A notícia veiculada pela Bloomberg, no dia 19 de Fevereiro, produzida por Jennifer Zabasajja e Paul Burkhardt, analisa o possível impacto no projecto de transporte dos minérios pela via do Corredor do Lobito, que tem associado projectos sociais financiados pela USAID. Por exemplo, existe um programa de empoderamento das mulheres ao longo do Corredor do Lobito, com o propósito de beneficiar as populações que vivem ao longo da linha férrea do Caminho-de-Ferro de Benguela. A minha indignação surge pelo facto de não compreender a razão de júbilo pela suspensão de um programa que iria beneficiar angolanos em situação de pobreza. Alguém argumentou que se deve ao aproveitamento político que o partido do Governo vem fazendo em relação a estes programas. Mas a luta política é isso mesmo, é de aproveitamentos. Há, no entanto, que se ter um sentido de Estado, porque o País é muito mais que as politiquices. Afinal, quem se vai beneficiar desta ajuda não serão os angolanos? Seja como for, parece-me haver um desconhecimento total de como funcionam as instituições de ajuda pública ao desenvolvimento (APD) e os financiamentos das instituições de apoio ao desenvolvimento (Development Financial Institutions - DFI"s).

A APD é o conjunto de financiamentos concedidos pelos entes públicos de países mais ricos, para melhorar as condições de vida nos países de renda baixa e média, que, infelizmente, se tem revelado incapaz de alterar a situação de pobreza dos africanos. O projecto de apoio às mulheres agricultoras ao longo do Corredor do Lobito da USAID é um desses exemplos. Pessoalmente, sou totalmente avesso a este tipo de ajuda. Aliás, não sou o único, em 2009, Dambisa Moyo, uma intelectual zambiana, publicou um livro onde expressa com clareza a sua aversão à APD, intitulado "Dead aid: Why aid is not working and how there is a better way for Africa" (Ajuda morta: porque é que a ajuda pública ao desenvolvimento não está a funcionar e há um caminho melhor para África). A APD desresponsabiliza quem a recebe e não valoriza, perpetuando a condição de mendigo aos beneficiários. Pelo contrário, as instituições de financiamento ao desenvolvimento (DFI"s), tais como o USDFC (criado pela administração Trump no seu primeiro mandato), o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), o International Finance Corporation (IFC, instituição do Banco Mundial), a Agência Francesa do Desenvolvimento (cujos financiamentos são titulados pela PROPARCO), entre outras, concedem empréstimos, dependendo do tipo de financiamento. Assim, os financiamentos que estão a ser negociados para o Corredor do Lobito são de corporate finance, ou seja, são empréstimos que vencem juros, por conseguinte, devem ser reembolsados. Têm um tratamento diferente da APD, exigem garantias reais, os promotores têm de participar do investimento com uma percentagem considerável, por isso, impõem um escrutínio maior (due diligence), assegurando-se de que o mutuário tem capacidade, quer de participar do investimento, quer de reembolsar o financiamento concedido. Os corporate finances das DFI"s são direccionadas a empresas (privadas ou públicas), enquanto a APD é, geralmente, destinada a entes públicos (educação, saúde, agricultura, etc.).

Vale enfatizar que, para o desagrado de alguns, os projectos do Corredor do Lobito são todos co-financiados, no quadro da Parceria para Infra-estrutura e Investimento Global (PGI), que é um compromisso dos países que compõem o Grupo de 7 países mais industrializados do Mundo (G7), para financiar a construção de infra-estruturas essenciais nos países em desenvolvimento, que envolve também as DFI"s de instituições financeiras multilaterais, como o BAD e o IFC. Portanto, seja qual for a decisão da Administração Trump, os projectos das empresas do Corredor do Lobito, financiados pelas DFI"s vão prosseguir, claro, com atrasos, pois os apoios da USAID para a realização de estudos de viabilidade do projecto poderão ser afectados, dado que a ajuda da USAID, que era suposto financiar os estudos, estão, de facto, suspensos. Entretanto, dado que o Corredor do Lobito apresenta vantagens comparativas inigualáveis para o escoamento dos minérios dos países vizinhos a Leste de Angola, esses têm de encontrar alternativas. Porquanto, a dinamização desta infra-estrutura, como havia referido em um artigo publicado a 3 de Agosto de 2023, é um monstro adormecido vital para a economia de Angola e dos países vizinhos, consequentemente, para o bem-estar dos angolanos, particularmente das populações ao longo da linha férrea. Por conseguinte, os aproveitamentos políticos que tem havido não retiram o mérito da iniciativa, os ganhos vão impactar a vida dos angolanos, independentemente das suas opções políticas, que, a meu ver, devem sempre ser secundados pelos interesses do País, os beneficiários finais são os angolanos.

