O Presidente dos EUA esteve, nas últimas 24 horas, uma hora e meia ao telefone com o Presidente da Rússia e perto de uma hora com o Presidente da Ucrânia e pelo menos duas horas a explicar aos jornalistas o que sucedeu nessas conversas.
Donald Trump e Vladimir Putin, depois destas frenéticas horas, analisam as consequências da forma como ambos estão a gerir este processo como mestres de xadrez na modalidade "rápida" onde nem a União Europeia, nem a NATO nem Kiev parecem perceber o que se está a passar pela forma como estão a reagir.
Para já, Vladimir Putin deve estar a gostar do que vê, porque nas declarações demoradas de Donald Trump sobre a conversa telefónica que ambos mantiveram, fica claro que a Ucrânia não vai entrar na NATO, os territórios conquistados pela Rússia ficam na Rússia e ficou definido que muito em breve os dois se vão encontrar na Arábia Saudita.
Normalmente mais parco em afirmações que Trump, Putin fez apenas saber pelo seu porta-voz, Dmitry Peskov, que ficou satisfeito pela perspectiva de trabalhar com a Casa Branca e que concorda com Trump que "chegou o tempo de resolver as diferenças" com os americanos.
Peskov sublinhou ainda que Moscovo não está apenas a olhar para a guerra na Ucrânia, também colocou em cima da mesa a crise no Médio Oriente, o programa nuclear iraniano e as relações bilaterais alargadas entre russos e americanos, com foco na segurança global e economia.
E foi ainda o porta-voz do Kremlin que veio lembrar que a Rússia quer ver a questão ucraniana resolvida integralmente e não circunstancialmente, tendo Peskov sublinhado que Vladimir Putin disse a Donald Trump que "é preciso ir às raízes mais profundas" da guerra para encontrar uma "solução definitiva".
Nas declarações citadas pela TASS, a agência oficial russa, Peskov disse ainda que Trump foi convidado por Putin a visitar a Rússia, o que coincide com as notícias veiculadas pelos media norte-americanos que apontam para que ambos os Presidentes se visitem mutuamente "logo que possível" e após o já quase garantido tête-à-tête na Arábia Saudita em data a marcar.
Mas se o que foi dito aos jornalistas de um e do outro lado corresponde, grosso modo, às exigências russas, com o bónus de Trump ter praticamente ignorado os seus aliados europeus, e considerado Zelensky apenas, aparentemente, para garantir que este alinha no que ficar combinado com Moscovo, o que Pretende Washington de Moscovo?
Para entreter os media, Trump fala com regozijo do sucesso que foi libertar Marc Fogel, um professor americano que estava preso em Moscovo, e outros que também vão ser libertados, acabar com a mortandade na Ucrânia e pouco mais.
Mas por detrás dos panos, ao ir de encontro com tal empenho às exigências dos russos no que diz respeito à guerra na Ucrânia, Trump tem como objectivo, segundo alguns analistas, tentar voltar a aproximar Moscovo de Washington para diluir a solidez da amizade entre o Kremlin e a China.
Isto, porque nem Trump o esconde, nem a sua equipa mais restrita o evitam dizer, que Pequim é o alvo dos norte-americanos, claramente empenhados em impedir o alastrar da influência chinesa no Indo-Pacífico, e evitar que a China se torne a grande potência mundial esmagando a esfera de influência global norte-americana.
Em pano de fundo está o facto de o empenho dos EUA e dos seus aliados da NATO em fragilizar a Rússia com o conflito no leste europeu, apoiando fortemente em armas e dinheiro Kiev, e, especialmente, com as pesadas sanções atiradas contra Moscovo, o levou o Kremlin a virar-se ainda mais para a Ásia, com destaque para a China e a Índia.
A Administração Trump e os seus ideólogos crêem convictamente que deixar erguer uma sólida parceria estratégica entre Moscovo e Pequim foi o pior erro da anterior casa Branca liderada por Joe Biden, porque aliou a poderosa capacidade industrial e comercial chinesa aos infindáveis recursos naturais russos...
Para desmantelar essa "aliança", Washington tem agora em curso um plano arrojado que, segundo vários analistas, passa por retirar os EUA da "casa" ocidental que ocupam com os europeus desde o fim da II Guerra Mundial, queimando a Ucrânia e as promessas ocidentais de apoiar Kiev "até onde for preciso", para aproximar Moscovo aos interesses norte-americanos e tirar a Federação Russa da esfera de influência chinesa, mesmo que de forma paulatina...
Para já, Trump enviou o seu secretário de Estado, Marco Rubio, para a Europa, e o seu secretário da Defesa, Pete Hegseth, para encontros no âmbito da NATO, onde ambos deixaram claro que a Europa não é a prioridade norte-americana e a Ucrânia muito menos.
Hegseth, por exemplo, deixou, num encontro no âmbito da NATO, em Bruxelas, a exigência aos países europeus para gastarem 5% dos seus PIB's em Defesa, o que é um desafio impossível de concluir numa União Europeia a atravessar uma severa crise económica.
Crise essa que, em grande medida, é resultado do desligamento do gás e crude russos por causa das sanções aplicadas a Moscovo devido ao conflito com a Ucrânia, que era uma das fontes de competitividade das economias europeias, especialmente a alemã, que passou a ter de se abastecer de gás e petróleo americanos quatro a cinco vezes mais caro.
Numa síntese rápida, o que ficou claro, pelo que se pode ver nas abordagens dos media russos e ocidentais, é que Washington e Moscovo estão em acelerada retoma das relações bilaterais desmanteladas pela anterior Administração Biden, que a Ucrânia deixou de ser uma prioridade para os norte-americanos, e os seus aliados europeus estão apenas ainda "dentro" porque Trump quer vê-los a gastar 5% do PIB em armas americanas.
Quando faltam 10 dias para cumprir três anos após a invasão russa da Ucrânia, numa nova etapa de um conflito que já vem de 2014, aquando do golpe de Estado em Kiev fomentado por EUA e europeus, Putin e Trump estão claramente apostados em fechar este capítulo... mas não se sabe ainda qual é o próximo.
Mas é certo que o guião que se segue tem um desvio geoestratégico para a Eurásia, e para o Indo-Pacífico, com China e Rússia atentos ao que podem ser os planos da Trump para esta vasta e definitivamente mais flamejante parte do mundo, tanto do ponto de vista económico como militar.
E a crescente importância dos BRICS, agora com 10 países e pelo menos mais cinco à beira da porta de entrada, cujo giroscópio que garante a estabilidade e a navegabilidade está no eixo Moscovo-Pequim-Nova Deli, não é menos relevante para os EUA conseguirem manter parte ada sua hegemonia global, clada vez mais ameaçada por Pequim e os seus aliados mais próximos.
Depois da conversa com Putin, Trump falou com Zelensky e este veio repetir o que já tinha dito, que é a sua disponibilidade para negociar com o Presidente norte-americano as condições para terminar a guerra.
Mas o chefe do regime ucraniano também veio dizer que gostou do que ouviu de Trump, estando disponível para negociar em todas as áreas de forma a contar com garantias de segurança norte-americanas para o pós-conflito.