Neste artigo pretendemos fazer uma breve reflexão sobre tais aspectos e dissecá-los.
Relativamente aos candeeiros de iluminação pública, ante o conhecimento que se tem da causa de normalmente permanecerem acesos durante o dia - ainda que a causa nos possa deixar incrédulos -, nada foi referido sobre providências que tenham sido tomadas para se resolver o problema, o que pressupõe haver resignação. Entretanto, foi relevado ser responsabilidade das administrações locais assegurar a rede de iluminação pública, bem como o pagamento do consumo respectivo; também que o não pagamento de tais consumos se tornou um problema crónico e a ENDE, EP (Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade, Empresa Pública) não toma qualquer atitude para a cobrança porque antecipa que as administrações locais aleguem não dispor de verbas no orçamento para o efeito.

Pode-se então depreender que uma causa fundamental para o status quo, do qual resulta desperdício de recursos públicos, é a completa falta de responsabilização das administrações locais e da ENDE. E esta não terá qualquer incentivo para a cobrança, na medida em que acaba por ser sempre compensada pelo Tesouro Nacional, seja na forma de subsídios ou outra qualquer.

Quanto ao cenário de produção superavitária de electricidade, mas défice de distribuição por limitações da rede, parece ficar evidente alguma falta de articulação entre o planeamento dos investimentos na produção e dos investimentos na distribuição, quando se sabe não haver meio de se armazenar electricidade uma vez produzida. Entretanto, ainda assim, considerando-se o superavit de produção - e presumindo-se que isso ocorra, pois as afirmações foram no sentido da existência de produção superavitária e não de capacidade de produção superavitária - seria mister saber a razão de se colocar todos os geradores em carga e não apenas os que assegurariam produção no limite do consumo possível conforme determinado pela rede de distribuição disponível.

Por fim - e, eventualmente, das mais importantes - temos a questão da atracção do investimento privado na produção de electricidade.
Na cadeia de valor da electricidade do sistema eléctrico público angolano actuam três empresas públicas em situação de monopólio: a Empresa Pública de Produção de Electricidade - Empresa Pública (PRODEL, EP), a qual actua no segmento da produção; a Rede Nacional de Transporte - Empresa Pública (RNT, EP), com a responsabilidade do transporte da electricidade dos pontos de produção até aos pontos de entrega aos clientes distribuidores; e a ora citada ENDE, EP, que é responsável pela distribuição aos consumidores finais em alta, média e baixa tensão.

No diálogo em referência, referiu-se o facto da RNT adquirir a electricidade à PRODEL a um preço barato e que, por isso, se entende que, sendo a produção superavitária, dificilmente investidores privados terão interesse em investir na produção, pelo facto de se adivinhar que os seus preços seriam menos competitivos que os da PRODEL, o que não interessaria à RNT e a outros eventuais distribuidores e consumidores.

O facto é que, se neste momento a produção de electricidade excede as necessidades de consumo, o crescimento natural da população e o desenvolvimento económico e social do País demandarão mais electricidade no futuro, pelo que é desejável anteciparem-se os investimentos de modo a assegurar-se que não se chegue no futuro a uma situação de défice de produção, o que constituiria um sério constrangimento ao almejado desenvolvimento nacional. De resto, entendemos que essa é a abordagem que estará a ser seguida pelo Governo, o que justifica o facto de estarem a ser realizados mais investimentos na geração, como são os casos da barragem hidroeléctrica de Caculo-Cabaça e dos projectos das centrais fotovoltaicas que vão beneficiar de um financiamento do EUA de cerca de 2 mil milhões de dólares, como foi anunciado recentemente pelo Presidente dos EUA. Então, em termos de planeamento, é exigível que se tenha em conta, além da situação do momento, a dinâmica da evolução futura da procura por electricidade e, com base nela, projectar-se como deve evoluir a produção e a distribuição, na qual se deve considerar também uma matriz energética que assegure a transição para fontes cada vez menos poluentes.

E como a produção de electricidade requer investimentos avultados, face à limitada capacidade do Estado financiá-los, é desejável que os promova por meio de parcerias público-privadas, para as quais se tem de interessar os investidores privados. E aqui é importante reter-se que, embora a RNT adquira electricidade barata à PRODEL, o sector eléctrico no seu conjunto continua ainda a ser subsidiado - não obstante ser um sector rentável em qualquer parte do mundo e que pode, por isso, prescindir dos subsídios -, pelo que o preço pelo qual adquire a electricidade pode não corresponder ao preço remunerador dos factores da PRODEL.

