Este cenário tem dois pilares: a aproximação dos Estados Unidos à Rússia, com reuniões de alto nível que abrem caminho à retoma das relações diplomáticas interrompidas no decurso da guerra, e a urgência do Presidente Donald Trump em acabar com o conflito no leste europeu, uma das suas principais promessas de campanha eleitoral.

A consequência imediata é o afastamento de Washington da condição de principal aliado da Ucrânia, com Donald Trump a vir dizer que ou o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, muda de agulha rapidamente para um acordo de paz com Moscovo ou os EUA abandonam o barco em definitivo.

Com essa possibilidade cada vez mais visível em cima da mesa, é a Europa ocidental, com a União Europeia e o Reino Unido apostados em garantir que Kiev não fica sem capacidade de manter a confrontação com os russos, que está a assumir a responsabilidade de armar e financiar o regime ucraniano.

Mas se há uma coisa que se sabe em Bruxelas e em Londres, como as suas lideranças admitem publicamente, tendo mesmo o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, sublinhado que os esforços europeus não fazem sentido sem o suporte norte-americano, é que a Ucrânia está condenada a uma derrota militar para breve sem o braço de Washington por detrás.

Alias, isso fica ainda mais claro quando Starmer e o Presidente francês, Emmanuel Macron, propuseram a Kiev e ao regime russo um cessar-fogo parcial, incidindo nas acções militares marítimas, aéreas e sobre as infra-estruturas energéticas, de forma a permitir algum alívio aos ucranianos para ganharem tempo de forma a recuperar o apoio dos EUA.

Este cessar-fogo é apenas benéfico para Kiev, porque o ataque nestas três dimensões é onde está a vantagem russa, que já provocou uma forte reacção do Kremlin, tendo os russos reafirmado que não haverá qualquer travão nas hostilidades sem que seja definido um acordo alargado de paz.

Acordo esse que a Federação Russa reafirma que tem de responder às exigências delineadas pelo Presidente Vladimir Putin em Julho de 2024 que é, em síntese, Kiev aceitar que as cinco regiões anexadas em 2014 (Crimeia) e 2022 (Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Lugansk) são parte integral da Rússia; que a Ucrânia abandona em definitivo a ideia de entrar na NATO, e que não há, em circunstância nenhuma, forças militares ocidentais na geografia do leste ucraniano.

Alguns analistas menos empenhados no alinhamento incondicional com Kiev, comum nos media mainstream ocidentais, entendem que sem o apoio dos EUA, agora suspenso, incluindo aquele que estava já no "pipeline" a caminho da Ucrânia, resta procurar junto dos aliados europeus algum espaço de manobra para conseguir obter de Moscovo algumas concessões territoriais e políticas no processo negocial para acabar com a guerra.

O que pode ser conseguido, de forma limitada, porque o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, já veio dizer que o Presidente Putin está disponível para conversar com os europeus sobre a questão ucraniana, embora eventuais concessões sejam sempre limitadas e para lhe proporcionar uma saída menos humilhante.

É que até o próprio Presidente ucraniano tem repetido com invulgar insistência que o seu país não tem qualquer possibilidade de prevalecer face aos avanços das forças russas sem o apoio dos Estados Unidos, opinião que é publicamente partilhada pelos países europeus, que se recusam a avançar com forças mais musculadas para a Ucrânia sem a retaguarda protegida por Washington.

"Ele deveria estar mais agradecido a este país", voltou Donald Trump a dizer nas últimas horas em declarações aos jornalistas e nas redes sociais, acusando de novo Volodymyr Zelensky de ter faltado ao respeito a quem deve o facto de o seu país ainda estar a resistir na frente de guerra, porque sem os EUA e apenas com o apoio europeu, a Ucrânia colapsará.

A pressão norte-americana sobre Kiev, com a travagem a fundo no apoio militar e financeiro, visa levar Zelensky a retroceder na sua posição de não aceitar as condições russas para acabar com a guerra, a assinar o acordo de minerais estratégicos que se recusou fazer aquando da sua desastrosa visita à Casa Branca na semana passada (ver links em baixo), e desistir das garantias de segurança dos EUA...

