta semana, para fazer descarrilar o processo negocial para terminar o conflito na Ucrânia, lembrando que a postura de Moscovo foi sempre de preferir chegar à paz pela via negocial.

E avisou que as tentativas em curso para transformar a realidade a seu favor, como fez o presidente do Conselho Europeu, António Costa, há dias, quando disse que foi a Rússia que falhou nos Acordos de Minsk, não terão sucesso.

Neste caso parece evidente, até porque os acordos de Minsk I (2014) e Minsk II (2015), envolveram ainda franceses e alemães, além de russos e ucranianos, e tinham como objectivo determinar as normas para acabar o conflito no Donbass, onde havia uma revolta popular da população russófona, contra o novo regime de Kiev, saído do golpe de Estado recente, onde, com apoio norte-americano e europeu, foi destronado o Presidente pró-russo Viktor Yanukovich.

E tanto Fraçois Hollande, que era o Presidente francês na altura, e Angela Merkel, a então chanceler alemã, já vieram confessar publicamente que os Acordos de Minsk apenas foram "montados" para enganar os russos e permitir o rearmamento da Ucrânia de forma a preparar o país para uma guerra com a Federação Russa.

Sobre a sucessão de acontecimentos que levou à invasão de 2022, Putin, falando claramente para os ucranianos, disse que os líderes europeus conseguiram convencer os seus pares ucranianos de que poderiam conseguir uma derrota estratégica de Moscovo se mantivessem o povo alinhado com a sua narrativa anti-russa e lutassem "até ao último ucraniano".

E deixou um aviso claro a Macron e a Keir Starmer, o Presidente francês e o primeiro-ministro britânico: "Eles parecem desconhecer do que a Rússia é feita e esquecer que a Rússia tem gente como a tripulação deste submarino" e as capacidades desta arma carregada com misseis nucleares hipersónicos (Zircon).