A esse propósito, o jornal "Mercado" recentemente reportou que o ministro da Energia e Águas declarou que as tarifas de electricidade poderão ser actualizadas de forma a reflectir cada vez mais os custos e tornar o sector atractivo para o investimento privado. Terá considerado ser necessário o aumento das tarifas, assim como a redução dos custos de produção de electricidade, sobretudo com a utilização de combustível para a sua produção, para que os produtores privados tenham interesse no sector (cf. Jornal "Mercado": https://mercado.co.ao/economia/tarifas-de-electricidade-vao-aumentar-em-angola-executivo-nao-avancou-com-data-CJ1182352, 06/07/2022).
Entendemos é que, na medida em que o sector eléctrico tem o potencial de ser rentável - o que assegura a recuperação dos investimentos - e assumindo o Estado angolano a responsabilidade primária de prover electricidade a partir de um sistema eléctrico público, a abordagem para a atracção de investimento privado no sector, que considera o aumento das tarifas de electricidade e a redução dos custos de produção por meio da realização de investimentos públicos na produção financiados directamente pelo Estado, parece equivocada.

Consideramos que o Governo deveria é promover investimentos privados na produção por meio de leilões na base do melhor preço de oferta de venda da electricidade para integração na rede pública, em contratos de longo prazo. Então o Estado adquiriria a electricidade - digamos - a grosso aos produtores privados a um preço competitivo de mercado e remunerador dos investimentos privados, tendo depois a liberdade de, nos segmentos de distribuição, aplicar a política tarifária que entendesse, sem que os investidores privados a montante ficassem afectados, na circunstância em que tal política considerasse a subsidiação de tarifas para alguns consumidores.

De todo o modo, a revisão das tarifas de electricidade é também necessária. Nas actuais tarifas consideram-se preços diferenciados para a unidade de potência contratada (em KVA) e para a unidade de ponta máxima (em KW), assim como para a electricidade consumida (em KWh) para dez segmentos de consumo: Baixa Tensão Social, Baixa Tensão Monofásica, Baixa Tensão Trifásica, Baixa Tensão Iluminação Pública, Baixa Tensão Comércio e Serviços, Baixa Tensão Indústria, Média Tensão Comércio e Serviço, Média Tensão Indústria, Alta Tensão Indústria e Alta Tensão Distribuidores. Entendemos que na revisão das tarifas deveria ser adoptado como princípio que as tarifas devam reflectir os custos - excluídos os decorrentes das eventuais ineficiências do sector - e uma margem de remuneração dos capitais controlada. A diferenciação dos preços para a unidade de potência contratada (KVA), para a unidade de ponta máxima (KW) e para o consumo de electricidade (KWh) deveria estar limitada aos segmentos de Baixa Tensão Monofásica, Baixa Tensão Trifásica, Média Tensão e Alta Tensão, respectivamente. Em cada um dos segmentos, entretanto, excepto para a Alta Tensão, seria estabelecido um nível de "consumo protegido" ao qual seria aplicado um preço preferencial - eventualmente subsidiado, mas não necessariamente -, além do qual os preços seriam os normais.

Como critérios para o estabelecimento do nível de "consumo protegido" em cada segmento poderiam ser considerados os seguintes elementos: no consumo doméstico, o nível de consumo médio de uma habitação que acomode uma família típica de seis membros e com equipamentos e electrodomésticos básicos que assegurem um mínimo de comodidade; no consumo comercial, em Baixa Tensão, o nível de consumo médio de uma pequena empesa industrial, conforme os requisitos de certificação pelo Instituto de Micro, Pequenas e Médias Empresas (INAPEM); no consumo comercial, em Média Tensão, o nível de consumo médio de uma média empresa industrial, conforme os requisitos de certificação pelo Instituto de INAPEM).

Com uma revisão das tarifas nesses termos, sobretudo com a aplicação do princípio delas reflectirem os custos que não os de ineficiência e assegurarem uma remuneração dos capitais controlada, seria possível também atrair investimentos privados no segmento da distribuição de electricidade.

Café CIPRA de 07 de Junho de 2022: https://www.youtube.com/watch?v=bKYLN0q4KoE&t=5973s )

*Economista