A cólera é sinal de ausência de condições básicas de salubridade e higiene. É falta de infra-estruturas e serviços. É sinal distintivo da pobreza.

O recente isolamento de uma localidade no Kwanza-Norte traz-nos reminiscências da recente pandemia, lembra-nos os relatos medievais da peste, o livro de Camus, a falta de controlo que nos leva a medidas desesperadas. Os comboios voam pelo Kwanza-Norte sem parar!

Num momento em que multiplicamos os gastos em hospitais sofisticadíssimos, e se ignoram as recomendações de figuras respeitadas no mundo da medicina nacional, que tanto pugnam por um esforço concentrado no aumento da rede sanitária de proximidade, uma atenção especial que garanta os cuidados primários de saúde, somos perturbados por este acontecimento que, uma vez mais, afecta os mais frágeis. Os que vivem mais afastados dos centros da abundância. Os que não têm acesso a redes de esgotos ou de água potável. Aqueles para quem a recomendação "lave as mãos antes de tocar nos alimentos" é difícil de cumprir pela simples razão de haver uma enorme escassez, quer de água tratada nos locais onde vivem, quer de alimentos.

A cólera, como outros indicadores que põem a nu as fragilidades que o nosso País apresenta no campo social, deve fazer-nos reflectir sobre aquilo que está mal. E que não corrigimos.

Devia obrigar-nos a reequacionar a forma como aplicamos os nossos recursos - privilegiando a pompa e circunstância e confundindo dignidade com sinais exteriores de riqueza - cortando, de uma vez por todas, com os despesismos a que assistimos como se vivêssemos num país que não tem os índices de pobreza que os estudos do INE apontam, e nós vemos no dia-a-dia, caminhando-se, na saúde, para um quadro em que parece ser mais fácil fazer uma operação com recurso à robótica de última geração, que curar a simples diarreia que afecta o povo em geral. Se é um facto que se justifica a criação de condições para que o País não fique dependente do exterior para o tratamento de um conjunto de doenças que afligem um número considerável de angolanos, como é o caso das oncológicas ou cardiovasculares, tal, dizem os especialistas, poderia ser feito de uma forma inteligente, com centros de especialidade para onde se canalizem as que forem diagnosticadas, concentrando-se um maior volume de recursos nas infra-estruturas sanitárias, que são a base para a criação de condições de vida saudáveis em todos os centros populacionais, e na gestão apropriada de uma logística de medicamentos. E, claro, na formação e remuneração condignas do pessoal da saúde.

A cólera é um grito de socorro de um corpo exangue. Extirpemos o mal!