Para já, Zelensky não mostra sinais de estar a ceder, tendo mesmo recebido um forte impulso nesse sentido no encontro de lideres europeus em Londres, na passada semana, onde, embora sempre condicionado a um alinhamento com os EUA, os aliados europeus de Kiev reforçaram o apoio militar e financeiro para permitir à Ucrânia manter o confronto com Moscovo.

A dramática evolução do desmoronamento das relações de Washington e Kiev é resultado directo da desastrosa visita de Zelensky à Casa Banca na passada sexta-feira, 28 de Fevereiro, onde o Presidente ucraniano foi mesmo expulso da Sala Oval, naquilo que muitos analistas admitem ter sido uma bem planeada forma de Trump justificar o abandono do apoio a Kiev.

Segundo uma fonte do círculo próximo da Administração Trump avançou à Fox News, o canal com mais acesso à Casa Branca, esta situação não é definitiva, "é apenas uma pausa", embora isso seja difícil de entender, porque não é preciso muito tempo para que a Ucrânia colapse militarmente sem esse apoio dos EUA.

E a The Washington Post, outra fonte sénior da Administração Trump, garantiu que esta decisão de suspender a ajuda a Kiev é resultado da convicção de que é preciso resolver este assunto, que é prioritário para o Presidente Trump, sem mais perdas de tempo desnecessárias.

A opinião entre o círculo político mais relevante em Kiev começa entretanto a surgir e o que se percebe das declarações de alguns destes elementos é que restam poucas dúvidas de que os EUA querem a capitulação ucraniana para acabar com o conflito.

O presidente do comité das relações internacionais do Parlamento em Kiev, Oleksandr Merezhko, afirmou à Reuters que Trump está a querer "empurrar a Ucrânia para a capitulação", e a rendição a Moscovo parace ser não apenas o objectivo mas uma decisão já tomada, face à situação de facto sem o apoio norte-americano.

E ainda no Parlamento ucraniano foi debatida e divulgada uma posição que vai no sentido de insistir que o Presidente dos EUA é indispensável nas negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia, o que mostra à evidência que o sentimento existente é que Kiev fica demasiado exposto e fragilizado sem o chapéu da ajuda norte-americana.

Mas é igualmente uma pressão sobre o Volodymyr Zelensky para que ceda nalgumas das exigências da Casa Branca, como, por exemplo, o pedido de desculpas exigido por Trump depois da visita dramática do Presidente ucraniano a Washington.

Para já, o Parlamento ucraniano, a Rada, avança, no documento aprovado pelos seus 450 deputados, que "o povo ucraniano está profundamente agradecido ao Presidente Donald Trump, ao Congresso dos EUA e ao povo americano pelo apoio à soberania e independência da Ucrânia bem como à sua integralidade territorial".

Este documento pode ser mal recebido na Casa Branca porque se há alguma coisa que os EUA já fizeram saber, tanto pelo secretário de Estado Marco Rubio, como pelo secretário da Defesa, Pete Hegseth, é que a Ucrânia tem de deixar de lado a ideia da recuperação de todos os seus territórios conquistados pelos russos.

Numa reacção recente, Zelensky veio, num dos seus vídeos diários, reafirmar que as garantias dos EUA são a única forma de evitar que a Rússia volte a atacar a Ucrânia, mas sublinha que o seu Governo está a procurar criar condições para uma "paz decente", naquilo que pode ser visto como uma demonstração reforçada de aceitação de negociar com menor atrito um acordo de paz com Moscovo.

E, por outro lado, em cima deste momento de aparente flexibilização de Kiev, mesmo que mascarada, o Kremlin, pelo seu porta-viz, Dmitri Peskov, veio admitir que sem o apoio americano, "o regime de Kiev está fortemente condicionado e a ser empurrado para a paz".

"Temos ainda de perceber os contornos efectivos desta decisão, mas se se confirmar que os EUA suspenderam por completo o apoio militar à Ucrânia, essa decisão pode, realmente, empurrar o regime de Kiev para o processo de paz".

Estas declarações de Peskov deixam perceber de forma evidente que os russos estão convencidos que a recente decisão dos aliados europeus de Kiev em reforçarem as verbas - o plano é chegar aos 800 mil milhões de euros - para apoiar o esforço de guerra ucraniano, nada alterará de concreto, e que sem o respaldo americano, Kiev fica sem alternativas a negociar a paz sob os termos do Kremlin.