Sem essa surpresa para a generalidade dos analistas, que foi a descida das reservas norte-americanas, cujo impacto global resulta da condição de maior consumidor global e maior produtor mundial, o barril de Brent, é quase certo, estatelar-se-ia nos 70 USD.
Se tal cenário se viesse a verificar, Luanda seria uma das capitais dos países exportadores mais dependentes do crude para manter as contas equilibradas a sentir o barulho da ruidosa queda porque 70 USD é o valor médio a partir do qual foi elaborado o OGE 2025.
E, naturalmente, se esse valor for passado em baixa, ou se a produção tiver uma queda substancial, o documento berço das contas do Estado terá de ser revisto para acomodar os gastos previstos e previsíveis.
Para já, tal cenário foi evitado com a averiguação periódica dos stocks da maior economia mundial, o maior consumidor global e o maior produtor mundial, de onde resultou a constatação de que existe muito menos crude que o esperado pelos especialistas...
Tanto o Brent, em Londres, como o WTI, em Nova Iorque, os mais importantes em todo o mundo, subiram, com o Brent, fundamental para as ramas exportadas por Angola, a ganhar terreno nas primeiras horas de negócios nesta quarta-feira, 26.
Assim, perto das 09:40 de hoje, esta referência estava a valer 73,27 USD, mais 0,34% que no fecho anterior, representando o verde nos gráficos a esperança para o Governo angolano de que o superavit se mantém no deve e haver extraído das exportações petrolíferas.
A título de exemplo, este conforto só é possível porque os analistas esperavam um aumento de 2 a 3 milhões de barris nos stocks norte-americanos na semana de até 21 de Fevereiro, e a realidade foi bastante distinta, com uma surpreendente descida de 640 mil barril, de acordo com os dados do Instituto Americano dos Petróleo (API, na sigla em inglês).
Mas há um dado curioso nos números apresentados pelo API, que é o facto de esta descida ser a partir do total das reservas de 395 milhões de barris na semana de até 21 de Fevereiro, um número gigantesco mas que, na verdade, pode estar a expor uma fragilidade que mais cedo ou mais tarde terá consequências.
É que ainda há cerca de três anos, o então Presidente Joe Biden usou estas reservas estratégicas para injectar crude nos mercados de forma a baixar os preços do barril, e, então, estas estavam em mais de 700 milhões de barris, o que significa que os EUA estão lenta mas solidamente a esvaziar os seus tanques.
Numa análise simplista, porque se trata de reservas e não de quantidades em uso diário, se os EUA, na era Trump, quiserem repor os stocks, como parece ser o objectivo quando o actual Presidente apresenta a sua fórmula "drill, baby drill", acumulando com a redução do seu valor de mercado, então, o efeito pode muito bem ser o contrário, porque repor tais quantidades resultará inevitavelmente no aumento do seu preço nos mercados.
Outra curiosidade é que a redução das reservas nos EUA veio travar os efeitos negativos, na perspectiva dos exportadores, nos mercados que estavam a emergir a partir dos dados que apontavam para um atrofio ainda maior nas economias dos EUA e da Alemanha nas semanas mais recentes.
Tal cenário estava assente na antecipação dos efeitos das ameaças de Donald Trump aplicar tarifas alfandegarias a uma gigantesca quantidades de produtos importados da Europa, da China, do Canadá e ainda de outros países com quem Trump tem contas para ajustar...
Segundo a Reuters, os dados apontam para uma baixa na confiança dos consumidores americanos devido à questão das tarifas porque os analistas, quase unanimemente, estão a criar como expectativas um aumento da inflação, se o plano tarifário for mesmo para a frente.
E na Alemanha, a grande economia europeia, os dados são ainda mais abrasivos, porque só no último trimestre de 2024, caiu 0,2%, naquilo que é um efeito directamente resultante das sanções aplicadas à Rússia, que levaram a Europa ocidental a travar as importações de crude e gás russos.
E o problema dessa decisão é que a altamente industrial Alemanha, mas, embora com muito menor expressão, também a medianamente industrializada Itália, a França e, entre outros, a Espanha, foram obrigados a importar gás e crude muito mais caros, até quatro vezes mais, dos EUA...
O impacto foi catastrófico para a indústria alemã, especialmente o sector automóvel e da sua indústria pesada, que estão em queda livre e a ver uma ininterrupta fila de deslocalizações de empresas para a China devido aos altos custos energéticos...
Este cenário poderá mudar com as perspectivas de travão nas hostilidades entre russos e ucranianos, devido à quase certa retirada do apoio de Washington a Kiev, mas, para já, tal ainda não é certo. (ver links em baixo).
Como Luanda olha para este cenário global?
O actual cenário internacional tende a empurrar os preços para muito próximo, ou esmo abaixo, do valor estimado no OGE 2025, que é de 70 USD.
Preços estes que, apesar de ainda acima desse valor, estão agora mais próximos da linha em que os alarmes começam a disparar nas capitais dos países mais dependentes das exportações da matéria-prima, como é o bem conhecido caso de Luanda.
Essa a razão pela qual Angola é um dos países mais atentos a estas oscilações, devido à sua conhecida dependência das receitas petrolíferas, e a importância que estas têm para lidar com a grave crise económica que atravessa, especialmente nas dimensões inflacionista e cambial.
No entanto, porque o OGE nacional elaborado para 2025 apostou nos 70 USD, o actual valor já deixa as contas nacionais mais periclitantes e mais expostas a qualquer desequilíbrio internacional.
Isto, porque o crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Governo deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,1 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.