Escuso repetir o que escrevi no texto de 3 de Agosto de 2023. A importância da linha férrea do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) para a economia de Angola é irrefutável. A sua operacionalidade vai permitir a mobilidade de pessoas e bens numa extensão de 1866 km, sendo que 1344 km somente em Angola, outros 500 km no interior ocidental da República Democrática do Congo (RDC), interligando-se ao sistema ferroviário da Zâmbia. Assim sendo, tem impacto directo no crescimento económico de Angola e dos países vizinhos a Leste. Nestas circunstâncias, deve-se recorrer, se necessário, à emissão de instrumentos de dívida, recorrendo aos títulos (Euro Bonds, Bonds, etc.), para substituir os financiamentos que se possam perder por acção da influência da Administração Trump. Refira-se que os projectos do Corredor do Lobito são parcialmente financiados pelas DFI"s (só a componente de importação), pois os promotores e as instituições financeiras locais entram com uma porção substancial.

Tal como referi inicialmente, sou avesso à APD. Pessoalmente, não sou de dar dinheiro às pessoas por dar, pois, entendo que não responsabiliza quem recebe. Nos dias que correm, na sociedade angolana, virou moda pedir, muitos vivem do pedir e não se preocupam em fazer algo. Ajudar o próximo é um compromisso que assumi comigo mesmo, porém, o faço através de instituições de beneficência seleccionadas, aquelas cujas acções tocam o meu íntimo. Cumpro regularmente com o meu dízimo e outras contribuições da minha denominação religiosa. Acredito muito no adágio popular segundo o qual "ensina a pescar, em vez de dar peixe". Por isso, creio que há males que vêm para o bem! Essa suspensão da ajuda da USAID vai fazer que apareçam alternativas internas para substituí-la, ensinando os africanos a viver de fontes internas para resolver os seus próprios problemas. Segundo Moyo (2009), nos últimos 50 anos, a África recebeu dos países ricos mais de um trilhão de dólares americanos, em APD para financiar programas que reduzissem a pobreza e impulsionassem o crescimento económico. A pergunta que Moyo faz é se esse um trilhão de dólares em APD melhorou ou reduziu a pobreza em África. Pelo contrário, os níveis de pobreza agudizam-se e o crescimento económico tem sido consistentemente lento. Portanto, a decisão da Administração Trump, neste sentido, tem muito a ver com a necessidade de se redireccionar a ajuda, por um lado, para aquilo que são os interesses dos Estados Unidos da América (EUA), por outro lado, direccioná-la para as populações para qual a ajuda é destinada. Porquanto, na maior parte das vezes, os reais destinatários "vêem a ajuda pelo binóculo"! Aparentemente, a decisão é desumana, desprovida de sentimento, mas, como o próprio Presidente Trump disse, os outros amam os seus países e defendem os seus interesses, ele diz que ama América e defende os interesses da sua Pátria.

Qual é então o caminho alternativo da APD? A alternativa sugerida por Moyo, com a qual estou totalmente alinhado, é o recurso ao financiamento, quer dos défices nas contas nacionais, quer das empresas, por via dos mercados financeiros. A emissão de dívida já é bastante praticada por alguns países africanos. Países como a África do Sul, Nigéria, Quénia, Ruanda, e outros, já possuem bolsas de valores bem capitalizadas e líquidas. Ainda não é o caso de Angola, cuja bolsa transacciona apenas títulos da dívida pública e de acções de poucos bancos no mercado accionista. Entretanto, o endividamento por via da emissão de dívida nos mercados financeiros (bonds) e outros instrumentos financeiros da dívida devem ser tomados com a devida precaução, se o endividamento não for para fortalecer a competitividade da economia, quando chega o momento do reembolso da dívida, torna-se um pesadelo. Consequentemente, não devemos chorar lágrimas de crocodilo pelo cancelamento da ajuda da USAID, devemos encontrar soluções para não ficarmos viciados a este tipo de dependência de que os africanos se viciaram ao longo dos anos. Nenhuma ajuda é sem interesse, desde a ajuda que vinha da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Europa Ocidental, EUA, Japão, etc., está sempre associada a interesses económicos. A China está atrás das matérias-primas para suster o crescimento económico que tem conhecido, os EUA estão à procura de minérios para alimentar a indústria de tecnologias e a Europa que, por via da colonização, sempre se considerou dona dos recursos dos africanos vai à procura de perpetuar um direito que sempre consideraram os pertencer. O Corredor do Lobito deve ser redinamizado pelo interesse dos angolanos, tomemos soberania sobre esse monstro adormecido, mas não seja motivo de júbilo o cancelamento de um financiamento que prejudica os interesses do nosso País!

*Economista

Bibliografia consultada

Candundo, Samuel. (2023), O Caminho de Ferro de Benguela é um Gigante Adormecido da economia Angolana. Semanário Novo Jornal, https://novojornal.co.ao/opiniao/detalhe/os-caminhos-de-ferro-de-benguela-sao-um-gigante-adormecido-da-economia-angolana-33345.html Acedido, 24/02/2025.

Moyo, Dambisa, (2009). Dead aid: Why aid is not working and how there is a better way for Africa, Ferrar, Straus and Giroux, New Yor, EUA.

Zabasajja, Jennifer e Burkhardt Paul (2025). Trump Aid Freeze Risks $1 Billion African Minerals Project Bloomberg