Ora, na "ficha informativa" da Casa Branca sobre a pareceria EUA-Angola , que se reporta a 30 de Novembro de 2023, pode ler-se que
"À medida que os Estados Unidos e Angola assinalam 30 anos de relações diplomáticas, a nossa relação bilateral está a aprofundar-se com compromissos regulares de alto nível e uma crescente cooperação sobre os principais objectivos partilhados. Angola é um parceiro estratégico e líder regional, e a parceria EUA-Angola é fundamental para fazer avançar os nossos objetivos comuns de prosperidade económica, segurança regional e aumento da segurança energética em África e no Atlântico."
Por seu turno, na declaração de 24 de Setembro de 2024, da Secretária de Imprensa da Casa Branca sobre a viagem do Presidente Biden à Alemanha e Angola , lê-se, no que diz respeito à Angola, que
"...o Presidente Biden (...) vai reunir-se com o Presidente de Angola, João Lourenço, para discutir o aumento da colaboração em prioridades partilhadas, incluindo o reforço das nossas parcerias económicas que mantêm as nossas empresas competitivas e protegem os trabalhadores; celebrar um projecto emblemático da Parceria para as Infraestruturas e o Investimento Global (GPI) do G7, que promove a nossa visão conjunta para a primeira rede ferroviária transcontinental de acesso aberto de África, que começa no Lobito e que, em última instância, ligará o Oceano Atlântico ao Oceano Índico; reforçar a democracia e a participação cívica; intensificar as acções em matéria de segurança climática e de transição para as energias limpas; e reforçar a paz e a segurança."
Portanto, naquilo que a Administração Biden considera como sendo objectivos e prioridades partilhadas entre os EUA e Angola, despontam os domínios económico, da paz e segurança regional, da segurança climática e energética e da democracia e participação cívica.
Em termos de engajamentos específicos recentes, da ficha informativa ora referida, identificam-se, como de maior relevância, as seguintes acções:
1. No domínio do comércio e investimento: (i) a aprovação pelo Banco de Exportação e Importação dos EUA (EXIM) de: um compromisso final no valor de 42 milhões de dólares, em 2022, em apoio à exportação pela Gates Air de transmissores FM, torres, treinamento e outros equipamentos e serviços para a Rádio Nacional de Angola (RNA), destinados à primeira fase do "Projeto de Expansão do Sinal de Rádio e Modernização de Estúdios" de Angola, que quando concluído, ampliará a cobertura do sinal de rádio para aproximadamente 95% da população do país ; um financiamento, em 2023, de 900 milhões de dólares, para projetos de energia solar da Sun Africa; e de outro financiamento, também em 2023, de 363 milhões de dólares, para o fornecimento de 186 pontes pré-fabricadas pela da Acrow Bridge; (ii) a condução pela Corporação Financeira para o Desenvolvimento Internacional do EUA (DFC) de um processo de due diligence para um financiamento de 250 milhões de dólares destinados à remodelação da linha férrea do caminho de Ferro a Benguela, partir do Lobito, numa extensão de 1.300 Km; (iii) assinatura pelo Secretário de Estado do EUA de um Memorando de Entendimento envolvendo sete partes interessadas (EUA, União Europeia, Angola, RD do Congo, Zâmbia, Banco Africano de Desenvolvimento e Corporação Financeira de África (AFC)) para a construção de uma nova linha férrea de 800 Km entre Angola e a Zâmbia; e (iv) o anúncio pela Boeing e pela TAAG de um acordo para a compra de dez novos aviões 787, avaliados em cerca de 3,6 mil milhões de dólares;
2. No domínio da segurança alimentar: (i) estava prevista para Fevereiro de 2024 a primeira missão comercial de sempre do agronegócio dos EUA a Angola, liderada pelo Departamento da Agricultura dos EUA, com mais de 60 membros em representação de empresas e organizações agrícolas dos EUA, para promover o comércio agrícola dos EUA e investimentos regionais em segurança alimentar com parceiros angolanos, tendo-se previsto que os participantes reunissem com potenciais compradores do sector privado e interagissem com especialistas em comércio do sector; (ii) o fornecimento pela USAID de assistência de emergência a três províncias do sul de Angola afectadas pela seca de 2022, nos anos de 2022 e 2023, no valor de 13,3 milhões de dólares, tendo sido mais de 500 mil crianças por desnutrição aguda e tratadas 121 mil por desnutrição moderada a grave; e (iii) estava previsto o apoio da USAID, através de um projeto de 5 milhões de dólares do Fundo de Acção para a Igualdade e Igualdade de Gênero, do desenvolvimento agrícola ao longo do Corredor do Lobito, com foco na ligação de mulheres pequenas agricultoras a cadeias de valor que usarão a linha ferroviária como um componente crítico da sustentabilidade do projecto do corredor;
