Donald Trump aproveitou o "sucesso das conversações com a Rússia" em Riade (ver links em baixo), onde também foram definidos os princípios onde vão assentar as negociações para acabar com a guerra na Ucrânia, para dizer que as queixas de Zelensky não fazem sentido.
E explicou porquê: "Qualquer medíocre negociador poderia ter acabado com a guerra há anos" e Volodymyr Zelensky ignorou todas as oportunidades que teve para impedir a continuação do conflito, referindo-se, por exemplo, às negociações de Abril de 2022.
Zelensky e Putin tinham, nessa ocasião, dias após a invasão russa, através de delegações presentes em Istambul, na Turquia, conseguido um "draft" de um acordo, que fora mesmo rubricado, mas que os ucranianos rasgaram por influência de britânicos e norte-americanos.
Ficou para a história a intempestiva ida do então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, a Kiev, onde forçou, com apoio de Washington, Kiev a sair das negociações com Moscovo e continuar a guerra a troco do - numa frase igualmente famosa - "apoio até onde for preciso para derrotar a Rússia no campo de batalha".
Perante as sucessivas notícias de desagrado de Zelensky por não ter sido chamado para as negociações em Riade, entre russos e americanos, ameaçando sucessivamente que não reconhecerá quaisquer decisões que impliquem cedências ucranianas, dizendo-se "traído e desapontado" pelos EUA, Donald Trump não se conteve.
"Eu é que estou verdadeiramente desapontado pelo que aconteceu ao longo destes três anos. Tenho estado a ouvir que eles (os ucranianos) estão chateados por não terem um lugar à mesa... Mas eles tiveram uma cadeira por três anos e ainda muito tempo antes disso e não aproveitaram", atirou Trump, acrescentando que "o conflito poderia ter acabado há muito".
Numa sucessão de críticas afiadas a Zelensky e às suas decisões no passado, o Presidente norte-americano disse mesmo que "qualquer negociador medíocre poderia ter resolvido o problema há anos, com muito menor perda de territórios, de cidades e de vidas".
E, naquilo que parece ser uma sintonia clara com a posição do Kremlin em Moscovo, Donald Trump disse aos jornalistas em Washington, onde abordava os resultados das conversas bilaterais na capital saudita, que Zelensky deve considerar realizar eleições para se legitimar.
"Não devia o povo ucraniano ter uma palavra a dizer, visto que se passou já tanto tempo desde que as eleições deveram ter sido realizadas?", questionou retoricamente Trump, aludindo ao facto de o mandato de Zelensky ter terminado em Maio de 2024, mantendo-se no cargo apenas suportado pela Lei Marcial em vigor no país.
Isto é relevante porque um dos argumentos russos para manter Zelensky de fora das conversações é que o Presidente ucraniano já não tem a legitimidade democrática intacta devido ao adiamento das eleições e ainda porque o Kremlin interpreta a Constituição ucraniana como, em caso de Lei Marcial, ser o Presidente do Parlamento que assume o poder.
Esta percepção tem apoio em alguns especialistas em política internacional, como o professor português, Tiago André Lopes, que entende que a lei fundamental ucraniana permite, em distintos artigos, as duas interpretações, a do Kremlin e a que suporta a razão de Zelensky.
Europeus reagem a aproximação EUA-Rússia com massivo apoio militar a Kiev
Igualmente indispostos com a ausência de um convite para participar nas negociações sobre a Ucrânia entre russos e americanos, estão os países europeus, como o demonstram as duas reuniões de urgência organizadas em Paris pelo Presidente francês.
Emmanuel Macron convidou líderes europeus para o Palácio do Eliseu, na capital francesa, por duas vezes esta semana, com um único ponto na agenda: analisar a humilhação e secundarização europeia pelos russos e pelos norte-americanos.
Isto, depois de em Munique, na passada semana, como só se ficou agora a saber, a União Europeia, confirmou a ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, estar a preparar um pacote de ajuda militar à Ucrânia na ordem dos 700 mil milhões de euros.
Este valor, que é o dobro da ajuda total já entregue pelos EUA a Kiev em três anos de guerra, e que, para comparação, representa quase três vezes o PIB português, e quase sete vezes o PIB angolano, vai, se for consumado, garantir aos ucranianos a capacidade para prolongar a guerra indefinidamente.
