A liderança da União Europeia começa visivelmente a perder o pé no esforço de impedir o surgimento de brechas na solidez da resposta do bloco europeu tanto no apoio a Kiev como na exigência de estar sentada à mesa das negociações com russos e americanos.
É que a alemã Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, António Costa, o português que preside ao Conselho Europeu, e, da Estónia, Kaja Kallas, que chefia a diplomacia europeia, sabem que, agora, mais que nunca, se aplica a velha, conhecida e mordaz sentença que diz que em diplomacia geoestratégica, quem não está sentado à mesa, faz parte do menu...
E as evidências das brechas já estão nas páginas dos jornais ocidentais, como o britânico The Guardian dá a conhecer esta sexta-feira, 21, ao nomear quais os países que estão na linha da frente na defesa do apoio ilimitado e sem prazo a Kiev, os que impõem condições, os relutantes e os claramente contra.
Na linha da frente estão a Polónia, os países bálticos, Estónia, Lituânia e Letónia, e os escandinavos, a olhar de cima mas de forma diferente os gigantes Alemanha e Franca, os relutantes são Itália, Espanha e Portugal, e os claramente contra ou muito reticentes, a Hungria, a Eslováquia e a República Checa.
O que deixa perceber muitas dificuldades entre os Estados-membros do bloco europeu para erguerem uma plataforma coerente de apoio a Kiev, seja no envio de armas ou no apoio financeiro, especialmente na criação do fundo anunciado, provavelmente cedo de mais, por Ursula Leyen, de 800 mil milhões de euros para esse efeito.
Todavia, se isto é um problema, os sintomas da "doença" começam a ser do domínio público, como avançam as agências de notícias, como a Bloomberg, sobre uma altercação ruidosa entre a estoniana Kaja Kallas, que é o rosto da diplomacia europeia, e o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez.
Isto, porque é já evidente entre os lideres europeus que se quiserem ter um lugar à mesa das negociações entre russos e norte-americanos, terão de encontrar um nome que seja aceite por Vladimir Putin e Donald Trump, e Kaja Kallas nunca terá a aceitação do Presidente russo devido ao seu permanente e ruidoso e não disfarçado ódio a Moscovo.
A actual cara da diplomacia europeia foi primeira-ministra da Estónia até 2024 e nessa condição chegou mesmo a defender que a NATO devia avançar para o terreno com forças militares para ajudar a Ucrânia a derrotar a Rússia.
Sabendo disso, o chefe do Governo espanhol, segundo reportam os media ocidentais, e também os russos, como a RT, avançou em Bruxelas com uma proposta de indicação de uma figura europeia para negociar com russos e americanos.
Essa ideia de Sanchez, que, ao que tudo indica, terá falado com o apoio de outros presentes na sala, enfureceu Kaja Kallas, que, segundo estes relatos, chegou mesmo a gritar com o primeiro-ministro espanhol dizendo-lhe que não percebia a sua proposta porque ela é que é a pessoa indicada, como Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, para dialogar com russos e americanos.
"Temos de ter um representante europeu que fale por todos os cidadãos europeus e que lidere uma equipa negocial europeia que possa falar com as partes", disse Sanchez aos seus parceiros na Cimeira de Chefes de Governo da União Europeia que teve lugar esta quinta-feira em Bruxelas.
O que Pedro Sanchez e outros líderes europeus querem, por já terem percebido que Kallas nunca terá "visto" para ir a Moscovo como enviada especial europeia, é começar a tirar do caminho os obstáculos maiores a uma lenta mas progressiva aproximação ao Kremlin, porque, de outra forma, a União Europeia nunca estará sentada à mesa, será apenas parte da... refeição.
A pressão dos europeus, incluindo o Reino Unido, que não é parte da União Europeia, para ter acesso à mesa está a ser feita através da ameaça de substituir os norte-americanos no apoio a Kiev, mas alguns analistas dizem que é apenas um "bluff" num jogo de póquer e que tanto Trump como Putin estão a jogar podendo escolher as cartas e sabendo ao mesmo tempo que cartas os europeus têm na mão...
Trump procura chegar a Putin sobre a Ucrânia a pensar em Pequim
Os líderes europeus, ou parte substancial deles, já perceberam que o objectivo da Administração Trump é normalizar as relações com a Rússia e que não vão criar um "irritante" com Putin por causa dos europeus, porque neste jogo de póquer está em cima da mesa muito mais que a guerra na Ucrânia, pode estar mesmo o equilíbrio da futura Ordem Mundial na qual Bruxelas é um interveniente menor.
