A "competência" mediu-se única e exclusivamente na forma como foram afastando a maioria esmagadora dos verdadeiros combatentes, alguns dos quais, alcançada a Independência, não tiveram nem honras, nem benesses, nem reconhecimentos de qualquer espécie.
Enquanto durou a guerra, a necessidade e a premência na defesa da integridade territorial, o prosseguimento da promessa de ajudar a libertar a sub-região em que estamos integrados e a luta contra as várias tentativas de derrubar a nossa autonomia e o nosso orgulho de não sermos subservientes perante ninguém, fomos assistindo a um desfilar de gente sem passado que se visse, sem historial na luta, sem a mínima consciência política e muito menos técnica para governar fosse o que fosse. Em nome dos superiores interesses do País, fomo-nos silenciando, impondo a nós próprios, num processo de autofagia ainda por explicar um dia, uma lei da rolha que acabaria por durar mais de uma década, ver subir a patamares nunca sonhados gente preparada ou não, mas fundamentalmente apátrida, ansiosa por "meter a mão na massa", sem limites, acabando por nos conduzir a uma situação dramática, como sucedeu.
As últimas eleições em Angola, trouxeram, para todos, uma alteração completa no modus-vivendi a que (dolorosamente) nos tínhamos habituado. Uma realidade que aos poucos nos sufocava, nos deixava sem esperança e sem saída, deu lugar a uma forma diferente de governar. Fez vir ao de cima um tempo de discussão, de debate, acabando com um ambiente de tensão que se tornara doentio e restabelecendo a velha questão do aprofundamento da democracia tantas vezes por nós abordado. De repente, reencontrámos imensa gente, calada há anos, a reaparecer e a opinar. Os cidadãos comuns, no seu quotidiano, voltaram a perguntar, a discutir, a participar.
Trata-se de um processo longo e demorado. Não é fácil alterar um paradigma de décadas nem corrigir os erros tremendos que foram sendo cometidos. Não é fácil corrigir opções erradas, decisões mal tomadas, caminhos que não nos levaram ao desenvolvimento e ao progresso por que ansiávamos.
Tudo isto ao mesmo tempo nos leva, também, a alguns excessos. Estamos a reaprender o que é viver em democracia. Estamos a ganhar consciência de que o conceito de democracia entronca também num claro aumento da responsabilidade individual e colectiva. E que começa a caber a todos e a cada um, não se achar no direito de apenas exigir. Começamos a perceber que cada um no seu "métier" tem direitos, é verdade, mas tem dose acrescida de deveres. E que não faz qualquer sentido, em meia dúzia de meses, começar já a exigir um mundo de resultados que em mais de década e meia, a maior parte das pessoas nunca sonhou exigir.
É pois, natural que, com uma abertura democrática que se vai aprofundando dia após dia, haja alguns excessos, só aceitáveis porque partem de um processo de reaprendizagem e de retoma do fulcro de todo este longo, antigo e às vezes desesperante historial: o aprofundamento de uma base económica que nos garanta a independência política; acelerar de forma organizada, séria e coordenada entre o estado, os privados e a banca os programas multissectoriais que nos levem a recuperar o que já fomos do ponto de vista agrícola e agro-industrial. Tudo isto leva tempo e alguns de nós, temos pressa, por querer ver o país sair em definitivo do subdesenvolvimento e de um ciclo infeliz que aumentou as já antigas desigualdades sociais em Angola. Ficará mais fácil assim, entender algumas críticas apressadas, alguma ânsia em querer ver o país arrancar em definitivo e atingir aquilo a que podemos chamar de velocidade de cruzeiro.