Nas contas ligadas a algumas das figuras mais conhecidas das últimas décadas em todo o mundo, seja a governar países, empresas, negócios financeiros... suspeitas de estarem ligadas ao mundo do crime global, o ICIJ, e os jornalistas por detrás da depuração dos milhares de ficheiros obtidos através de um denunciante anónimo, encontraram perto de 100 mil milhões de dólares obtidos de forma, pelo menos, duvidosas e, em grande medida, ilegal, tendo crimes hediondos por detrás.

A imprensa internacional que está, como, de resto, nos anteriores escândalos, revelados pelo ICIJ, dos Panama Papers aos Pandora Papers, passando pelos Luanda Leaks, a divulgar informação relacionada com esta matéria, fala em segredos imorais mantidos pelo Credit Suisse, que é um dos maiores banmcos do mundo, ao longo de décadas, embora o diapasão seguido sublinhe igualmente que ter contas em bancos suíços sem identificação clara dos seus proprietários, não é propriamente um crime, sendo-o apenas se houver links provados ao mundo do crime.

Entre os clientes mais conhecidos, num universo de milhares identificados, mas nem todos tornados alvos desta investigação, estão pessoas com passagens de décadas em governos de países, traficantes de drogas, humanos, armas, uma conta do Vaticano que estará alegadamente ligada a investimentos fraudulentos em valores a rondar os 400 milhões de dólares.

O banco suíço, cujo boss anterior, o português Horta Osório, deixou a sua administração há semanas, alegando problemas relacionados com o cumprimentos das regras de combate à pandemia da Covid-19, já veio a terreiro negar que tenha mantido qualquer ilegalidade na gestão destas contas, defendendo-se com o facto de a legislação do país garantir uma rede para a manutenção do segredo quanto à identificação dos proprietários dessas contas.

Juntando aos argumentros de defesa a ideia de que os jornalistas estão a tirar a informação obtida de um contexto como forma de colorir com cores carregadas uma eventual culpabilidade.

Em causa estão contas de mais de 30 mil clientes do Credit Suisse, algumas com décadas, e com mais de 100 mil milhões USD suspeitos de terem como proveniência diversos tipos de actividade criminosa, incluindo as mais perversas, como a tortura, tráfico humano, drogas, armas, corrupção, branqueamento de capitais, peculato...

E as falhas apontadas ao banco passam por incumprimento de algumas regras básicas como "due diligence" ou verificação da idoneidade dos fundos depositados, apesar de alguns destes 30 mil clientes, onde estão algumas dezenas de nomes conhecidos dos países lusófonos, já terem condenações em tribunal por crimes relacionados com a alta finança internacional, corrupção, peculato, fraude, branqueamento de capitais, etc. e serem , por isso, de alto risco, o que deveria ter feito soar as campainhas de alarme se estas estivessem ligadas...

O The Guardian, um dos jornais que fazem parte da pool que analisou os ficheiros proporcionados pelo Süddeutsche Zeitung, refere que entre as personalidades coladas a este escândalo traficantes de pessoas nas Filipinas, um bilionário que mandou matar a sua namorada, executivos de topo que se apoderaram ilegalmente de dinheiro da petrolífera venezuelana, políticos corruptos ucranianos, egípcios, filipinos...

O banco suíço tem mais de 50 mil funcionários sendo que entre estes estão, espalhados pelo mundo, mais de 3.500 que se dedicam à gestão de contas de elevado valor dos denominados clientes especiais, cuja verificação da proveniência licita ou ilícita dos fundos quase nunca é feita da forma como sucede nos países com legislação mais apertada para impedir a entrada no circuito de dinheiro sujo.

Os países com maior número de contas suspeitas são a Ucrânia, o Egipto, a Venezuela e a Tailândia, cujas elites ligadas aos respectivos governos colcoam preferencialmente na Suíça as fortunas desviadas.

Entre os nomes mais sonantes da lista estão so do antigo Presidente filipino, Ferdinand Marcos e a sua mulher, Imelda, que governou o país durante décadas, até 1986, mantendo naquele banco mais de 10 mil milhões USD subtraídos ao seu povo.

