Washington e Moscovo acabam de dar um golpe de misericórdia nos esforços do Reino Unido e França para definirem o mapa que conduzirá a um cessar-fogo entre russos e ucranianos, conseguindo anular a reunião de alto nível prevista para Londres nesta quarta-feira, 23.

Com a intensa agenda diplomática entre norte-americanos e russos, tanto no restabelecimento das relações bilaterais, que colapsaram totalmente na Presidência de Joe Biden, como na definição da fórmula final para acabar com a guerra, os europeus procuravam uma brecha na atenção dos gigantes para chegarem ao palco principal.

Para isso, como o Novo Jornal tem dado nota (ver links em baixo), o Presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, estão num frenético vai e vem de reuniões de alto nível entre Paris e Londres.

Depois de Paris, há duas semanas, era Londres o palco previsto para esta quarta-feira, 23, onde deveriam estar os chefes da diplomacia dos EUA, Reino Unido, França e Ucrânia, o que faria com que a Rússia voltasse a surgir como entidade marginal neste processo.

Só que, quando russos e norte-americanos estão num "shutlle" diplomático entre delegações de peso, e com Steve Witkoff, o enviado especial de Donald Trump, num permanente vai e vem entre Moscovo, onde é esperado de novo esta semana, e Washington, para ouvir directamente do Presidente as instruções do momento, a reunião de Londres poderia criar atritos sérios.

Até porque é hoje claro, como notam os analistas mais atentos, que, estando a Rússia a ganhar a guerra, com os EUA a precisar de fechar o dossier do reatar das relações com Moscovo rapidamente, e com a certeza inapelável de que o conflito terminará apenas com cedências pesadas de Kiev, o encontro de Londres só traria mais dificuldades a este caminho.

Rubio out

Assim, escassas horas antes da chegada das delegações europeias, incluindo a ucraniana, que seria chefiada por Andii Yermak, o Chefe de Gabinete do Presidente Volodymyr Zelensky, o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, fez saber que não iria a Londres.

Este anúncio fez ruir com estrondo mas uma tentativa da dupla Macron-Starmer de impedir o sucesso do plano de Trump e de Putin (não oficial mas cada vez mais visível) para acabar com a guerra na Ucrânia, e que está a ser ultimado ao detalhe com sucessivas idas de Steve Witkoff a Moscovo.

Mas, ao mesmo tempo, e depois de tanto Zelensky como Putin terem feito cedências robustas no sentido de passarem a admitir conversações directas depois de as negarem como possíveis ao longo de anos, os media internacionais ocidentais têm repetidos sinais de que Moscovo e Kiev estão a corroer as notas públicas de vontade de negociar com cedências traduzíveis por boa vontade diplomática.

Assim, depois de o Financial Times, The Washington Post e o Politico terem noticiado que os EUA se preparam para reconhecer a Crimeia como região de soberania plena russa, que Putin estaria disponível para congelar o conflito nas suas actuais demarcações no terreno e aveludar as suas exigências, e que há indícios de que os dois beligerantes directos não querem desafiar o aviso de Trump de que abanonara a mediação sem esses mesmos sinais claros de que ambos querem a paz, Zelensky veio colocar nova abrasividade neste processo.

Zelensky off

Além de ter vindo, nesta terça-feira, 22, quando tudo indicava que teria os EUA de novo sentados à mesa consigo, em Londres, Volodymyr Zelesky tornou público que "jamais reconhecerá a Crimeia como russa", naquilo que é um renovado desafio a Moscovo e um bem conseguido movimento que faz desmoronar a base das negociações em curso.

Esta manobra táctica de Zelensky, depois de ter dito que estaria mais receptivo a negociar directamente com os russos, aludindo mesmo a possíveis cedências territoriais, o Presidente ucraniano demonstra que, sabendo que o fim das hostilidades concidirá com o fim do seu regime, tem como opção de fundo dar continuidade à guerra.

Isso deverá manter-se enquanto contar com o apoio europeu e os EUA não desligarem totalmente o suporte mínimo ao seu esforço de guerra, como de facto acontece através do fornecimento de intelligentsia e de informações colhidas pela sua vasta rede de satélites.

"A Crimeia é território ucraniano e não temos nada que discutir sobre esta questão, a nossa Constituição não o permite", atirou Zelensky contra quaisquer possibilidades de sucesso em eventuais conversações com o Kremlin.

Com esta declaração, o "chefe" ucraniano mostra querer efectivamente dar continiidade à guerra, embora acuse Moscovo de ser responsável por isso ao manter as suas exigências territoriais sobre as regiões que ocupou militarmente nestes mais de três anos de guerra.

De facto, a Crimeia foi anexada, depois de um referendo que a comunidade internacional não reconheceu, em 2014, no rasto do golpe de Estado em Kiev apoiado pelos EUA e União Europeia, que afastou do poder o pró-russo Viktor Yanukovich, e as outras quatro, Kheron, Zaporizhia, Lugansk e Donetsk, foram anexadas com o mesmo suprote popular em 2022.

No entanto, segundo noticia o britânico The Guardian, o reconhecimento da Crimeia está a ser ponderado pelos EUA sob a perspectiva de que Moscovo deixará cair a exigência de controlo soberano dos territórios que ainda não domina nas regiões de Kheron e Zaporizhia, o que inclui as suas principais cidades na margem direita do Rio Dniepre.

Todavia, nada disto pode ser tido como dado adquirido porque, mesmo sem detalhar, o prota-voz do Kremin, Dmitri Poeskov, já veio avisar que "há muitos fakes" a circular nos media internacionais e que no que diz respeito às posições de Moscovo "apenas as informações tornadas públicas pelo Governo russo devem ser consideradas como válidas".

Kremlin on

Uma dessas notícias, provavelmente uma das que Peskov refere como "fakes", está a ser avançada pelo site norte-americano Axios, e foi mesmo retomada pela russa RT, onde é dito que o Presidente dos EUA fez uma "oferta final" para acabar com a guerra.

Esse plano, que terá sido entregue ao Kremlin pelo enviado de Trump, Steve Witkoff, remete para o reconhecimento por parte de Washington da Crimeia como parte de jure da Rússia e dos restantes territórios anexados como sob efectivo controlo de Moscovo, além de que a questão da adesão de Kiev à NATO está fora da grelha das possibilidades, entre outras respostas, mesmo que parcialmente, às exigências de Vladimir Putin.

Além disto, a Rússia teria garantido o alívio das sanções e a Ucrânia veria respeitadas algumas situações como uma ajuda substancial para a reconstrução, garantias de segurança, mas não dos EUA, e acesso ao Rio Dniepre livre para as suas empresas e populações ribeirinhas ucranianas, entre outras garantias.

Não se pode dizer com este baralhar e dar de novo forçado por Washington com a sua ausência da reunião muito aguardada por ucranianos e europeus ocidentais, que deveria acontecer esta quarta-feira, 23, em Londres, a paz esteja mais longe, mas está seguramente mais claro que o eixo Moscovo/Washington parece estar a ganhar vantagem na escolha dos caminhos para chegar a calar das armas na Ucrânia.