Na busca e manutenção desta união, a classe política, elites e lideranças do País têm responsabilidades acrescidas. Pelo papel de locomotiva social que exercem e, pela quantidade e qualidade de informações que detêm, devem esquecer as diferenças e antagonismos e, em nome do patriotismo, dar o exemplo da constituição de uma frente comum para o debelamento imediato e completo do surto. Essa é a solução e explico porquê:
A cólera é uma doença que se caracteriza por diarreia e vómitos intensos que desidratam uma pessoa em poucas horas, podendo rapidamente levar à morte se não for logo tratada. É por isso que os activistas contra a doença repetem até à exaustão que, caso se deparem com alguém com esses sintomas - diarreia intensa da cor da água de arroz e vómitos constantes em jactos - deve dar a beber muitos líquidos, especialmente soro oral e levar imediatamente a uma unidade sanitária. E como se transmite? Através da ingestão de água contaminada, legumes ou frutas não lavadas ou lavadas com água contaminada, ingestão de alimentos contaminados ou levar à boca as mãos ou dedos sujos de lixo com o vibrião colérico. E - isso é particularmente importante - não defecar ao ar livre, pois as moscas, ratos e baratas podem transportar os micróbios de fezes contaminadas para a loiça ou alimentos. Para além do facto que, quando chove, as águas arrastam as fezes todas para as fontes de água, cacimbas, rios, lagos, etc. Dali que, para as pessoas não apanharem a cólera devem consumir apenas água segura (tratada ou fervida), lavar os alimentos que se comem crús sempre com água tratada, lavar frequentemente as mãos, especialmente depois de usar a latrina ou casa de banho, eliminar o lixo, ratos, baratas e moscas de casa e usar sempre a latrina ou casa de banho para "as necessidades maiores". As pessoas e famílias devem dominar essas informações para, individualmente, manter estes hábitos e comportamentos enunciados atrás.
Começo por aí: a responsabilidade individual. Cada pessoa, cada família, cada comunidade deve assumir a primeira responsabilidade pela sua protecção contra as doenças, incluindo, como neste caso a cólera. Cada pessoa deve manter hábitos de higiene pessoal e ambiental. Cada família deve cuidar do asseio da sua casa, quintal e deve cuidar dos cerca de 2kg que produz por dia (estimativas das Nações Unidas). Deve ter em casa uma latrina ou casa de banho e, toda a gente deve usá-la para as necessidades maiores. E tem o direito de exigir a quem de direito que crie as infra-estruturas públicas para que ela possa fazer isso. Tudo, mas tudo mesmo tem que começar por ali. A assumção da responsabilidade individual, familiar e comunitária.
O segundo nível de solução está ao nível da responsabilidade da Sociedade, como um todo, em criar as condições para que as pessoas, famílias e comunidades possam realizar o seu direito de viver em condições adequadas de salubridade. E as elites devem exercer o seu papel de liderança neste aspecto. Os jornalistas e comunicólogos devem disponibilizar as ferramentas de informação e mobilização para que as pessoas tomem decisões informadas em favor da sua protecção. Os sociólogos, antropólogos, artistas, pedagogos e outros profissionais da área social, disponibilizar ferramentas de compreensão para uma resposta preventiva, célere e eficaz. Os economistas, juristas e outros, apresentar caminhos para que as estratégias de prevenção sejam viabilizadas e normatizadas. E assim por diante. Os políticos, enquantos executores das políticas de Estado, devem, de forma unida, criar as condições de contexto e liderar uma resposta nacional e inclusiva que não deixe de fora nenhum cidadão ou instituição que se revele relevante nesta resposta. Todos, da "situação" e da "oposição".
Resolvidos os patamares da solução individual, familiar e comunitária - escolho esse termos propositadamente à palavra "social" - fica a resposta do executivo, enquanto executor das políticas do Estado.
