O julgamento de um grupo de sete indivíduos acusados de actos preparatórios de terrorismo para inviabilizar a visita a Angola do ex-Presidente dos EUA, Joe Biden, constitui, até prova em contrário, mais uma peça na engrenagem de uma vasta estratégia de politização da nossa justiça.

Conhecida por lawfire, a estratégia de "guerra judicial" tem como fim último usar os tribunais e a justiça para abater ou condicionar o protagonismo de adversários políticos incómodos, de forma a tirar-lhes do caminho à força da lei, ainda que esta seja aplicada injustamente.

É no âmbito dessa estratégia que, em vésperas das eleições de 2022, o líder da UNITA, Adalberto Costa Junior (ACJ), viu a sua candidatura à Presidência da República chumbada por supostas irregularidades, com o argumento de que ele não havia renunciado tempestivamente à nacionalidade portuguesa, de que era detentor.

Na altura, cogitou-se que o regime estaria por detrás desse plano, dando suposta cobertura a um grupo de dissidentes da UNITA, que accionaram junto do Tribunal Constitucional uma queixa para inviabilizar a candidatura do líder do maior partido da oposição, ao ponto de "forçá-lo" a ida a um novo congresso do seu partido. Mas este seria novamente vencedor do pleito eleitoral para desagrado dos mentores dessa acção que pretendiam vê-lo pelas costas.

Antes, houve outra tentativa de levá-lo à barra do tribunal, a pretexto de que teria sido o autor moral de crime de homicídio na forma tentada, ocorrida na província do Uíge, e que tinha como alvo um dissidente do partido do Galo Negro.

Os seus detractores, que se mostravam mais preocupados na punição do suposto mandante do homicídio, no caso, o presidente da UNITA, do que dos seus autores materiais, se é que existiam, sustentaram igualmente uma ampla campanha mediática em que acusavam ACJ da prática de uma série de crimes, com destaque para os de pedofilia.

Convém sublinhar que o recurso do regime aos tribunais não visou apenas o líder da UNITA, como também o político Abel Epalanga Chivukukuvu (AEC), que viu o seu projecto político PRA-JA Servir Angola, incompreensivelmente, chumbado em distintas ocasiões.

Apesar de reunir todos os pressupostos para o reconhecimento do seu embrião político, AEC e o seu PRA-JA foram vetados, em contraste com outras formações de credibilidade duvidosa e sem nenhum "histórico" em matéria de afirmação política, mas que viram os seus projectos aprovados.

Quem, há cerca de dois meses, assistiu ao espectáculo mediático proporcionado pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC) ter-se-á apercebido que estava novamente em curso um cenário de manipulação e teatralização da nossa justiça, com recurso a actores e figurantes de baixa categoria.

Ficou evidente nessa apresentação a existência de pontas soltas, desconexas e reveladoras de um confrangedor amadorismo da parte de todos os intervenientes que não conseguiram convencer a opinião pública sobre os actos preparatórios de golpe de Estado e de acções de terrorismo contra determinados alvos estratégicos de que eram acusados.

Embora tenha sido descrita como uma conferência de imprensa, na verdade, a comunicação funcionou num só sentido, sem que os jornalistas escolhidos a dedo tivessem feito uma pergunta que fosse ao porta-voz do SIC.

Se ainda existiam dúvidas sobre a existência de um plano orquestrado, estas viriam a ser adensadas por um conhecido advogado da nossa praça, que se dizia de defesa dos arguidos, mas que estranhamente parecia caminhar em sentido contrário, ao confirmar que os seus constituintes estavam envolvidos em tais práticas e que ele iria dispensar o processo do contraditório.

Numa entrevista que concedeu a uma rádio com supostas ligações aos serviços de inteligência, assim como noutros pronunciamentos públicos, o advogado David Mendes não escondeu a sua vontade e satisfação de ver sentados no banco dos réus figuras da oposição que, em sua opinião, seriam os autores morais do alegado golpe de Estado e das acções de terrorismo.

Ficou evidente que tinha como alvos prioritários a "abater" duas figuras da UNITA, nomeadamente o líder da bancada parlamentar da UNITA e o presidente dessa formação política, Liberty Chiaca e ACJ, respectivamente.

Embora a lei angolana não contemple no seu código penal a "delação premiada", o controverso advogado lançou mão, em distintas ocasiões, a essa prerrogativa jurídica brasileira para pedir uma condenação branda dos seus constituintes, desde que, em troca, eles fizessem uma espécie de "entrega" dos responsáveis políticos do Galo Negro.

À medida que o julgamento avança, há sinais cada vez mais evidentes de que o mesmo terá como objectivo arrastar para a lama essas duas figuras da oposição, em detrimento da busca da verdade material.

O tribunal do Huambo corre sérios riscos de perder a pouca credibilidade que ainda lhe resta se apenas condenar os arguidos com base nas suas confissões ou nas declarações do principal advogado de "defesa", que mais parece inclinado a satisfazer a agenda do Ministério Público e, provavelmente, de outros entes ocultos que proporcionar uma defesa digna desse nome aos seus constituintes.

Enquanto não se conhece a sentença, a opinião tem vindo a divertir-se com episódios que raiam à tragicomédia como, por exemplo, a queima de um contrato para a execução do denunciado golpe de Estado, supostamente assinado entre o principal arguido e Liberty Chiaca, às referências ao falecido ex-presidente da FLEC-FAC, que morreu antes dos planos do "putsh", assim como uma das "verdades" contadas por David Mendes sobre as tais granadas que foram lançadas ao rio, mas que os mergulhadores não foram capazes de recuperá-las devido à correnteza do rio.

Uma foto de família, que está a circular profusamente nas redes sociais, parece traduzir fielmente a harmonia teatral de convívio ameno entre procuradores, juízes, advogados e os pseudo terroristas.