A sua atitude não foi a mais correcta e, quanto a isso, estamos de acordo. Mas ficou-se apenas pelo julgamento virtual e generalizado de uma cidadã e da instituição a que pertence, o SME. O que não foi revelado é que o homem que fez o vídeo é da Polícia Nacional, portanto, colega de corporação, que filmou e fez a narrativa segundo o seu interesse. O vídeo foi partilhado já depois de ambos terem resolvido o conflito e chegarem a acordo numa esquadra perto do local do incidente.

Este é um interessante "fogo amigo" que mostra bem como é que temos a capacidade de nos prejudicar e de ridicularizar uns aos outros. É certo que existem rivalidades e guerras surdas no seio da Polícia Nacional, e que internamente muitos não morrem de amores pelos seus colegas do SME é uma realidade. Mas que rivalidade ou raiva é essa que leva alguém a filmar e a expor nas redes sociais uma colega? Não era mais prudente e coerente fazer a entrega da gravação junto dos serviços de inspecção da corporação ou do próprio SME? Ele permitiu que uma colega sua e uma instituição da corporação a que pertence fossem "julgados e trucidados" durante dias nas redes sociais.

Os efectivos das forças de defesa e de segurança devem ser caracterizados pela disciplina e hierarquia, têm responsabilidades sociais acrescidas e devem evitar certo tipo de comportamento. Existe enorme diferença entre o mundo virtual e o mundo real, e está-se a criar uma falsa ideia de que tudo deve ser exposto e resolvido nas redes sociais. O erro cometido, a atitude irreflectida e imprudente da subinspectora Alcina Rafael não justificam a exposição, a publicação de fotos suas e documentos de identificação, a devassa da vida privada e profissional nas redes sociais, sem esquecer a onda de indignação generalizada contra a instituição (SME), que começou nas redes sociais e ganhou contornos no mundo real. Houve mesmo funcionários do SME que evitaram andar fardados na via pública ou em transportes públicos com receio de represálias.

Em muitos sites e plataformas digitais, houve o habitual "mata e esfola" sempre na luta pelos likes, visualizações e partilhas. Existe um perigoso discurso de ódio, de extremos e radicalismos no mundo virtual. As redes sociais estão a tornar-se num pilar de uma nova tirania de comunicação, de autocracia de que não admitem visões contrárias. Criam-se nelas estruturas de pensamento e de opiniões unilaterais e radicais, totalmente ajustadas para afastar, silenciar e eliminar os que pensam diferente ou trazem uma abordagem divergente.

O caso do Professor Diavava Bernardo e a manifestação de 300 alunos da Escola n.º 5018, do distrito da Estalagem, município de Viana, é também um exemplo de uma comunicação social pública que vive ainda um excesso de interferências políticas e corporativas na sua linha editorial, tendo decidido não comunicar o facto no dia em que ocorreu e de apenas fazê-lo quando ditas "ordens superiores" assim o orientaram e, muitas vezes, seguindo uma cartilha bem definida.

O dever de informar dos jornalistas e o direito à informação dos cidadãos ficam coarctados em função de conveniências ou agendas políticas. Quando se decidiram a comunicar, foi no sentido de se atacar o mensageiro (o professor) e nunca a mensagem (falta de carteiras e de condições para os alunos). Os alunos têm direito à manifestação, o professor à indignação e a Polícia, o dever de proteger os cidadãos e nunca disparar contra menores.

Não se está a comunicar melhor e, neste caso, houve muita gente que ficou mal na fotografia. Certa tirania da comunicação em nada ajudou. Com excessos ou não, o certo é que a acção do Professor Diavava Bernardo acabou por resolver o problema da falta de carteiras na escola, e até certo Programa Nacional de Distribuição de Carteiras terá sido anunciado.

"Tirania da Comunicação" é o título do livro do jornalista espanhol Ignacio Ramonet, no qual faz uma crítica sobre a forma como os meios de comunicação lidam com as notícias a serem passadas ao público e mostra como a luta pela liderança e audiências torna sensacionalista o Jornalismo. O autor revela que os veículos de comunicação não se importam mais com o facto de a notícia ser real ou verdadeira, desde que ela surpreenda quem a acompanhe.

Apesar de o livro ter sido escrito no final do século passado (1999), o autor já mostra uma sociedade voltada para a tecnologia e que, por causa da Internet, consome notícias de forma rápida, deixando de lado o papel dos media. Faz uma crítica aos meios de comunicação que não têm ética, aos que manipulam o que é noticiado e aos que vulgarizam os seus programas, a fim de conquistarem o maior número de espectadores.