Marco Rubio foi este Domingo, 27, à CBS, a televisão que horas antes tinha entrevistado o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, o que não acontecia a este nível há mais de três anos, reafirmar que ou Moscovo e Kiev avançam ou ficam mesmo sem mediador.

Para os russos, como justificam alguns analistas, este deadline norte-americano não é uma questão de vida ou de morte, porque sem os americanos, que Tiago André Lopes, na CNN Portugal, admite que podem, entre outras fórmulas, sair de cena totalmente, até podem ganhar lastro para continuar a guerra.

Os russos, na verdade, podem ganhar com um acordo de paz, porque só o admitem se virem cumpridas as suas exigências, que são abrangentes e muito complexas para convencerem Kiev, nomeadamente a questão da soberania sobre os territórios conquistados, todos.

Mas se a guerra continuar, também pode ser bem visto em Moscovo porque isso vai permitir às suas forças tomarem mais áreas da geografia ucraniana porque estão, como adianta o especialista em estratégia militar, major-general Agostinho Costa, com um pendor de vitória evidente.

Este cenário tem como pressuposto uma menos efusiva oposição dos norte-americanos à vontade do Kremlin (ver links em baixo), depois do reatar das relações entre os Presidentes Donald Trump e Vladimir Putin, que tem vindo a crescer a ponto de parecer mesmo haver uma rugosa adstringência entre Kiev e Washington devido à recusa persistente dos ucranianos cederem terras aos russos.

No entanto, conhecida como é a volatilidade das opções e decisões de Donald Trump, aquele encontro, durante as exéquias do Papa Francisco, no Sábado, 26, em imagens que correram o mundo, com Trump e Zelensky, frente a frente, sentados em duas cadeiras, num espaço da Catedral de São Pedro, no Vaticano, durante escassos 15 minutos, podem ter virado o mapa ao contrário na forma como Washington olha para esta guerra no leste europeu.

Se o Presidente Volodymyr Zelensky rapidamente foi para as redes sociais referir-se a este encontro com Trump como um "momento histórico" com resultados que, deixou entender o chefe do regime de Kiev, podem ser decisivos para um epílogo no conflito com os russos, Trump remeteu-se até hoje, segunda-feira, 28, a um silêncio que vários analistas consideraram um sinal de que o ucraniano se tinha apressado a gritar sucesso.

Zelensky recupera aceitação em Washington

Mas não, ao que tudo indica, Zelensky estava certo e, segundo o jornal britânico The Guardian, Donald Trump veio dizer aos jornalistas que está "muito desapontado" com os russos, especialmente com o seu "amigo" Putin por continuar a atacar com brutalidade Kiev.

Apontou ainda o encontro no Vaticano com o homólogo ucraniano como tendo "corrido muito bem" e que a sua relação com ele "melhorou bastante" apos aquele curto tête-à-tête na Catedral de São Pedro, a ponto de vir agora garantir que a sua relação com Zelensky "nunca foi má", apenas "balançou ligeiramente" devido a algo que ele disse e o americano não concordou.

"Vi-o mais calmo, creio que ele entende o cenário global, e estou convencido que ele quer chegar a um acordo, que quer fazer algo de bom para o seu país", referiu ainda Trump quando questionado pelos jornalistas sobre o encontro no Vaticano sobre o qual nada tinha ainda dito, quando costuma ser célere a ir para a sua rede social, a Truth Social, dizer o que lhe vai na alma sobre tudo e sobre todos.

Há, todavia, um ponto em que esta declaração do Presidente dos EUA não cola à realidade, pelo menos naquilo que se conhece até aqui. É que Trump também veio afirmar, segundo a Reuters, que está convicto que Zelensky está disponível para ceder a Crimeia à Rússia ao mesmo tempo que lhe "pediu mais armas" naquele "local bonito" que é a Catedral de São Pedro, "o gabinete mais lindo de sempre" em que já esteve.

Isto, porque o ucraniano já disse, e repetiu ainda no passado Sábado, no dia em que esteve sentado tête-à-tête com o americano, que não vai nem pode ceder qualquer pedaço de território da Ucrânia "porque a Ucrânia é do povo ucraniano" e não do Presidente.

Recorde-se que a questão territorial é parte substantiva das exigências russas, sendo a Crimeia, anexada em 2014, após o golpe de Estado apoiado pelos EUA e europeus, que destronou o Presidente pró-russo Viktor Yanukovich, a mais importante de todas devido à sua histórica legação de soberania à Rússia até à década de 1950.

Além da Crimeia, Moscovo não abre mão de Kherson e Zaporizhia (estas duas ainda com largas partes sob controlo de Kiev), Lugansk e Donetsk, as quatro regiões anexadas em 2022, meses depois da invasão russa, em Fevereiro desse ano, a que se acrescenta a neutralidade ucraniana fora da NATO e a sua desmilitarização.

Sedo estas as três questões mais importantes no processo negocial mediado pelos EUA, apenas uma parece estar resolvida em Kiev, que é a questão da NATO, sendo que nem a cedência territorial nem a desmilitarização são, até ver, questões de resolução em curso.

