No corrente ano, o tempo seco, bem dizer, terminou no território angolano, nas regiões por onde passo, no Centro e Sul, apenas uma estrada está a ser intervencionada, a Estrada Nacional (EN) n.º 280, que liga o Lubango à Benguela, eixo viário de capital importância, por ligar o Sul, o Centro e o Norte, sem esquecer a sua componente internacional, pois é neste eixo onde trafegam os vizinhos da África do Sul e Namíbia.
No dia 16/02/2023, publiquei, neste espaço, o artigo com o título «Temos uma grande fragilidade na manutenção do património público», passado mais ou menos um ano e meio desde a publicação deste artigo, constato que o estado de conservação do património público até piorou: continua a vandalização de bens públicos, a ponto de se ter aprovado uma lei que penaliza actos de vandalização do património de todos nós, o estado das vias rodoviárias continua deplorável, pese pequenos arranjos ali e acolá; as interrupções no fornecimento de electricidade continuam na cena do dia; o fornecimento de água, nem se fala, pois a falta dela é sentida todos os dias, pelo que, com tristeza concluo que continuamos a ter um défice muito grande, no que diz respeito a manutenção das infra-estruturas existentes, ou seja, somos péssimos a conservar o que temos. Na verdade, algumas estradas foram construídas no padrão inadequado, tal como também referi há alguma vez neste espaço, a sua rápida degradação prova que são de padrão do tipo descartável. Será que se fossem aplicados os parâmetros de manutenção que referi neste artigo (manutenção preventiva, preditiva e correctiva) estaríamos na mesma situação? Ou, se melhorasse a dotação orçamental para a rubrica manutenção de infra-estruturas, estaríamos na mesma situação? Será que se nos interrogássemos sobre os custos associados por não se fazer a manutenção preventiva atempada das infra-estruturas básicas, não concluiríamos que fica muito mais barato fazer a manutenção preventiva do que a correctiva? Por exemplo, já se imaginou os custos associados à paralisação de uma turbina de geração de energia eléctrica? Ou ainda os custos com o desgaste de viaturas, pelo péssimo pavimento em que transitam? Sem nos darmos conta, esses custos acabam por afectar a formação de preços, pois são custos de negócio, tornando os produtos e as actividades menos competitivas. Numa fábrica de processamento de massas alimentícias ou de biscoitos, a interrupção de energia eléctrica causa inúmeras perdas, pois a massa em processamento pode não se reutilizar, a interrupção pode causar variação de temperatura nos fornos, não atingindo as temperaturas exigidas para a coração do biscoito, afectando os padrões de qualidade.
Recentemente, numa viagem que fazia com um colega de trabalho de nacionalidade indiana, aproveitei perguntar ao colega, quais foram os factores que ele aponta, como tendo sido determinantes no impulso de desenvolvimento do seu país (Índia). Como sabemos, hoje, a Índia, é uma das economias mais dinâmicas do mundo, os quadros indianos são referência em grandes multinacionais. Vemos máquinas de tecnologia de ponta de origem indiana, ao que se deveu esta viragem? A resposta do meu colega foi que foram fundamentalmente duas as medidas que transformaram a economia indiana: o rigor no sistema de educação, particularmente no ensino das ciências com maior incidência na matemática; em segundo lugar, as acções atinentes a transformação do sector agrícola. O colega referiu que aquando da independência, a Índia era importadora de arroz e trigo. Imagina o que seria no actual contexto de crescimento demográfico deste país (1 450 935 791 habitantes em 2024), se dependessem da importação desses dois cereais para alimentar a sua população? A propósito do elevado volume demográfico do seu país, mencionou que não é uma desvantagem, pelo contrário, é uma grande vantagem, desde que devidamente instruída, que é o caso. O mesmo se pode dizer da China e de muitos outros países, hoje chamados de novos países industrializados (NICs), Malásia, Singapura, Correia do Sul, Tailândia, Indonésia. O Brasil, o Chile e a Costa Rica são também referências de economias que vão fazendo transformações exemplares. Os grandes investimentos nestes países, em regra, foram em infra-estruturas, instrução e investigação científica.
Fala-se de um projecto de construção de uma auto-estrada de Norte a Sul, ainda não se conhecem os orçamentos do projecto, o que se especula é que se aventa a sua adjudicação a uma empresa chinesa. Será uma solução para o actual problema de interligação entre as diversas localidades do território nacional? Já se fizeram estudos do tráfego que fundamentam ou viabilizam este colossal investimento?
Não se consegue conservar as estradas tradicionais de dois sentidos, como se pretende partir para uma auto-estrada? Não me parece uma ideia acertada nesta altura! Porquanto, a meu ver, sem ter feito grandes cálculos, não há tráfego que viabilize tamanho investimento, pois teria de haver portagens.
Também já pensei em auto-estrada entre Lubango e o Namibe. Mas nas várias deslocações que fiz entre estas duas cidades, feitas as contas, cruzei em médias, com menos de 30 viaturas e ultrapassei menos de 10, conclui que o investimento na auto-estrada não seria viável, o retorno do investimento se alastraria em 3 séculos. O que precisamos de imediato, são acções que, por um lado, permitam a recuperação das estradas existentes, e criar um programa da sua conservação permanente, por outro, fazer curtos traçados, de estradas de dois sentidos e duas faixas (a exemplo do troço Benguela - Lobito, estrada n.º 100), entre localidades cujo tráfico justifique. Por exemplo, Luanda-Sumbe, Sumbe-Lobito, Benguela-Lubango, Lobito-Alto Hama, e aí por diante. No Norte de Angola, também os troços teriam o mesmo tratamento, dispersando as empreitadas por várias empresas. Evitando a concentração de empreitadas numa única empresa e/ou empresas estrangeiras, de que os benefícios deste projecto não impactam a economia local e nacional, tal como aconteceu no passado. Uma empreitada de construção de infra-estruturas deve ter efeito multiplicador na economia do País, não foi o que aconteceu, o único efeito, perverso, foi o endividamento que hoje pesa o Orçamento Geral do Estado (OGE), sem ter criado o poder reprodutivo que se almejava.
A decisão de localização de uma agro-indústria numa determinada localidade é, em regra, determinada, ou pela proximidade da fonte de matérias-primas, ou pela proximidade do mercado de consumo. Em qualquer uma das alternativas, a fácil transitabilidade, a disponibilidade de energia eléctrica e água de qualidade, bem como a disponibilidade de mão-de-obra qualificada são fundamentais. As oportunidades de investimento, muito bem publicitadas pela Agência de Investimentos Privados e Promoção das Exportações (AIPEX), terão pouco respaldo se a sua concretização encontrar entraves na sua concretização pela fragilidade das infra-estruturas. A obsessão das autoridades económicas que se verifica contra as importações, de nada valerá se não se melhorarem as infra-estruturas fundamentais, que facilitem a realização, quer da produção agrícola, quer a produção industrial, de forma competitiva, impulsionando a emergência de uma indústria pesada, sem a qual, será uma miragem sustentar a produção local. As infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias, centrais de produção de electricidade e água, são condição primária para impulsionar a produção nacional.
*Economista