Foi líder do Partido Nacional no período compreendido entre 1989 e Setembro de 1997, partido esse que, como é sabido, apoiou a política do apartheid contra a maioria negra no país.
Porém, consciente do impacto das consequências económicas negativas das medidas de boicote à África do Sul, determinadas pela comunidade internacional, por efeito da política de segregação racial praticada pelo regime do apartheid, da inevitabilidade do aceleramento das independências de Angola e Moçambique na decorrência da revolução dos cravos em Portugal, bem como das alterações que se imporiam em todos os países na África Austral, como sucedeu, não hesitou em abrir caminho ao desmantelamento do apartheid.
Isto para além da implosão da ex-URSS, em 1989.
A política que passou a adoptar, muito corajosa, foi firme, iniciando-se por um referendo interno à comunidade não-negra que votou favoravelmente os objectivos para que essa transição se operasse.
Daí que, de seguida, libertasse presos políticos, incluindo naturalmente Nelson Mandela, pedindo desculpa pública pelos efeitos do apartheid e estabelecendo o sufrágio universal para as eleições livres que ocorreram em 1994.
Foi esta coragem que esteve na base da política de desmantelamento do apartheid, que levou o Comité a conceder-lhe o prémio Nobel da Paz com Nelson Mandela, o político humanista, coerente e que foi exemplo para toda a humanidade, símbolo da África do Sul.
A legislação constitucional, que entretanto foi aprovada e que conduziu às eleições livres de 1994, foi concebida e materializada já com Nelson Mandela em liberdade.
Este, consciente da necessidade da arquitectura constitucional de transição dever incorporar mecanismos que evitassem a conflitualidade étnica e social, após o acto eleitoral, fez consensualizar o princípio que o segundo partido mais votado, que era previsível que fosse o Partido Nacional de Frederik de Klerk, indicasse o Vice-Presidente da República, como veio a suceder, e que todos os partidos que obtivessem mais de 5% de votos fizessem parte do Governo, o que conduziu também a que Mangosuthu Buthelezi do INKATA viesse a ser ministro do Interior.
É, portanto, justo reconhecer quando De Klerk nos deixa, a importância que politicamente teve para a transição da África do Sul para um Governo de maioria, com eleições verdadeiramente livres e genuínas.
O Prémio Nobel da Paz, instituído em 1901, já deu lugar a que dez personalidades africanas fossem galardoadas nos mais variados domínios, da ciência à literatura, passando pela Medicina e pela contribuição para a paz, como sucedeu com Mandela, De Klerk, mas também com o ex-Secretário-Geral da ONU, o ghanês Kofi Annan, para invocar apenas os mais conhecidos.
Todos eles são exemplos que, pelas mais variadas razões, seja pela coerência de uma vida, como Mandela, seja porque arrepiaram caminho de forma muito corajosa, correndo também sérios riscos mas não afrouxando na determinação da opção que passaram a trilhar, como De Klerk, em desmantelar o apartheid.
Em contraponto a estes exemplos, cujo símbolo é Mandela, está o Prémio Nobel atribuído a um outro africano, o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, cristão evangélico que o recebeu em 2019, a pretexto do contributo para a paz com a Eritreia.
Este foi laureado ainda pelo facto de, após a tomada de posse, em 2018, ter libertado um vasto número de prisioneiros políticos e ter integrado no Governo várias mulheres, propiciando que a actual Presidente da República passasse a ser uma mulher, Sahle-Work Zewde.
Como já escrevi, no melhor pano cai a nódoa e hoje a crítica, nalguns casos violenta, que se faz a Abiy Ahmed é, no mínimo, compreensível e ajustada.
É que o acordo de paz da Etiópia com a Eritreia, por sua iniciativa, parece ter sido alcançado com o propósito das forças armadas deste país passarem a apoiar a Etiópia no combate contra os insurrectos da Região de Tigré e mais recentemente na Região de Oromia, de onde aliás Abiy Ahmed é natural.
Os avanços dos insurrectos no terreno, ocupando várias cidades e estando a prosseguir significativamente nele, não têm por objectivo qualquer cessação destas regiões da Etiópia mas apenas a destituição do Governo.
Isto também porque os desmandos de violência profunda sobre a população civil, particularmente jovens mulheres, perpetradas no teatro das operações, desrespeitam de forma grosseira, com actos indescritíveis, as próprias leis da guerra, com relatos de órgãos de comunicação social isentos que imputam ao actual primeiro-ministro e laureado com o prémio Nobel da paz a conivência directa desta prática condenável.
Ao recordar De Klerk com o exemplo que deu ao apoiar sem reservas a transição de um regime despótico, como era o do apartheid, para um governo de maioria, pedindo em simultâneo desculpas sinceras pelo regime que afinal ajudou a depor, ao lado do exemplo impar que foi Mandela, não deve passar em claro a precipitação do Comité ao atribui-lo, em 2019, a Abiy Ahmed.
África, os africanos e a humanidade têm - e bem - o exemplo de Mandela e o contributo prestado por De Klerk para a paz na África do Sul.
É, no mínimo, muito duvidoso que os africanos se revejam em Abiy Ahmed.
É, por isso, preciso afirmá-lo ao invocar o desaparecimento de Frderik de Klerk, não confundindo o que não é confundível.
*(Secretário-geral da UCCLA)