Como é sabido, a implosão da ex-URSS conduziu a diligências quase imediatas em várias regiões do mundo que experimentavam guerras por interpostos agentes, entre a referida ex-URSS e os EUA, com o propósito de as mesmas serem superadas e a paz ser nelas instalada.
A guerra entre o Governo de Angola, suportado pelo MPLA, e a UNITA, tinha essa mesma lógica, apesar da existência de contradições internas próprias, mas é indiscutível que o conflito envolveu as duas então superpotências existentes.
Por isso mesmo, em todos os processos negociais e durante um longo período de tempo, as duas superpotências estiveram representadas.
No caso de Angola, mesmo depois da implosão da ex-URSS, que teve por causa a queda do muro de Berlim, a 9 de Novembro de 1989, o conflito persistiu.
Só com a morte do líder da UNITA, Jonas Savimbi, foi possível alcançar o início da paz, fez no dia 4 de Abril 19 anos.
A paz deu lugar à reconciliação nacional, o que não é questão de somenos, possibilitando que militantes da UNITA acabassem por integrar as FAA e alcançassem postos de muito relevo, participassem no Governo, fossem titulares de cargos de representação do País, como embaixadores, e passarem a ter uma vida cívica normal, com exercício das mais diversificadas actividades, incluindo empresariais.
Este objectivo, de reconciliação nacional, correu paredes meias com o do relançamento da economia nacional num ambiente de estabilidade política e social.
Sucede, porém, que o orçamento do Estado continuou a contar quase em exclusivo com as receitas do petróleo, como se o preço desta commoditie fosse eterno.
Conceberam-se projectos de vias de comunicação, novas centralidades, de par com alguns megalómanos como o novo aeroporto de Luanda, com gastos exorbitantes.
Apesar de se invocar a cada passo a necessidade de a economia ser diversificada, com priorização da agricultura e de todo o sector primário, a realidade é que isso não ocorreu.
Bastou a queda do preço do petróleo em 2014 para valores que chegaram a ser de 1/4 do que existia, para o castelo de cartas desabar, com reflexos no sector financeiro, nas empresas que lhe davam suporte e nestas nos bancos, afectando a liquidez do País para a regularização dos pagamentos ao exterior.
Na campanha para as últimas eleições para o cargo de Presidente da República e para as legislativas, algumas listas de candidatos que se apresentavam a sufrágio sustentaram a ideia que a crise seria passageira.
Tanto assim que chegaram a prometer, após as eleições, a criação de milhares de postos de trabalho e um combate consequente e profundo à corrupção, como se essa não fosse transversal na sociedade e pudesse ser resolvida pelo mero anúncio dela.
Não se duvidando das boas e genuínas intenções destas promessas, que, inclusive, conduziram a um crescente alargamento do apoio ao Presidente João Lourenço, cedo foram confrontadas com a realidade.
É que a realidade é o que é e não o que se deseja que seja.
Ao crescer a insatisfação social, o desemprego e a carência de liquidez do País, pela primeira vez teve de ser outorgado um acordo com o Fundo Monetário Internacional.
O acordo, de alguma maneira inevitável, não logrou fazer superar o quadro económico existente no imediato e porque a luta contra a corrupção passou a ser questionada quanto ao método e, sobretudo, quanto à dimensão e destinatários, o questionamento social sobre o rumo da marcha cresceu.
Não sendo uma tarefa nada fácil, bem pelo contrário, aquela que o Presidente João Lourenço tem pela frente, é inegável que tomou muitas medidas com coragem e determinação, mas não se conseguiu ainda percepcionar a forma de, na prática, se diversificar a economia, recriando condições de esperança no desenvolvimento e na prosperidade e como se vai recredibilizar agora a luta contra a corrupção.
Estas condicionantes foram agravadas com a Covid-19, afectando fortemente a economia e a mobilidade dos cidadãos, com impactos profundos na actividade das empresas.
Porém, neste quadro complexo, tem sido possível salvaguardar as condições para que Angola reequacione, após o retorno à vida normal, a estratégia em que deve assentar o seu desenvolvimento, com mobilização dos concidadãos, condição sine qua non para a concretização de um objectivo desenvolvimentista e com forte apoio social.
Há que partir para ela com a consciência de que a realidade é mesmo o que é e não a que se deseja ou a que se pensa que é.
E porque os angolanos merecem recriar a esperança no futuro, é com o quadro da realidade existente que todos deverão concertar esforços para que esse futuro seja reganho.
*Secretário-geral da UCCLA