Não se tratou de uma reação a quente, ou seja, tempestiva, feita no calor da emoção, mas de uma ação premeditada, visto que ele só se pronunciou dias depois de a "poeira ter assentado".
Segundo João Lourenço, os "actos protagonizados por cidadãos irresponsáveis, manipulados por organizações anti-patriotas nacionais e estrangeiras através das redes sociais, trouxeram o luto, a destruição de bens públicos e privados, a redução da oferta de bens essenciais e de serviços às populações e o desemprego dos angolanos que fizeram esses estabelecimentos comerciais".
Provavelmente, por falta de "provas irrefutáveis", o PR não citou os nomes de tais "organizações anti-patrióticas nacionais e estrangeiras" que terão manipulado os "cidadãos irresponsáveis". Deixou, contudo, transparecer que se tratava do maior partido da oposição e de certas organizações da sociedade civil bastante críticas ao mau desempenho da sua governação.
Se fossem nossos velhos tempos da "ditadura do proletariado" e do poder monolítico, João Lourenço não hesitaria em apelidá-los de "agentes a soldo da reação interna e do imperialismo internacional, pagamentos com dólares americanos".
Sintomaticamente, o Presidente da República não fez nenhuma referência ao péssimo desempenho da imprensa pública, que, como se sabe, ocultou os fatos e "ajudou" a semear o caos, por via da desinformação.
Apesar de ter tomado conhecimento prévio de que estava na forja a paralisação dos taxistas, a imprensa estatal optou por fazer ouvidos de mercador, como se nada acontecesse.
Nesse execrável exercício de jornalismo rasteiro, ela não deu voz e espaço às organizações representativas dos taxistas, optando por fazer o jogo baixo com uma instituição preparada pró-governamental que viria a anunciar a desconvocação da greve dos "azuis e brancos".
Dito de outro modo, a imprensa, sob controle governamental, em vez de "informar com verdade", desinformou, ocultou os fatos, acabando de prestar um mau serviço ao jornalismo e ao interesse público.
Numa simpatia pelo regime, ela desrespeitou os contribuintes que pagam do seu bolso a manutenção desses órgãos, mas que foram capturados pelo partido/Estado e convertidos em verdadeiras caixas-de-ressonância do poder político.
O silêncio observado pela imprensa, tida como "bem comportado", faz parte de uma ampla estratégia governamental que consiste em ocultar certas decisões politicamente incômodas ao poder, ou, quando esta é divulgada, perturba deliberadamente a verdade.
Com a emergência das novas tecnologias de informação, as chamadas TIC's, hoje são cada vez mais diminutas as hipóteses de ocultar a verdade, silenciar ou adulterar os factos devido ao papel activo e bastante interventivo das redes sociais.
Por força da internet, os regimes ditatoriais já não conseguem esconder facilmente as suas más práticas, os abusos e violações dos direitos humanos, daí o medo da perda do controlo desse importante instrumento de comunicação de massas.
Com todos os defeitos que as redes sociais possam comportar, a sua procura tem sido cada vez maior, ao ponto de os jornalistas deixaram de ser as únicas "estrelas" cintilantes no panorama informativo, passando a dividir o palco com os internautas.
Hoje, a informação está à distância de um clique, ela popularizou-se e desceu aos musseques, e tornou-se viral.
Ninguém em sã consciência pode negar o mérito das redes sociais que têm estado a "forçar" os órgãos públicos a procurar a "verdade material", a correr atrás do prejuízo, agindo mais como órgãos reactivos do que pró-activos.
Achei, em tempos, ridículo um debate promovido pela RNA sobre as "fakes news" e a necessidade do seu combate por via da punição judicial.
O debate, com os comentaristas escolhidos a dedo, mais me pareceu uma comédia de mau gosto em que o roto acusava, em termos ásperos, o rasgado.
Verdade seja dita, a RNA, à semelhança dos demais órgãos de imprensa, não constitui um espelho de virtudes em matéria da divulgação da verdade e da imparcialidade.
Daí que os órgãos públicos de comunicação social, cujos gestores têm sido nomeados pelo Presidente da República, não têm a autoridade moral para criticar ou apontar o dedo acusatório às redes sociais e "fakes news", quando eles próprios não promovem, em distintas ocasiões, a verdade, isenção, o contraditório e o debate plural inclusivo.
A censura não se restringe às vozes críticas de certas figuras da oposição, da sociedade civil ou dos sindicatos, sendo extensiva aos próprios membros do partido no poder, aos governantes e responsáveis das esferas intermédias da governação.
Embora tenha como lema: "Produzir mais para comunicar melhor", o MPLA continua fechado em si mesmo, enclausurado numa redoma de vidro, sem dar espaço para que os seus membros e militantes possam exprimir livremente o seu pensamento ou tecer críticas ao desempenho e à postura dos seus dirigentes nos mais diversos escalões.
À falta de um espaço interno de diálogo, debate ou de confrontação de ideias, vários membros desta formação política encontraram nas redes sociais uma escapatória para afirmarem o que lhes vai na alma, mas fazem-no sob as saias do anonimato, com medo de represálias.
Daí que quase ninguém no MPLA fala ou ousa abrir-se à imprensa, sobretudo à privada, sem as " Ordens Superiores".
Com todos os riscos que elas representam em matéria de desinformação e sensacionalismo, as redes sociais tornaram-se, feliz ou infelizmente, numa fonte alternativa de informação para o público consumidor.
Infelizmente, nem tudo o que se divulga esses canais é verdade, sendo por isso necessário confrontar os dados, de forma a separar o trigo do joio. Não se deve pura e simplesmente negar ou negligenciar as redes sociais com o argumento de que as mesmas só divulgam mentiras e calúnias, há também verdades e liberadas nessas lacunas.
Na verdade, as redes sociais só atingiram a importância e o impacto que atualmente têm por culpa do próprio poder político que sempre censura a imprensa pública, ao ponto de desacreditá-la aos olhos dos contribuintes.
Daí que a desinformação e as "fake news" não se combatam apenas com leis punitivas, mas sobretudo com a abertura da mídia pública para que esta resgate a confiança perdida e relegue para segundo plano as redes sociais.