Esta investigação, que envolveu perto de 160 jornalistas de 40 países, expõe o histórico de 18 mil contas suspeitas de 30 mil clientes que se aproveitaram das facilidades proporcionadas pelo Credit Suisse para manter fortunas monstruosas fora do alcance da Justiça dos seus países, muitos destes onde detinham controlo com mão-de-ferro sobre o Estado.

No rol de nomes apontados pelos diversos jornais que estão hoje a divulgar este escândalo, está o de José Filomeno dos Santos, embora neste caso de trate de uma infirmação já sobejamente conhecida e de relativo interesse mediático, visto que se trata de uma conta aberta no âmbito do processo do conhecido caso dos 500 milhões USD, alegadamente ali depositados a partir de uma conta do BNA para projectar um alegado financiamento para projectos desenvolvimento em Angola, tendo o filho do antigo PR, José Eduardo dos Santos, sido, por isso, condenado a cinco anos de cadeia, cuja sentença se mantém condicionada por recurso.

A forma como este tipo de investigação é encarada pelos jornalistas que estão por detrás desta é explicada pelo português Expresso, que faz parte da lista dos media que a conduziram desde o início.

"Em última análise, os bancos ocidentais como o Credit Suisse lidam com a maior parte do dinheiro de origem criminosa no mundo. Por conseguinte, são eles os principais responsáveis pela sua identificação e por impor restrições. O Credit Suisse reconhece que é obrigado a seguir procedimentos rigorosos que ajudam o banco a compreender quem são os seus clientes e a verificar que as suas fontes de rendimento são legítimas. Quando o banco não realiza esta diligência devida, o crime e a corrupção tornam-se mais fáceis, mais lucrativos e mais bem sucedidos - e nós iremos reportar sobre isso.

Fazemo-lo porque o sigilo financeiro é mais do que uma abstracção académica: o dinheiro opaco significa poder opaco. Quando o dinheiro com origem em actos corruptos pode circular sem obstáculos no sistema financeiro, obtemos mais crime, mais extremismo, e mais perdas nas normas democráticas. O dinheiro sujo é agora visto por muitos países como uma questão de segurança nacional importante.

O sistema suíço, que valoriza mais o sigilo do que a responsabilidade, é especialmente propenso ao uso indevido dos bancos. Os bancos suíços têm um longo historial de maus clientes, desde os nazis a alguns dos piores ditadores autocráticos do mundo moderno. Comprometeram-se várias vezes - e, de facto, agiram - a eliminar muitos indivíduos maus da sua lista de clientes. Essas acções são louváveis. Mas são responsabilizados apenas por um sistema regulador que é restringido por leis de sigilo e por um governo que dá prioridade ao sigilo. A fuga de informação em que se baseia o projecto Suisse Secrets representa uma oportunidade rara para os jornalistas responsabilizarem este sistema de forma independente.

Acreditamos que as dezenas de exemplos reportados neste projecto de investigação levantam sérias questões sobre a eficácia e o empenho do Credit Suisse em cumprir as suas responsabilidades. Sem fornecer qualquer informação corroborante, o Credit Suisse afirmou ter resolvido "90 por cento" dos casos que mencionámos. Mesmo que aceitemos isso, ainda há uma série de personagens muitos corruptos e criminosos que têm contas suíças - e esses são apenas os casos identificados pelos repórteres. Pode haver muitos mais.

O Credit Suisse também disse que os casos sobre os quais estamos a escrever são "históricos" - pertencem ao passado. Mas isso é irrelevante. Os nossos dados mostram que o banco continuou a manter clientes durante muitos anos que eram publicamente conhecidos por estarem acusados de crimes graves ou que tinham familiares em posições de poder em regimes autocráticos. Em alguns casos, os titulares de contas que aparecem nos dados confirmaram-nos que as suas contas ainda se encontram abertas.

Muitos funcionários do Credit Suisse contactados pelos jornalistas dizem que existem regras especiais dentro do banco para os clientes mais ricos, independentemente da sua relação com a criminalidade, e que este não fez o suficiente para eliminar os fundos ilícitos. Uma pessoa acreditou que isso era uma razão suficientemente forte para tomar medidas: o whistleblower que forneceu a fuga de informação."