Depois da reunião histórica na capital da Arábia Saudita, entre delegações de alto nível norte-americana e russa, que marcou, já esta semana, a retoma das relações bilaterais ao fim de quase três anos de perigoso silêncio entre duas potências nucleares, Washington parece ter agora outra visão sobre o conflito na Ucrânia.

Embora recuse que a sua posição mudou para ser agora muito semelhante ao que o Presidente russo pensa do regime de Kiev, Donald Trump acusou o Presidente ucraniano de não ter evitado a guerra quando o podia ter feito.

Todavia, é evidente que Trump pensa agora o mesmo que Putin, especialmente quanto à falta de legitimidade democrática de Zelensky, a quem acusa agora de não ter "evitado a destruição do seu país e o desperdício de vidas e de cidades" quando teve tudo para o fazer.

Isto, a propósito da exigência de Zelensky para ter um lugar à mesa das negociações que russos e americanos iniciaram para acabar com a guerra na Ucrânia, tendo Trump justificado a ausência do convite com a sua demonstração de que ao longo de três anos nunca o quis fazer.

Além disso, o Presidente norte-americano entende também que, tal como diz Putin, o ucraniano não está totalmente respaldado na lei enquanto Presidente porque deveria ter realizado eleições em Maio de 2024 e não o fez por conta da Lei Marcial em vigor no país, diluindo a solidez democrática do cargo que ocupa.

À acusação de "ditador sem eleições" que Donald Trump lhe dirigiu, a partir da Casa Branca, Zelensky ripostou dizendo que o americano é um "Presidente desinformado" e que está enganado se pensa que pode impor à Ucrânia as condições para um acordo de paz desenhado sem a sua presença e concordância.

E avisou que se a ideia, como alguns analistas admitem, é afastá-lo do poder, "isso não vai acontecer", sublinhando que uma sondagem recente realizada por um instituto ucraniano lhe dá 57% de aprovação, muito acima dos números recolhidos recentemente por empresas de sondagens europeias, como, por exemplo, a britânica YouGov, onde Zelensky aparece com uma acentuada quebra de popularidade.

Mas não tão baixa como Donald Trump estima, que disse publicamente que Volodymyr Zelensky estava com uma taxa de aceitação entre os ucranianos de "apenas 4%", o que contrata muitíssimo mais que os 57% com os mais de 90% que tinha no início da invasão russa, a 24 de Fevereiro de 2022, faz na próxima semana três anos...

Porém, esta troca de galhardetes entre Trump e Zelensky tem estado a ocupar os media internacionais, embora o ucraniano tenha procurado reduzir os danos com um novo vídeo onde diz esperar que, apesar deste momento, "a discussão crucial e a cooperação global com os EUA se mantenha construtiva".

Alguns analistas sublinham que este momento tenso com Zelensky é o resultado directo da sua opção em apoiar, primeiro o Presidente Joe Biden, e depois a democrata Kamala Harris, contra o republicano Donald Trump, na campanha eleitoral para as eleições norte-americanas, o que o actual Presidente jamais esquecerá.

Apesar disso, sabendo, como o próprio já o admitiu em distintas ocasiões, que a Ucrânia não terá quaisquer possibilidade de resistir aos russos sem o apoio norte-americano, Zelensky está agora a tentar recompor o quadro agreste do seu relacionamento com Trump.

E voltou, ainda no mesmo vídeo, a dizer que "em conjunto com a América e com a Europa, a paz pode ser alcançada de forma mais segura e é esse o nosso objectivo mais importante", reiterando o pedido para que Kiev e Bruxelas entrem no processo com russos e americanos.

Há, no entanto, um pormenor que tem estado fora da grelha dos noticiários internacionais, que é o resultado efectivo do encontro de Riade entre os EUA e a Federação Russa, do qual se espera a normalização das relações bilaterais, consumando isso com o esperado encontro entre Putin e Trump nos próximos dias, ou semanas.

Por exemplo, John Helmer, especialista em relações internacionais, no seu blog "Dances With Bears", explica que o encontro de Riade está por provar ter sido um momento decisivo na retoma das relações entre EUA e Rússia, porque falta o teste decisivo sobre o sucesso, que é uma decisão concreta e confirmada.

A clareza das intenções americanas, que foi quem deu o primeiro passo, neste regresso à diplomacia será agora, nota Helmer, testada pelos russos, o que neste tipo de circunstância se faz procrastinando para ver a reacção do outro lado, sendo isso possível neste contexto com o adiamento do encontro entre Putin e Trump alegando ausência de factos concretos.

Além disso, aponta ainda o analista, Moscovo e Washington têm agora de garantir que esta aproximação bilateral não implode as suas alianças fundamentais, seja com chineses, iranianos e norte-coreanos, além dos restantes BRICS, no caso da Rússia, e com os europeus, cada vez mais secundarizados neste contexto, no caso dos americanos.

Isto, porque, como começa a ser abordado com maior ênfase o que o Novo Jornal tem sublinhado, que é o objectivo dos norte-americanos ser ceder aos russos na questão ucraniana e no global da segurança europeia, a troco da desvitalização da parceria estratégica que Moscovo ergueu nos últimos anos com Pequim.

Isto, porque os EUA desenvolvem há décadas uma crescente ideia de ser incontornável um confronto com a China de forma a impedir que esta já superpotência económica ganhe igual estatuto no campo militar.

E quando esse momento de confrontação chegar, Washington sabe que pode lidar com a China a solo mas será mito mais difícil bater a junção da gigantesca capacidade industrial e produtiva com os infindáveis recursos naturais da Rússia bem como a sua cada vez mais desenvolvida tecnologia miliar. (Ver links em baixo).