Enquanto isso, a partir de Washington, Donald Trump, esta semana já falou com Vladimir Putin e com Volodymyr Zelensky, tendo-se referido a ambas como conversas "muito boas" e auspiciosas, mostrando que não precisa, mesmo que não tenha sido essa a intenção, dos europeus para nada.
Voltou a referir que tem as negociações para ficar com as "terras raras" e os minérios estratégicos da Ucrânia em estado avançado e que, aparentemente, sobre isso também Putin não mostra quaisquer incómodos.
Apontou como certo que em breve estará a decorrer um cessar-fogo integral e que daí a um acordo de paz definitivo será um passo curto na quilometragem diplomática, mostrando mais uma vez que os esforços europeus para se intrometerem neste processo negocial podem até ser malvistos em Washington.
Especialmente a decisão que os membros do bloco europeu tomaram esta quinta-feira de avançar com novas sanções contra a Rússia, incidindo especialmente no seu sector do Petróleo e Gás, o que Trump não deve gostar porque isso terá sempre um impacto no aumento do preço do crude e o seu objectivo e baixá-lo de forma a poder melhor combater a gritante inflação nos EUA que ameaça conduzir o país para uma nova recessão...
Esta decisão de Bruxelas é uma resposta ao apelo do Presidente ucraniano, que esteve na Cimeira através de vídeo-conferência, onde pediu aos aliados para manterem e endurecerem as sanções à Rússia porque a pressão sobre Moscovo é essencial para vergar Putin e fazê-lo aceitar as condições de Kiev para a paz.
Volodymyr Zelensky, de acordo com o Financial Times, pediu aos seus parceiros europeus que actuem de forma a que Moscovo seja obrigada a aceitar "retirar da Ucrânia as suas tropas e aceite pagar os custos da reconstrução" gerada nos três anos de guerra.
Isto, quando os russos estão em grande vantagem no conflito e avançam dia após dia na linha da frente sobre as posições ucranianas, cujas fragilidades obrigam a sucessivas retiradas abruptas e descontroladas como sucedeu recentemente em Kursk (ver links em baixo).
E Trump e a sua Administração sabem que assim é melhor que ninguém, porque são quem domina a informação disponível em Kiev e estão por dentro das suas capacidades militares actuais, apenas porque os EUA foram, deste o início, os destacados maiores apoiantes da Ucrânia.
Ora, a questão é, como olha Washington para estes pedidos de Zelensky aos europeus e como é que os europeus continuam a defender oficialmente, apesar das brechas da muralha, o apoio incondicional a Kiev para conseguir impor as suas condições ao Kremlin?
Mal. E a explicação é simples: como em política internacional não há aliados, há interesses, os EUA precisam mais de conseguir agradar aos russos, pelo menos actualmente, que aos europeus.
Isso, porque só assim poderão ter possibilidades de desligar Moscovo e Pequim da já famosa "parceria estratégica sólida como uma rocha" como a definiu o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, fundamental para quando chegar o momento do confronto decisivo entre os Estados Unidos da América e a República Popular da China.
Se, embora existam cada vez mais dúvidas entre os analistas, os EUA são ainda uma potência militar e económica superior à China, podendo contar com essa superioridade num eventual confronto, se tal suceder num momento e que Pequim e Moscovo estão juntos na sua parceria estratégica e "sólida como uma rocha", tal deixa de ser verdade.
É que face à capacidade industrial e produtiva chinesa, bem como os seus infindáveis recursos humanos, aliada aos inesgotáveis recursos energéticos, minerais e alimentares, ou a cada vez mais reconhecida capacidade tecnológica militar dos russos, os EUA perdem a vantagem.
Como já dizem há muito vários analistas, Washington procura nesta aproximação a Moscovo agradar a Putin com cedências na questão ucraniana de forma a levar os russos a amolecer a dureza da sua parceria estratégica com Pequim...
Até porque o tal momento do tira-teimas entre americanos e chineses parece estar já em cima da mesa de trabalho do Pentágono, como o deixa perceber a notícia das últimas horas do norte-americano The New York Times, sobre um "briefing" que as chefias miliares terão feito ao dono da Tesla e da Space X, Elon Musk, sobre os planos para a guerra com a China.
Embora a notícia do NYT tenha sido desmentida pela Casa Branca, até porque seria ilegal Musk ser informado de tais planos se eles existirem de facto, considerando que não é parte da Administração mas sim uma espécie de contratado de Donald Trump, a verdade é que a preparação dos EUA para uma guerra com o gigante asiático antes que seja também um gigante militar global e imbatível, há muito que não é segredo para ninguém em Washington.