É um sentimento que nos remete para vários questionamentos sobre a situação da justiça selectiva, pois, se o "filho de Um" é julgado e condenado por envolvimento em esquemas de desvio de 500 milhões de dólares, se no seu caso houve grande "barulho" mediático, por que razão no congelamento dos 900 milhões do "genro do Outro" há um silêncio conivente? O serviço público de comunicação fica dias "adormecido" e, quando "desperta", é para nos informar que, segundo uma fonte da PGR, há uma espécie de work in progress, que serve para animar a imprensa e entreter a malta.

Angola tem de criar uma fábula própria, porque a de «Alibabá e os 40 Ladrões» é pouco para nós. Como é que podemos ser um país levado a sério quando um só cidadão consegue fazer sair "oficialmente" de território nacional 900 milhões de dólares, sem que os vários sistemas (bancário, de inteligência e segurança) travassem o alegado esquema? Como é que alguém se sente no direito de passar para a esfera privada tanto dinheiro? Este valor equivale ao OGE de uma década ou mais de certos países cá em África. E pelas informações, Angola não viu ou descobriu nada, pois certas movimentações fizeram "disparar os alarmes" do sistema financeiro suíço. Um ardiloso esquema montado desde o início para encher bolsos e com muitas conivências. Com certa inspiração poética, a estratégia agora será do "Não direi nada" e, se as coisas apertarem, evolui para um "Não tirei nada". Atingimos o zero!

Outro caso que o Novo Jornal traz nesta edição é a falta de inteligência com que a nossa Inteligência Interna (SINSE) tem lidado com um caso que vem desde 1992. O problema reside na falta de interesse em encontrar soluções, em resolver um problema que já tem quase 30 anos. Estes antigos quadros do Ministério da Segurança do Estado (MINSE), no período de transição política, de sistema de partido único para o multipartidarismo, tiveram de se desfazer das suas identidades, de queimar arquivos para evitar eventuais constrangimentos no caso de o País ter vindo a viver um quadro de alternância de poder político. Em certas províncias de Angola, a "decisão local" foi de queima total de arquivos e fez que hoje muitos destes antigos operativos não conseguissem provar a sua efectividade, sendo, muitas vezes, a prova testemunhal a solução encontrada.

Há grupos que se sentem marginalizados em função das ditas soluções encontradas. Este grupo de antigos operativos de Benguela, que o Novo Jornal retracta nesta edição, é um deles, sendo que existem grupos espalhados por todo o País. Cada ano que passa é cada vez mais difícil comprovar a qualidade e a efectividade de quadros que, num passado difícil, juraram lealdade à Pátria. É que, ao longo destes quase 30 anos, foram criadas várias estruturas, delineadas, desenhadas e "cozinhadas" várias estratégias e sem sucesso. Desde Fernando da Piedade "Nandó", Osvaldo Serra Van-Dúnem, Roberto Leal Monteiro "Ngongo", Sebastião Martins "Potássio", Ângelo da Veiga Tavares, Mariana Lisboa, Eduardo Octávio e agora Fernando Garcia Miala, não há solução encontrada.

Apesar dos cofres cheios e do orçamento milionário da Caixa de Previdência do SINSE, parece que um dos grandes dilemas da nossa Secreta Interna é saber quem é quem. Até parece surreal que ela, que muito se esforça e dedica em saber quem são e o que fazem os outros, tenha hoje dificuldades em saber quem foram os seus.

Daí que o processo de recadastramento dos seus antigos operativos seja visto como um verdadeiro «osso duro de roer» e uma missão que Miala terá de assumir com bastante equilíbrio, diplomacia e inteligência para resolver aquilo que os seus antecessores não conseguiram. Criar vasos comunicantes e canais de diálogo pode ser um bom princípio, pode ser também uma forma de ficar bem na fotografia. Infelizmente, no País, as boas soluções, quando não se convertem em milhões para certos bolsos, não avançam. Sem se esquecer as interferências dos diferentes poderes e interesses, nalguns casos, Angola sabe ser para os seus cidadãos uma má mãe e boa madrasta.