Numa reacção brusca, com esta iniciativa, embora já se saiba que os europeus estão fortemente divididos em temas fulcrais como o envio de forças militares para a Ucrânia e o aumento da despesa com a Defesa no âmbito da NATO - até 5% do PIB como exige Donald Trump -, os europeus parecem agora estar a forçar um lugar à mesa das negociações no que diz respeito à guerra.
Isto permite perceber que as potências europeias, como França, Alemanha, Itália ou Polónia, ou o Reino Unido, que não pertence à União Europeia, estão agora abertos a sentar-se à mesa com Vladimir Putin, e no quadro das suas condições, que implicam a cedência de territórios ucranianos, a não adesão de Kiev à NATO e a proibição do envio de tropas ocidentais para aquele país no contexto de um eventual acordo de paz.
O mesmo se passa com Volodymyr Zelensky, que, ameaça não aceitar quaisquer condições impostas pelos americanos e russos se não for convidado, estando agora disponível para se sentar com Putin quando ainda tem em vigor o decreto Presidencial de 2022 onde se proíbe a si aos seus governantes de negociarem seja em que condições for com o Kremlin.
Apesar do ruído mediático conseguido com as suas reuniões de urgência em Paris, o Presidente francês teve um sério revês nos seus propósitos quando, após a primeira reunião, onde estiveram os grandes países da União Europeia e o Reino Unido, alemães, italianos, polacos e britânicos saíram do Palácio do Eliseu mais separados nos objectivos que antes.
Com a Europa Ocidental sem capacidade de se apresentar perante Washington e Moscovo com uma só voz, e com indícios de que o plano de enviar para Kiev 700 mil milhões de euros defendido pela ministra alemã não tem pernas para andar devido às divergências entre os Estados-membros, alguns analistas começam a admitir que a própria União Europeia possa não sair intacta do rescaldo da guerra na Ucrânia.
Zelensky tem de ser "trazido à razão"
Mais moderado nos termos, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, ainda em Riade, quando falava com os jornalistas a propósito dos resultados do encontro com os americanos, defendeu que o Presidente ucraniano "tem de ser trazido à razão" para evitar maiores danos para todos.
Aproveitado um ataque com drones ucraniano sobre um oleoduto que transporta petróleo do Cazaquistão para a Europa Ocidental, mas em território russo, o chefe da diplomacia russa lembrou que Zelensky parece não saber o que está a fazer.
Isto, porque o petróleo afectado pelo ataque ao oleoduto nem sequer é russo mas sim do Cazaquistão, com mais de 40% deste controlado por multinacionais norte-americanas, sendo, por isso, um ataque contra o Cazaquistão e contra os EUA... mesmo que a infra-estrutura atacada esteja no território do sul da Rússia.
"Este tipo de comportamento só mostra que o conflito deve acabar e que Zelensky e a sua equipa têm mesmo de ser chamados à razão com uma palmada na mão", atirou Lavrov, aproveitando para dizer que os russos não atacam equipamentos de serviço público, como os oleodutos e gasodutos.
E aproveitou também para se defender, com escassos argumentos, diga-se, das acusações de que a Rússia tem atacado fortemente a infra-estrutura energética ucraniana, gerando grandes dificuldades às populações civis devido aos rigores do Inverno, garantindo que as forças de Moscovo só atacam alvos com importância e de serviço militar.
Enquanto europeus e Kiev procuram um lugar à mesa das negociações entre EUA e a Federação Russa, na linha da frente somam-se as conquistas de territórios pelas forças de Moscovo no leste ucraniano.
Os analistas militares apontam como factual o avanço mais acelerado sobre os territórios ucranianos dos russos nestes três anos de guerra, especialmente nas frentes de Donetsk e Zaporizhia.
Existem igualmente sinais de que a Rússia procura, numa altura em que as negociações entram na fase mais relevante, conquistar o que ainda não conseguiu agregar das quatro regiões anexadas oficialmente em 2022, Donetsk, Kherson e Zaporizhia, visto que Lugansk está praticamente ocupada e a Crimeia, em 2014, já não apresenta frentes de guerra.
Isto, quando é igualmente facto que a Ucrânia tem crescentes dificuldades em recrutar combatentes, aumentam as deserções, o armamento é cada vez mais exíguo e em várias frentes as suas unidades estão a retirar em ritmo acelerado...