A cólera não é uma doença causada por factores naturais como envelhecimento, ou traumas como acidentes e ferimentos. É causada por factores ambientais e é por ali que se deve começar a trabalhar para a prevenir. As pessoas apanham-na porque consomem água impura, contaminada ou, têm-na tão pouca que fazem uma higiene pessoal inadequada - logo, o departamento ministerial correspondente deve fornecer água segura (potável) em quantidade e qualidade (para além das próprias famílias tratarem a própria água como mencionado acima). As pessoas acumulam lixo em volta das casas e, em muitos casos, fazem as necessidades ao ar livre - logo, o ministério responsável por isso deve legislar para que cada casa construída tenha latrina ou casa de banho, as famílias recolham e acondicionem o lixo que produzem e - mais importante que tudo - deve recolher e tratar adequadamente os vários tipos de lixo produzidos pela Sociedade: o doméstico, industrial, hospitalar e outros. Deve criar sistemas de esgotos funcionais e seguros para que a água que transporta os dejectos não volte ao contacto com as pessoas.
As pessoas também podem apanhar a cólera - e outras doenças, mas é desta que estamos a falar - quando moscas, ratos ou baratas entram em contacto com fezes contaminadas e depois com a comida. Por isso, o combate a estes insectos e roedores deve fazer parte das políticas e acções das instituições que cuidam da higiene ambiental das nossas comunidades. Por outras palavras, por mais consciência que tenham os cidadãos, se as instituições afins não criarem essas condições infraestruturais, não haverá êxitos na prevenção da cólera - e de outras doenças diarréicas agudas, a malária, etc. São aquilo que as Nações Unidas chamam "as determinantes sociais e ambientais da doença".
E para que as pessoas sejam Informadas, Educadas e Comunicadas (IEC), é preciso devolver a importância do papel dos agentes e promotores de saúde comunitários que andavam de casa em casa a fiscalizar a higiene pessoal e ambiental e sensibilizar as famílias sobre as medidas de prevenção. Assim se evitava que caíssem doentes.
E ali é que entra o MINSA que, para a Sociedade, é o responsável pelo surgimento do surto. Porque, quando as pessoas ficam doentes, vão parar aos seus postos e centros médicos, hospitais e, agora nesse surto, os CTC - Centros de Tratamento de Cólera. Porém o MINSA acaba sendo, digamos assim, uma espécie de vítima institucional deste surto. Ou seja, as pessoas vão parar aos hospitais porque não puderam ou, não tiveram condições de prevenir a doença - as tais determinantes sociais e ambientais não funcionaram - e este Ministério entra com as medidas curativas. As famílias mandam um número cada vez mais elevado de doentes às unidades sanitárias, sobrecarregando as infraestruturas e os profissionais de saúde, perigando às vezes a qualidade de atendimento que a situação exige.
É por isso que a solução prática, imediata e objectiva para o controlo deste surto - aquilo que devemos fazer AGORA - está em combater a circulação do vibrião colérico nas famílias. Enviar Agentes de Desenvolvimento Comunitário - ADECOS - activistas voluntários e mobilizadores sociais paras junto das famílias e comunidades para fazer quatro coisas: Primeiro, sensibilizar sobre a doença e as medidas de prevenção explicadas acima; segundo, distribuir o produto para tratar a água em casa e explicar o uso correcto; terceiro, explicar quais são os sintomas que se deve estar atento na família (diarreia e vómitos) e o que se deve fazer assim que alguém da família e comunidade manifestar estas doenças (dar constantemente soro caseiro para manter o doente hidratado e levar imediatamente à unidade sanitária mais próxima); e quarto, mostrar como se faz o soro caseiro (duas colheres de sopa de açúcar e meia colher de sal num litro de água tratada ou fervida). Esse é o roteiro que, aliado ao atendimento eficaz dos casos nas unidades sanitárias, salva as vidas e interrompe a circulação do vibrião colérico nas famílias e comunidades. É isto o que tem que se fazer neste ambiente emergencial de surto e todos devem colaborar independentemente do status, convicções políticas, religiosas ou outras que eventualmente nos possam circunstancialmente separar. Deve ser uma tarefa de todos! n
*Sociólogo da Comunicação, Consultor de Comunicação Estratégica e Operacional e Membro do CC do MPLA