É cada vez mais visível que a União Europeia é uma carta fora do baralho no que diz respeito à definição de um calendário que permita acabar com as hostilidades entre russos e ucranianos, que já está no 4º ano e centenas de milhares de mortos e feridos em ambos os lados.

Sob mediação dos Estados Unidos, e antes deste encontro europeu com Zelensky em Paris, ucranianos e russos concluíram a parte essencial de um acordo que permite a navegação comercial no Mar Negro e o fim dos ataques às infra-estruturas energéticas de um e do outro lado da fronteira.

Este acordo, que parece claramente mais sólido que os anteriores momentos em que em Moscovo e em Kiev, depois das conversas iniciais com o norte-americano Donald Trump, os Presidentes Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky vieram a público dizer que iriam ordenar o fim dos ataques a esse tipo de equipamentos.

Agora, envolvendo também a navegabilidade no Mar Negro, fundamental para o fluxo de cereais e alimentos dos dois países para os mercados mundiais, se não ocorrerem surpresas em Paris, porque os europeus ocidentais podem efectiva e definitivamente ficar fora deste jogo da paz arbitrado por Washington, o mundo ficará mais próximo de assistir a um acordo de paz alargado que possa acabar com a guerra mais mortal no continente europeu desde que terminou a II Guerra Mundial.

No entanto, apesar da evolução aparentemente positiva, até porque conta com a concordância do mediador norte-americano, Moscovo tem condições que quer ver respeitadas para alinhar neste mapa de Washington para encontrar a paz, desde logo o fim de uma parte das sanções ocidentais aplicadas à Rússia no contexto da invasão da Ucrânia em Fevereiro de 2022.

Uma das questões em cima da mesa pelo Kremlin é o levantamento das sanções no sector agrícola para que seja aberta a navegação no Mar Negro, que vão da abertura dos mercados às exportações russas, que é um dos maiores exportadores do mundo de vários cereais e derivados.

Tudo indica que estes passos possam ser dados, porque os Estados Unidos não recusam o levantamento de sanções à Rússia, embora o tenham dito na forma de "a questão está a ser analisada", expressa pelo próprio Donald Trump, enquanto em Kiev, Zelensky já disse que não lhe agrada nada o alívio no cordão sancionatório que separa a Rússia do mundo ocidental.

Mas, a ser aplicada essa abertura no cerco sancionatório, este será, provavelmente, a primeira brecha relevante na muralha ocidental, deixando EUA de um lado e os seus históricos aliados da Europa ocidental do outro.

E é por isso que o encontro entre Zelensky e Macron esta quarta-feira em Paris pode ser um momento decisivo.

Com a Europa a perder espaço e relevância na discussão das condições para a paz, incluindo os acordos parciais de cessar-fogo, Macron e os seus pares europeus, que têm insistido na estranha fórmula da continuação da guerra como solução para a paz, podem tentar boicotar os esforços liderados pelos Estados Unidos.

E o primeiro aviso do descontentamento ucraniano chegou pela voz do próprio Presidente Zelensky, que manifestou, citado pelo britânico The Guardian, "grande incómodo" pelo facto de russos e norte-americanos estarem a negociar termos de acordos sem a sua presença à mesa das negociações.

Porém, essa não é a definição clara do que se está a passar. É que Washington está a conduzir estas negociações em encontros bilaterais cm ucranianos e com russos, à vez, como se fossem uma espécie de pombo-correio, sendo claramente verdade também que Kiev é a parte menor deste triângulo de interesses.

Mas o que Zelensky não gostou mesmo, ainda segundo o jornal britânico foi ouvir "que eles estão a negociar os territórios ucranianos" quando nas discussões bilaterais com os norte-americanos, na Arábia Saudita, esse ponto não tivesse feito parte da agenda.

De um lado, russos exigem o controlo total do que ainda não controlam nas regiões anexadas em 2022, de Kherson, Zaporizhia e Donetsk, visto que Lugansk já é de domínio total de Moscovo e a Crimeia também, esta anexada em 2014, ano em que este conflito efectivamente começou, com o golpe de Estado apoiado pelos EUA contra o Presidente pró-russo Viktor Yanukovich.

As restantes condições russas permanecem inamovíveis, como, entre outras (ver links em baixo), a questão da neutralidade ucraniana, que deve manter-se fora da NATO.

Do outro lado, os ucranianos não admitem ainda ter esse ponto em cima da mesa, embora alguns analistas admitam que a questão dos territórios já sob domínio das forças russas, que serão a maior parte das áreas anexadas até aqui, tem cada vez menos resistência a uma eventual cedência, de forma a conformar as negociações ao que delas já disseram os americanos, que é que "pensar que os russos vão sair das posições que controlam é irreal".

Provavelmente, depois da Cimeira de Paris, que terá lugar esta quinta-feira, 27, que é uma resposta da União Europeia e do Reino Unido aos avanços conseguidos pelos norte-americanos, onde, como habitual, vai servir para forçar as suas presenças à mesa das negociações onde, aparentemente, nem Moscovo nem Washington os querem ver.

Mas há um dado relevante e que pode mudar tudo, que foi o facto de Steve Witkoff, o enviado especial de Donald Trump para o leste europeu e mediador de peso para esta guerra, ter afirmado, pela primeira vez, deixando EUA e europeus em lados totalmente opostos, que os referendos que serviram de suporte legal à anexação pela Rússia das regiões ucranianos foram válidos e correspondem à vontade das populações que ali vivem.

Facto consumado é que nunca se esteve tão perto de começar a ver definidos os rebordos de um futuro acordo que ponha fim a esta guerra no leste europeu, e que as próximas rondas negociações devem ser decisivas, não no fim das hostilidades mas na definição dos caminhos para lá chegar.

Entretanto, depois de Zelensky ter vindo criticar fortemente o enviado de Trump, Steve Witkoff, por estar "alinhado com a posição do Kremlin", o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, veio acusar os aliados europeus de Kiev de se estarem a comportar como uma "pedra atada ao pescoço" do Presidente ucraniano quando este procura não se afogar.

E é esta a razão pela qual vários analistas temem que a próxima Cimeira dos aliados europeus de Kiev com a Presente de Zelensky, em Paris, já amanhã, pode ser apenas uma forma de Bruxelas e Londres colocarem ainda mais peso sobre o Presidente ucraniano de forma a que este não aceite as condições de Washington para a paz, alegando que que esta não pode ser conseguida apenas com cedências ucranianas.

É que, entre os media ocidentais, na sua generalidade alinhados com Kiev, surgem diariamente peças de análise onde o tom é geralmente no sentido de criticar os acordos conseguidos pelos EUA porque eles resultam, como ota The Guardian, "da resposta a uma lista de desejos da Rússia".

Numa segunda linha de raciocínio, ressalta a ideia de que Putin está a manipular Trump e que este ingenuamente está a ser conduzido para o cadafalso das cedências à Rússia em nome de Kiev sem o consentimento do regime ucraniano.

O que permite perceber que na Europa ocidental, mesmo que os aliados da União Europeia não se consigam entender sobre questões tão simples como reunir apenas 5 mil milhões de euros para comprar munições para Kiev, Bruxelas mantém as baterias todas, metaforicamente sem munições, viradas para a ideia de uma derrota do regime russo no campo de batalha da Ucrânia.