Os Estados Unidos vão abandonar as negociações de paz entre ucranianos e russos se não perceberem no imediato que Kiev e Moscovo estão seriamente empenhados em encontrar os caminhos da paz, avisou o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, na capital francesa.

Em Paris, Rubio, e ainda o enviado especial de Trump para o conflito no leste europeu, Steve Witkoff, mantiveram conversações com a Presidência francesa, e com a delegação britânica encabeçada pelo chefe da diplomacia de Londres, David Lammy, onde deixaram claro, como nunca o tinham feito, de que a paciência da Casa Branca chegou ao fim e os EUA odem estar a dia de sair de cena do conflto no leste europeu, como o Novo Jornal antecipou aqui.

O chefe da diplomacia norte-americana foi claro, deixando a posição de Washington preto no branco: "se existirem sinais evidentes de que um acordo de paz é possível, tido faremos para o conseguir, se assim não for, então o Presidente Donald Trump vai abandonar este processo".

E foi ainda mais longe ao garantir, de acordo com a Reuters ou The Guardian, após os encontros de Paris, que "não se trata de esperar meses ou semanas", estando Rubio a falar de "dias para verificar se esse acordo é possível" porque "se assim não for, os EUA têm outras prioridades para se focarem" e o conflito entre russos e ucranianos sairá da agenda norte-americana.

Ora, este cenário, que não é possível para já perceber as eventuais consequências, a não ser que seriam dramáticas, não terá, seguramente, apanhado o Presidente russo, Vladimir Putin, ou sequer o ucraniano Volodymyr Zelensky, porque ambos têm disseminado posições de clara inflexibilidade mesmo com a redução do fluxo de amas dos EUA, no caso da Ucrânia, e as férreas declarações de Donald Trump no sentido de querer resultados rapidamente.

Se os russos já foram claros de que, mesmo querendo a paz, sem as suas exigências respeitadas por Kiev e pelos seus seus aliados - principalmente o reconhecimento das regiões anexadas, neutralidade e desmilitarização da Ucrânia -, a guerra vai continuar, com ou sem os EUA envolvidos, Zelensky tem apostado numa estratégia de avanços e recuos no que são as linhas vermelhas ucranianas nesse processo.

Até porque os aliados europeus de Kiev têm, especialmente as grandes potências militares, como a França, Reino Unido, Alemanha, especialmente agora com a saída de cena do chanceler Olaf Scholz e a chegada do mais pró-guerra Friedrich Merz, ou Polónia, reforçado a sua disponibilidade para substituir o apoio até aqui fornecido pelos americanos, de forma a dar o músculo necessário para os ucranianos continuarem a combate a presença russa no seu território.

No pior dos cenários, como apostam alguns analistas militares, a saída dos EUA, se isso resultar na retirada total do apoio a Kiev, dará lugar a uma escalada no conflito e o possível envolvimento directo de forças europeias no apoio a Kiev porque sem essa intervenção a Rússia poderá encontrar o caminho "amolecido" para chegar mesmo a Kiev.

A China como escapatória?

Zelensky parece estar consciente desse risco porque na última semana tem feito um inusitado esforço para provar que a China, que é, efectivamente, o adversário, ou mesmo o inimigo nº1 dos EUA, está cada vez mais presente na guerra, primeiro com a captura de soldados chineses, tendo mostrado ao mundo dois, e depois com a procura de provar que Pequim está a apoiar a Rússia com pólvora para fabrico de munições e artilharia.

Segundo The Guardian, Volodymyr Zelensky está agora a acusar a China de ter ainda técnicos militares nas fábricas de armamento russo a apoiar a produção, apoiando-se num relatório elaborado pela intelligentsia ucraniana.

De Pequim chegou, através do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lin Jian, um rápido desmentido, afirmando que "a China nunca forneceu armas letais a nenhuma das partes e mantém um controlo rigoroso nos materiais de uso duplo".

Mas o que fica claro nesta nova tentativa de chamar a China para o centro do conflito por parte do regime de Kiev é que se essa situação for provada, ou se Washington nela acreditar, então muito dificilmente os Estados Unidos da América deixarão de manter o apoio militar aos ucranianos.

É que, como os próprios norte-americanos já admitiram, em documentos revelados pelos jornais The New York Times e Politico, nos próximos anos EUA e China vão travar uma guerra "quente" com Washington a ver-se obrigado a procurar por essa via travar a expansão global do gigante asiático, que ameaça ano após anos com maior evidência a hegemonia planetária dos EUA.

Alias, é cada vez mais claro igualmente que a aproximação de Donald Trump a Moscovo, mesmo com a "entrega" da Ucrânia como moeda de troca, é uma estratégia americana de desvitalizar a parceria estratégica "sólida como uma rocha", na definição do ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, entre Moscovo e Pequim.

E a razão é simples: se os EUA são ainda uma potência militar e económica maior que a China, o agregado de potencial sino-russo é muito superior ao norte-americano, mesmo juntando os seus aliados ocidentais.

Porque o gigantismo produtivo da China e a sua população de 1,4 mil milhões, aliado aos inesgotáveis recursos naturais russos, energia, alimentar e mineral, e à sua já demonstrada elevada tecnologia militar, garantem uma superioridade clara face ao "ocidente".

E com a Europa ocidental a divergir fortemente dos norte-americanos na questão ucraniana, com os EUA a ameaçarem desvitalizar a NATO com a redução ou eliminação total do apoio financeiro a esta organização militar transatlântica, não tapar este buraco só faz sentido para Washington se a missão de separar Pequim de Moscovo ainda estiver dentro dos planos do Pentagono e da Casa Branca.

Para já, ao reunir em Paris norte-americanos e britânicos, o Presidente Emmanuel Macron parece estar consciente desta evolução no xadrez da geoestratégia planetária, procurando, através das imagens, mostrar uma unidade de valores e interesses ocidental.

Unidade ocidental que, provavelmente, já não existe, como, de resto, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, confirmou ao dizer que Trump destruiu, com a sua chegada à Casa Branca, "o ocidente tal como se conhecia", especialmente ao declarar uma guerra comercial sem olhar às amizades e cumplicidades históricas e estratégicas com os europeus.