Com esta deslocação à capital da Rússia, Sissoco Embalo, que foi recebido por Vladimir Putin no Kremlin, deixa perceber que o seu país não teme desafiar a norma ocidental de isolamento a que o país está a ser sujeito devido à guerra com a Ucrânia nem teme desafiar opções opostas de parceiros da CPLP, como Portugal.

Além disso, Bissau parece claramente apostada em seguir um caminho com semelhanças ao que está a ser feito pelos vizinhos da África Ocidental, Burquina Faso, Mali e Níger, e, de alguma forma, a Guiné-Conacri, de uma aproximação estratégica à Rússia.

Com um subdesenvolvimento crónico, a Guiné-Bissau, segundo fontes do Novo Jornal na capital guineense, está consciente de que a sua proximidade aos países ocidentais, nomeadamente Portugal, antiga potência colonial, e à União Europeia não resolve os seus problemas estruturais.

O país precisa urgentemente de investimento externo e os europeus não se têm mostrado abertos a faze-lo, estando agora Sissoco Embalo a enveredar por uma alternativa, virando-se para a Rússia e a China, que já é um parceiro da linha da frente.

No encontro com Putin no Kremlin, o Chefe de Estado guineense, segundo a TASS, apresentou como áreas estratégicas para o investimento russo os recursos minerais, a agricultura, energia, pescas e infra-estruturas.

A Guiné Bissau tem uma posição estratégica na costa da África Ocidental com uma larga abertura para o Atlântico, que permite a exploração de gigantescas áreas de pesca e que conta com indícios fortes da presença de reservas consideráveis de hidrocarbonetos.

Mas é na área da geopolítica que Bissau tem mais para oferecer a Moscovo, que já tem na região aliados de peso, somando-se ainda a melhoria das relações, além do Burquina, Mali e Níger, com Conacri e com o Senegal...

Além disso, existe um antigo desejo de ligar o Mali, e, por inerência de alianças regionais, o Burquina e o Níger, ao mar, por estrada e ferrovia, com um eventual desenvolvimento do porto de águas profundas de Buba.

E Umaro Sissoco Embalo não tem escondido que esse projecto está entre as suas prioridades de longo prazo desde que tenha condições para o executar, sendo esta a oportunidade, aproveitando as alianças estratégicas na região com a Rússia.

Devido à sua localização geográfica, esta infra-estrutura, que é um projecto com décadas, vindo mesmo do tempo colonial, devido às condições naturais da área de futura criação do porto de águas profundas, exigira sempre acordos de natureza sub-regional, porque entre o Mali e a Guiné-Bissau estão os territórios do Senegal ou da Guiné-Conacri (ver mapa).

No decurso do encontro no Kremoin entre os dois Presidentes, o russo lembrou que em 2024, as trocas comerciais entre a Rússia e o continente africano cresceram 10%, o que deixa perceber que existe um empenho dos dois lados para que tal aconteça.

Mas Putin disse ainda, segundo a agência de notícias, que "as relações comerciais entre os dois países requerem seguramente uma atenção cuidada de ambas as partes", mostrando, todavia, abertura para que estas tenham em breve um forte incremento.

"Existem bons alicerces e boas oportunidades para esse momento, e muitas das empresas estão viradas para aproveitar as oportunidades que se lhes apresentarem nos mercados africanos e na Guiné-Bissau seguramente", avançou o chefe do Kremlin.

Sissoco Embalo não foi parco em garantias de interesse no aprofundamento das relações entre os dois países: "Estou aqui para reafirmar a solidez das nossas relações de amizade, porque esta é uma ligação de fraternidade que sempre existiu".

Quando Putin diz que este reforço da parceria tem de ser cuidadosamente analisado, provavelmente tem em consideração que a situação política interna na Guiné-Bissau é, como há décadas, tensa, e desta feita, muito por causa da urgência da realização de eleições como fim do mandato do actual Presidente.

A oposição diz que o mandato terminou esta semana e a Presidência, com o apoio do Tribunal Supremo aponta essa data para o início de Setembro.

Várias personalidades em Bissau acusam o Presidente de tentar encontrar em Moscovo algum tipo de apoio para o prolongamento ilegal do seu mandato, o que será difícil de conseguir, visto que Putin tem actualmente uma situação com algumas semelhanças na Ucrânia.

País com quem a Rússia está em guerra e cujo Presidente, Volodymyr Zelensky, o Kremlin acusa de sofrer de legitimidade democrática porque as eleições deveriam ter tido lugar em Maio de 2024, tendo estas sido proteladas no âmbito da Lei Marcial em vigor no país.