Volodymyr Zelensky, depois, nas primeiras declarações à chegada a Nova Iorque, onde, na sede da ONU, decorre a 78ª Assembleia-Geral, acabou por suavizar a rugosidade das palavras ao acrescentar que não sabia ainda se iria estar sentado no seu lugar a ouvir o ministro russo dos Negócios Estrangeiros (MNE), Sergei Lavrov, quando este subir ao púlpito para a sua intervenção.
A Federação Russa, que é um dos cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, está este ano representada pelo seu MNE, porque o Presidente Vladimir Putin optou por ficar em Moscovo face ao ambiente hostil que iria enfrentar no contexto actual em que os EUA são o maior aliado e apoiante do esforço de guerra da Ucrânia no conflito com os russos que já dura há mais de 18 meses.
O líder do regime ucraniano vai discursar esta terça-feira, 19, perante a Assembleia-Geral da ONU, e são poucas as dúvidas sobre o que vai dizer, que estará assente em três pilares, como, de resto, têm sido todos os seus discursos em fóruns internacionais: mais armas para Kiev, mais sanções para Moscovo e mais isolamento para Putin, para o Kremlin e para a Rússia.
A não ser que esse momento surpreenda e traduza algum resultado do frenesim diplomático que envolve nos últimos dias as diplomacias norte-americana, russa e chinesa, começando por uma visita do ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, a Washington, seguindo depois para Moscovo, onde vai estar quatro dias, de segunda-feira a quinta-feira, com alguns analistas a admitirem que dali seguirá para Kiev.
Ao mesmo tempo que Zelensky se sentará à mesa com o Presidente Joe Biden, e depois com o brasileiro Lula da Silva, o russo Sergei Lavrov também tem agenda cheia à margem da 78ª AG, entre procurar, e vice-versa, não se cruzar com Zelensky nos corredores, o vice-Presidente chines, Han Zheng, vai reunir com o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, com o azimute colocado na preparação de um encontro, que seria histórico, entre Biden e Xi Jinping.
Deste rodopio diplomático não escapa a frenética agenda do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que parece ter mudado ligeiramente a agulha discursiva, optando agora não ao bom sendo dos beligerantes mas ao seu sentido de auto-preservação, que passa por escolher entre manter a guerra a tapar o caminho para o ataque global às alterações climáticas que ameaçam a existência da Humanidade ou a acabar com ela e dar uma oportunidade à vida humana tal como a conhecemos e no planeta que ainda reconhecemos, apesar das transformações nefastas aceleradas.
Mas em comum a todos surge o conflito no leste europeu em pano de fundo, com os analistas, especialmente os menos colados à estratégia ucraniana, a coincidirem na ideia de que Zelensky está claramente ao ataque em Nova Iorque para melhor se defender de uma eventual pressão, de Biden e de Lula, com outras figuras de relevo pelo meio, para reduzir o atrito nas palavras de forma a poder vislumbrar uma saída negociada para a guerra.
Isto, porque, sendo claro que os seus aliados ocidentais não poderão dar o braço a torcer e surgir face a Moscovo com o rabo entre as pernas, salvarão a face se for Kiev a mudar a agulha de forma a permitir igualmente a Moscovo açucarar também o discurso, como, de resto, parece que Putin já está a fazer ao lembrar que não pode negociar com o seu homólogo ucraniano enquanto este não anular o decreto que o impede de negociar em nenhuma circunstância com o actual chefe do Kremlin.
Algum resultado palpável deste turbilhão diplomático, que, tendo o epicentro em Nova Iorque, se alarga a Moscovo, Kiev, Pequim e Brasília, além dos países europeus onde, por exemplo, este fim-de-semana tiveram lugar várias manifestações contra a guerra, sendo a maior em Praga, na República Checa, mas também em cidades alemãs, o país mais afectado pelos efeitos colaterais do conflito ucraniano-russo, com a sua economia já em recessão pronunciada.
Outro motivo para que Zelensky possa admitir mudar a agulha do seu discurso é a constatação de que a contra-ofensiva que começou a 4 de Junho e, agora, mais de três meses passados, para a qual contou com centenas de blindados ocidentais, armamento sofisticado em artilharia e misseis de longo alcance, falhou redondamente, somando perdas em vidas humanas e material de proporções que não se viam na Europa desde a II Guerra Mundial, com Moscovo igualmente a somar parcelas a esta tragédia do seu lado das trincheiras, embora menos porque é o que sucede na parte que defende.
Se, todavia, deste turbilhão diplomático não resultar um novo encaminhamento para o fim do conflito na Ucrânia, fica, entretanto, o recado de russos e chineses de que a sua parceria "sólida como uma rocha", como a classificou o Governo de Pequim, vai manter-se e melhorar ainda mais.
Isto foi dito em Moscovo pelos dois ministros dos Negócios Estrangeiros, na segunda-feira, quando o chefe da diplomacia chinesa, Wang Yi chegou à capital russa, onde se encontrou com o russo Sergei Lavrov antes deste partir para Nova Iorque.
Segundo os media internacionais, Yi falou igualmente com Lavrov sobre a conversa que teve, dias antes, com o conselheiro para a Segurança do Presidente Joe Biden, Jack Sullivan, o que mostra que Moscovo e Pequim mantêm o jogo em aberto, facto que no xadrez diplomático é considerado uma demonstração de confiança e solidez bilateral.
A China tem mantido, face ao conflito Rússia/Ucrânia, uma posição de neutralidade que descai claramente para o lado de Moscovo, embora sem hostilizar Kiev, defendendo negociações urgentes e, ao mesmo tempo, o fim das sanções ocidentais à Rússia, por as considerar inadequadas e improdutivas.
Pequim continua a manter as garantias de que não está a enviar equipamento de natureza bélica para o seu aliado euroasiático, o que, se não trava as críticas de Kiev, mantém Washington, ao mesmo tempo, sem razões para aprofundar as críticas a Pequim, excepto no capitulo da crise de Taiwan, onde as duas maiores potências económicas do mundo estão num crescendo retórico há anos.
Entretanto, no campo de batalha, e quando, com o aproximar do frio, da chuva e do gelo, as partes parecem ter reduzido a intensidade dos combates de proximidade apostando agora nos ataques de artilharia de longo alcance, misseis e lança-foguetes múltiplos.