3. No domínio da transformação digital: (i) lançamento pela USAID, em Agosto de 2023, do projecto "Dinheiro Digital é Melhor" (DDM), avaliado em perto de 5 milhões de dólares, em parceria com a empresa americana Africell, sendo que esta aportará uma contribuição equivalente em espécie, além da sua rede móvel existente; e (ii) a criação pelo projecto DDM, sob os auspícios da GPI, de um ambiente propício para aplicações de finanças digitais para estimular o crescimento de um ecossistema de pagamentos digitais vibrante, seguro e mais inclusivo em Angola, bem como o apoio pela parceria da expansão contínua da infraestrutura 5G da Africell usando redes confiáveis, tendo em conta a sua natureza crítica para o desenvolvimento do Corredor do Lobito; e
4. No domínio da democracia, governança e direitos humanos: (i) o lançamento pela Embaixada dos EUA em Angola de um programa para promover o Estado de direito, fortalecendo a independência do poder judicial, tornando os cidadãos mais conscientes dos seus direitos legais e capacitando os tribunais, além do apoio com doações para o fortalecimento da liberdade de imprensa; (ii) trabalho conjunto da USAID e Departamento do Estado com o BNA nos esforços contínuos de Angola na luta contra a corrupção, incluindo a melhoria substancial de Angola na sua pontuação na Transparência Internacional, sendo esperado que a programação aumentará a transparência das finanças públicas e reforçará a capacidade das instituições de supervisão em apoio dos compromissos de Angola como novo país implementador da Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativas (ITIE); e (iii) o Departamento do Tesouro tem prestado, desde 2019, assistência técnica para reforçar a capacidade das instituições angolanas para identificar, detectar e processar crimes de branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e outros, em apoio às reformas políticas e económicas de Angola.
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Importa, então, olhar, de modo crítico, para as implicações, para as partes, das acções elencadas, bem como os eventuais benefícios efectivos e potenciais que se poderão delas obter ou o fundamento para o interesse nelas.
No caso dos EUA, como se pode perceber, há, manifestamente, um grande interesse da Administração Biden pelo Corredor do Lobito, compreendendo-se que tal interesse decorra da necessidade de assegurar o acesso aos minerais estratégicos existentes na região, cujo escoamento deve ser feito através do Caminho de Ferro de Benguela. Então os EUA procuram garantir a sua influência na região, de modo a afastar eventuais pretensões semelhantes de terceiros - como serão as da China -, sendo que procura fazê-lo assegurando o acesso aos financiamentos requeridos pelos investidores privados envolvidos no projecto do corredor.
As acções no domínio do comércio e investimento estão avaliadas em cerca de 5,155 mil milhões de dólares, dos quais cerca de 95% correspondem a operações de trade finance, asseguradas pelo EXIM, e o remanescente é financiamento da DFC para o Corredor do Lobito. Não há, assim, qualquer investimento americano directo em Angola. Com as operações do EXIM os EUA assegurarão exportações para Angola das suas empresas Gates Air, Sun Africa e Acrow Bridge, tendo com importador o sector público angolano, o que garante rendimentos para essas empresas e para o EXIM, assim como assegura empregos nos EUA.
No que à segurança alimentar diz respeito, há a notar que a missão comercial do agronegócio dos EUA a Angola, que estava prevista para Fevereiro de 2024, embora previsse também a promoção de investimentos regionais em segurança alimentar com parceiros angolanos, parece ter o seu foco principal na promoção do comércio agrícola dos EUA, por isso se previam encontros com potenciais compradores angolanos. As restantes acções nesse domínio são, sobretudo, de cariz assistencialista.
Por seu turno, no domínio da transformação digital, as acções centram-se, fundamentalmente, no apoio à empresa americana Africell, para a implementação e expansão de soluções financeiras digitais seguras e inclusivas - como é o DDM -, bem como a implantação e expansão da infraestrutura 5G da companhia, assente numa "rede confiável", que se entende crítica para o desenvolvimento do Corredor do Lobito. Presume-se que a "confiabilidade" da rede a que se refere reporta-se ao facto de não ser tecnologia de empresas chinesas, como a Huawei , o que releva o objectivo do EUA "marcarem o território" em face dos seus objectivos geoestratégicos.
Do lado angolano, tendo em conta o limitado "poder de barganha" do país diante dos EUA, conforme lhe é dado pelo seu poder económico e militar, a optimização dos benefícios da cooperação decorrerão da qualidade da sua governação e do modo como fizer a gestão do interesse dos EUA por Angola - seja por razões geopolíticas ou económicas - e tendo em conta a intensidade de tal interesse.
