O País ainda tinha uma circulação limitada. O cheiro da guerra ainda se sentia. A maioria dos partidos sequer conseguiu sair de Luanda. Apenas o MPLA, graças à sua constante utilização indevida dos meios do Estado em benefício da militância, conseguiu fazer uma campanha presencial em quase todo o território.
Houve relatos de algumas irregularidades que não foram atendidas a exemplo da necessidade de recontagem de votos solicitada por alguns partidos e o facto de nenhum mandatário de outro partido que não fosse o MPLA poder entrar na sala de contagem demonstrando uma obediência militante que vigora até hoje. Ainda assim, os dias 29 e 30 de Setembro tinham sido uma tremenda conquista do povo angolano, ordeiro e responsável durante todo o tempo.
Mas foi o resultado da contagem dos votos que fez soar todos os alarmes. O MPLA tinha ganho as eleições com mais de 54%, mas o seu presidente e Presidente da República apenas conseguiu 49% e teria de ir à segunda volta das eleições presidenciais. Vimos o primeiro cartão amarelo a ser levantado pelo povo ao Presidente José Eduardo dos Santos que não suportou a ideia de ter de ir disputar o poder com Jonas Savimbi, que, em abono da verdade, fez uma campanha desastrosa, ainda assim conquistou 70 lugares na Assembleia Nacional, mas que apenas 5 tomaram posse.
A partir deste dia os ecos da paz esfumaram-se. Dos outros dois signatários do Acordo de Alvor e de Lusaka, um foi acusado de querer reverter a ordem constitucional, Jonas Savimbi foi perseguido e vários dos seus homens foram presos ou abatidos. Já o seu líder histórico Holden Roberto e pioneiro incontornável da Luta de Libertação foi tratado como proscrito, situação que perdura até hoje numa flagrante e vergonhosa tentativa de contornar a história. E, durante 16 anos, não houve eleições em Angola.
Em 2008, surgem as segundas eleições legislativas em que o MPLA ganha com 82% que foi um resultado estratosférico que ainda hoje ninguém conseguiu engolir. Graças a estas eleições, que mais uma vez não foram justas, muitos pequenos partidos foram banidos. As regras do jogo tinham mudado. Na forja uma nova Constituição estava a ser costurada para impedir um novo trauma presidencial. Em 2010, a nova Constituição foi aprovada e juntou as águas. As eleições passaram a ser GERAIS (legislativas e presidenciais no mesmo saco) protegendo o candidato à presidência de se submeter ao verdadeiro escrutínio para ser eleito, sossegando o pavor presidencial de 1992, pois os candidatos estariam protegidos do crivo pessoal escondidos debaixo da saia partidária.
Desde 2012 é notória a perda de eleitores e popularidade do MPLA devido à ausência de empatia governativa e rigor estratégico capaz de resolver os problemas gravíssimos que afectam a maioria da população que vem empobrecendo de forma dramática sem que isso constitua uma real preocupação do seu governo. Fruto desta falta de apoio, os delfins foram obrigados a encontrar todas as estratégias que fossem susceptíveis de amarrar o sistema controlado legalmente a uma só voz e que tem como objectivo inviabilizar todas as ameaças à queda de um trono apodrecido e sem fundações fortes, mas que é ainda a galinha dos ovos de ouro dos "agora é a minha vez" e dos "ainda não caí".
Os golpes da defesa da manutenção do poder, a qualquer preço, são cada vez mais obscenos e nem com as absurdas explicações dos fiéis escudeiros da trapaça se conseguem aceitar. Depois da nova divisão administrativa com a conversa da proximidade entre os governados e o Estado, quando o real objectivo era o acesso a mais 15 novos deputados que poderiam beneficiar o MPLA. Depois foi a requalificação de Luanda com a retirada dos municípios do Galo Negro para que não se voltasse a repetir a ideia de que o MPLA tinha perdido Luanda, enxotando-os para o Icolo e Bengo. Desta vez somos surpreendidos com a morte das actas sínteses com o ridículo argumento da hipotética "possibilidade de se aumentarem os erros, uma vez que aumenta a intervenção humana", quando todos sabemos que os erros que acontecem são premeditados e nunca a favor da verdade. E a outra é a da morte do cartão de eleitor que custou uma pipa de massa, mas que então agora, devido ao arrependimento tardio de o terem tornado demasiado acessível para pessoas que se calhar nem eram angolanas com a inconcebível prova testemunhal, para quem não tivesse qualquer registo, será substituído pelo bilhete de identidade, sabendo que há muito mais de 14 milhões de pessoas sem registo de nascimento. Recordando ainda a polémica estadia do actual presidente da CNE que deixou de merecer a confiança dos eleitores pela sua indigesta inclinação para o indefensável. Não devemos também esquecer que os novos partidos jamais serão aprovados pelo Tribunal Constitucional se não se tornarem subservientes e aceitarem fazer o ridículo papel de falsos opositores. Um após outro, os elementos estruturantes de uma eleição democrática e justa respeitando o Estado de Direito é abandalhada pela necessidade de blindar o sistema eleitoral. A capacidade de subverter a realidade para fazer acontecer as vitórias da opressão é cada vez mais bizarra e doentia.
O que na verdade está aqui em causa é a consciência da enorme precariedade do MPLA e a forte possibilidade de perder as eleições se elas fossem justas, sem as fraudes que a cada eleição são denunciadas, por diferentes intervenientes, sem que nem a CNE ou o Tribunal Constitucional se dignem a oferecer respostas credíveis. Todos temos consciência que desde 2008 o MPLA vem perdendo votos e 2022 foi a prova de que a presidência de João Lourenço não foi capaz de fazer a diferença, antes pelo contrário, tal como o fermento deteriorado, está a produzir pão podre. Não foi por falta de aviso, nem de conselhos dados com patriotismo de todos os lados. Mas venceu a ganância e o narcisismo pessoais, aliados ao deslumbramento de um cargo sem que tenha conseguido demonstrar nem sabedoria nem empatia e ainda assim é indiferente aos custos futuros desta trajectória desgovernada, sem lógica e sem respeito pelas prioridades do povo e da pátria.