O Mussulo não é mais inspiração, sopro ou lampejo de poetas e músicos, não creio que o seu retrato actual seja digno de tapete vermelho na imaginação ou promessa de intelectuais.
Que ensejo provoca um lugar preso em si mesmo? Recluso nos resíduos, detritos e despojos da baía à costa?
A travessia deixou de ter o afecto da ansiedade, o mar já sem canoas lamenta o facto de mais ninguém se lembrar dele. Garrafas de plástico, restos de esferovite e esponjas naufragam as lágrimas da Kianda que não sente mais a diferença entre a noite e o dia, porque o misticismo e a divindade se esvaziaram no tempo.
Pisar em areia branca, é coisa que ficou nos versos ocultos e traídos por desabafos que se calam sem conforto. O lamento é sopro de amor e saudade de quem já viu o Mussulo virgem, puro e livre das imundices dolorosas.
Tudo isso me leva a questionar o papel da Administração local. Porque não fazer que cada morador ou turista limpe o que sujou, por via de aplicação de multas ou taxas? Para quando uma consciência para lá das aparências representadas nas páginas de influenciadores digitais e resorts?
Não é possível incutir aos pescadores que é importante manterem as águas limpas para preservação da fauna e flora marinha e, inclusive, para o benefício da própria comunidade? Sendo eles penalizados quando infringirem as regras?
Há casas e muitas estruturas a degradarem-se no Mussulo, inclusive abandonadas há anos. Por que não responsabilizar os donos, já que se trata também de uma acção que lesa igualmente o ambiente?
A educação ambiental é um processo. É certo que sim, mas o dinamismo do tema prevê que a actuação seja mais contundente e célere. Se hoje todos temos os cintos de segurança apertados quando andamos de carro e colocamos os coletes salva-vidas, mal entramos num barco, certamente estamos prontos para anuir as regras e leis ambientais.
No dia 31 de Janeiro, comemora-se o Dia Nacional do Ambiente, instituído em 1976 com o objectivo de se preservar as espécies e de reforçar os alertas aos diferentes sectores para a necessidade de se adoptarem padrões de vida sustentáveis, que promovam uma gestão equilibrada dos recursos naturais. E foi a propósito da efeméride, que, na abertura da semana do ambiente, o ministro Filipe Zau admitiu que ainda não se dá a devida atenção ao assunto.
Com a protecção das áreas húmidas na ordem do dia, muito por conta das alterações climáticas, a intervenção do Serviço Nacional de Fiscalização Ambiental fica na penumbra perante uma lista infindável de iniciativas.
Passaram 46 anos desde que as questões ambientais foram institucionalizadas, mas a gestão ambiental ainda parece um voto sem causa. O farol do tema é que estão em curso várias restruturações que, ao serem implementadas com rigor, podem dar resultados. Uma delas é a reforma do Fundo do Ambiente, que passou a chamar-se Fundo da Cultura, Turismo e Ambiente e que prevê o apoio a associações ambientais, assim como o fomento à actividade turística, entre outros.
Consciente de que viver é melhor que sonhar, parafraseando o compositor brasileiro António Carlos Belchior, espero voltar ao pedaço da areia que abraça o mar, espero ali brincar com a minha caçula, fazê-la criar raízes e dar-lhe a ouvir a música que pinta o quadro do artista que vende a sua obra bem à nossa frente.