Ora, conforme visto, as acções no domínio do comércio e investimento não contemplam investimento directo americano em Angola. E das acções de comércio deverá emergir um endividamento público adicional de Angola de cerca de 4,9 mil milhões de dólares e com projectos maioritariamente de eficácia duvidosa, senão vejamos:
A RNA, na qual se farão investimentos que elevarão a dívida pública em 42 milhões de dólares, tem beneficiado de investimentos - os quais já foram fonte de "acumulação primitiva de capital" - em quase todos os ciclos políticos, com fundamento na necessidade de se estender o seu sinal para assegurar-se a cobertura de todo o território nacional. A qualidade do seu serviço público, entretanto, é questionável, além de que a sua capacidade de cobertura dos custos operacionais não vai além dos 11%, segundo o último relatório do IGAPE reportado ao anos de 2023.
Nos investimentos em geração de electricidade com energia solar - objecto de endividamento do Estado em 900 milhões de dólares - têm sido priorizados projectos integrados na rede nacional, a qual já se apresenta com capacidade de geração excedentária à actual demanda. Sendo a cobertura actual de apenas 44%, era suposto que se priorizassem as linhas de transportação e sistemas independentes, conforme avaliação custo-benefício. E note-se que, no recente Conselho Consultivo do Ministério da Energia e Águas, foi referido que a meta de cobertura almejada para 2027 é de apenas 50%, o que pressupõe que o excedente da capacidade tenderá a aumentar.
A TAAG, é um eterno sorvedouro de recursos públicos, sem que se vislumbrem melhorias do seu desempenho operacional e económico-financeiro. Ainda assim, estão anunciados mais contratos de aquisição de aeronaves que vão representar aumento do endividamento público de 3,6 mil milhões de dólares, quando já se aventou a possibilidade de privatização parcial da empresa.
No domínio da segurança alimentar, a promoção pretendida do comércio agrícola dos EUA, com a busca de compradores locais angolanos de produtos americanos tende a gerar mais importações por parte de Angola, enquanto que as acções no domínio da transformação digital, em face da posição dos EUA em relação às redes chinesas, cria um condicionamento do país a decisões livres.
Por fim, olhando-se para as acções reportadas de promoção do Estado de direito, fortalecimento da independência do poder judicial, consciencialização dos cidadãos sobre os seus direitos legais e o fortalecimento da liberdade de imprensa, parecem ir no sentido de save face da administração americana enquanto defensor da democracia e do Estado de direito, tendo em conta as queixas dos cidadãos e de vários segmentos da sociedade angolanos em relação à realidade nacional de direitos civis e políticos, que se acham coarctados. Quanto às acções de capacitação dos tribunais, de trabalho com o BNA na luta contra a corrupção, de transparência das finanças públicas e a assistência técnica para reforçar a capacidade das instituições angolanas para identificar, detectar e processar crimes de branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e outros, assim como de apoio às reformas políticas e económicas de Angola, há que ter em conta que o avanço nesses domínios dependerá mais da vontade política das autoridades do que de aspectos técnicos.
Então, a parceria EUA-Angola, da qual a visita do Presidente americano a Angola constituirá um ponto alto, apresenta-se como uma oportunidade que Angola deveria capitalizar para acções do seu desenvolvimento, traduzido em impacto positivo sobre a situação económica, social, cultural e política do país, o que exige uma abordagem de prioridades consentâneas com as necessidades do país. Isso, entretanto, não é o que as acções em curso e em perspectiva sugerem.n
1 https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2023/11/30/fact-sheet-the-u-s-angola-partnership/
2 https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2024/09/24/statement-from-white-house-press-secretary-karine-jean-pierre-on-president-bidens-travel-to-germany-and-angola/
3 Na Nota Informativa citada essa acção está enquadrada no domínio da Transformação Digital.
4 P. ex., em E. K., J. (2020). The US, China and Huawei Debate on 5G Telecom Technology: Global Apprehensions and the Indian Scenario. Open Political Science, 3(1), 66-72. https://doi.org/10.1515/openps-2020-0006, pode ler-se: "Embora o 5G ofereça uma série de opções para que o comércio e a cooperação globais floresçam, gerou resultados contraintuitivos, pelo menos temporariamente, com os EUA adoptando uma postura protecionista para conter o domínio chinês no sector de telecomunicações, citando preocupações de segurança. O lobby dos EUA contra fornecedores chineses, particularmente a Huawei, gerou incerteza entre os países sobre a adopção e implantação de equipamentos fornecidos pela empresa."

*Economista