Europeus não querem paz com a Rússia na Ucrânia

E, posicionados ao lado de Kiev e claramente em oposição às pretensões de Washington, os países europeus, especialmente franceses, britânicos e alemães, procuram não apenas convencer Zelensky a recusar a "oferta" dos americanos, como ensaiam fórmulas, mesmo que isso pareça tarefa impossível, de substituir os EUA no apoio militar e financeiro aos ucranianos desde que estes mostrem empenho em continuar a fazer frente aos russos.

Face a este fortemente condicionado processo negocial, é importante saber o que propõe Washington como conteúdo para um acordo de paz entre russos e ucranianos.

E, mesmo que Sergei Lavrov tenha ido dizer à CBS, a TV americana que o entrevistou, que Moscovo não revela publicamente o que está a ser negociado antes de haver solidez no que está consolidado, os media norte-americanos estão a avançar que o plano Kellog, nome do enviado de Trump para a Ucrânia, contém a cedência dos territórios ocupados militarmente, incluindo a Crimeia, à Federação Russa.

A resistência ucraniana ao plano Kellog, até quando uma das figuras mais conhecidas e respeitadas na Ucrânia, o autarca de Kiev, Vitali Klitschko, antigo campeão mundial de Boxe, já veio dizer que concorda com trocar territórios por paz, está a ser fortemente obstaculizada pelos aliados europeus da Ucrânia.

Se até aqui eram franceses e britânicos quem mais procuravam convencer Zelensky a não ceder mantendo a guerra a correr, tal como o tinha defendido o secretário-geral da NATO, o holandês Mark Rutte, agora o músculo alemão a apoiar também essa posição.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Boris Pistorius, avisou Zelensky que se ceder estará a fazer algo semelhante a "capitular perante o Kremlin", quando, quase ao mesmo tempo, o novo chanceler alemão, Friedrich Merz, pretende ir ainda mais longe ao anunciar a entrega de misseis Taurus, os mais poderosos alguma vez fornecidos pelos países da NATO a Kiev.

Rússia quer ver para crer

Confrontado pelos jornalistas sobre este resposicionamento estratégico da Casa Branca, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que a Rússia está à espera de ver "prontidão clara de Kiev para negociações directas com Moscovo".

Peskov referia-se às declarações do Presidente Zelensky na passada semana onde este disse estar disponível para negociações directas com os russos, mas que o homem que fala pelo Presidente Putin ainda não viu "muita acção nesse sentido".

E acrescentou, citado pela TASS, que esse sinal "deve ser dado por Kiev", afirmando que "eles deviam, pelo menos, dar um passo em frente nesse sentido" notando que esse sinal tem de ser o levantamento da proibição legal, por decreto Presidencial de 2022, de quaisquer conversações com a Rússia.

E antes de que esse sinal surja em Kiev, o chefe da diplomacia russa, o ministro Sergei Lavrov, também citado pela TASS, a partir de uma entrevista ao brasileiro O Globo, veio avisar que qualquer avanço negocial deve compreender o reconhecimento internacional da soberania russa da Crimeia, Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia.

Além disso, os compromissos ucranianos devem ter uma solidez legal clara e à prova de quaisquer dúvidas, ter mecanismos de reforço permanentes, notando Lavrov que também não faz segredo de que não cede na questão da não adesão à NATO e a sua perene neutralidade e ao levantamento das sanções à Rússia.

"O outro pilar essencial é a desmilitarização e desnazificação do regime de Kiev que tomou o poder no golpe de Estado de 2014. Incluindo as iniciativas legais para cancelar e erradicar a cultura, a língua e a religião russa".

Afinal havia norte-coreanos a combater com os russos em Kursk

Mesmo que nunca tenha negado a sua presença em território russo, ao abrigo de acordos bilaterais, o Presidente russo veio agora, pela primeira vez, sem titubear, reconhecer que contou com forças norte-coreanos para expulsar os ucranianos da região russa de Kursk, onde estes estavam desde Agosto de 2024.

Numa declaração pública, depois de Pyongyang ter confirmado que os seus militares ajudaram a Rússia a ter sucesso na libertação de Kursk, Putin congratulou os soldados norte-coreanos pelo seu "heroísmo, excelente treino e dedicação" ao combaterem "ombro co ombro com os soldados russos".

Citado pela TASS, o chefe do Kremlin referiu-se aos soldados de Kim Jong Un como "os amigos norte-coreanos" que se moveram com "um sentido de solidariedade e camaradagem genuina" agradecendo ao seu homólogo norte-coreano pela ajuda.

Com esta declaração, Putin acaba com aquilo que muitos analistas ocidentais há muito afirmavam ser uma realidade que os russos teimavam em não aceitar, mesmo que mantenham a ideia de que os norte-coreanos não foram usados em território ucraniano, apenas o foram dentro das fronteiras russas para apoiar na expulsão das forças de Kiev de Kursk.