Para responder, é preciso compreender o que significa implementar uma política pública de combate à pobreza. Não se trata apenas de gastar dinheiro, construir/reabilitar infra-estruturas, distribuir alimentos ou imputes agrícolas. É como em uma viagem: o plano é o mapa, mas são necessários recursos (o motor), agentes competentes (o condutor) e capacidade de adaptação ao longo do percurso. Mais importante ainda: é uma viagem financiada por todos e para benefício colectivo, não para interesses privados. É isso que torna o trabalho verdadeiramente "público".
Sob essa perspectiva, o programa reestruturado tem méritos evidentes. O foco no desenvolvimento "local" e "integrado" é acertado. Reconhecer que a pobreza no Cunene, marcada pela seca, é diferente da pobreza urbana em Luanda é um passo importante. Um plano único, desenhado centralmente, está condenado ao fracasso. Adaptar as respostas às realidades de cada município é, em teoria, o caminho certo.
Contudo, os maiores riscos estão na implementação. E são riscos bem conhecidos dos angolanos e angolanas.
O primeiro é o centralismo. Embora o programa fale em desenvolvimento local, será que os recursos e o poder decisório chegarão efectivamente às comunidades e envolverão todos os actores interessados? Muitas vezes, decisões são tomadas de forma unilateral por quem tem o poder de decisão ao nível superior da hierarquia institucional do Estado, sem escutar as vozes dos actores que se encontram no nível inferior ou as populações visadas. Isso gera uma desconexão perigosa: quem planeia não é quem executa nem quem vive o problema. O resultado é a aplicação de soluções genéricas que não servem a nenhum contexto específico.
O segundo risco é a falta de transparência. Sendo um programa público, financiado pelos impostos dos cidadãos, é essencial garantir que todos saibam como os recursos estão a ser usados. Quem vence os concursos? São empresas competentes ou ligadas aos interesses de quem decide? Os fundos chegam às administrações locais ou perdem-se pelo caminho? Sem uma transparência radical - com publicação de contratos e alocações financeiras acessíveis ao público local - o programa estará vulnerável à corrupção e à captura por interesses privados. O benefício público desaparece, e o programa transforma-se num instrumento ao serviço de poucos ao invés de um mecanismo efectivo de combate à pobreza.
O terceiro desafio é definir o sucesso. Como saber se o programa está a funcionar? O combate à pobreza não se mede pelo número de escolas ou centros de saúde construídos, nem pelo volume de actividades realizadas ou dinheiro gasto. Mede-se por melhorias reais na vida das pessoas: mais crianças na escola com melhores resultados, melhorias das condições de saúde decorrentes de um maior acesso a cuidados de saúde de qualidade, famílias com mais rendimento e melhores níveis de segurança alimentar e nutricional. É crucial definir indicadores de resultado desde o início e monitorá-los com rigor, incluindo avaliações independentes. Caso contrário, corre-se o risco de celebrar obras e numerosas actividades que não refletem mudanças reais na vida dos cidadãos e muito menos diminuição significativa do número de pessoas pobres.
Esta reestruturação do programa que representa? A sua força está na intenção e na abordagem local e integrada. Mas a sua fragilidade reside na persistência de práticas centralizadoras, opacas e pouco participativas.
Para que esta viagem chegue ao destino certo, o Executivo precisa de mais do que anunciar a revisão do programa. É necessário implementá-lo de forma radicalmente nova: descentralizando o poder, garantindo transparência total e focando-se obsessivamente nos resultados para as pessoas. Só assim o programa deixará de ser apenas um mapa e se tornará numa jornada concreta de transformação social.

*Coordenador OPSA