É sempre necessário ter presente que a Ucrânia é um país soberano, com fronteiras reconhecidas, inclusive, pelo próprio país invasor, a Rússia.
A carta da ONU, de que a Rússia é um dos cinco membros do Conselho de Segurança, é de uma mediana clareza quanto à total ausência de legitimidade de um país invadir outro, nas condições em que a Rússia o fez.
O facto de a Rússia ser membro efectivo do Conselho de Segurança, que tem por objectivo principal a paz, mais responsabiliza o país agressor pelas gravíssimas consequências a que deu e tem dado causa, devastando infra-estruturas e causando um sofrimento inimaginável aos ucranianos, não poupando quem quer que seja, crianças e velhos, inclusive.
O líder do país agressor, Putin, encorajado pela real ausência de consequências em anteriores invasões, desde a Georgia à Chechenia, passando pela Crimeia e acabando no que ocorreu na Síria, concebeu a invasão da Ucrânia como uma incursão vitoriosa a alcançar em escassos dias.
Não contou com a força dos homens e mulheres livres que vivem em democracia e com a legitimidade popular dos seus dirigentes, particularmente dos países que integram a UE e os EUA, que entenderam cedo que à Ucrânia se poderiam seguir outros Estados que fazem fronteira com a Rússia, desde logo os Estados do Báltico, mas também a Polónia, a Roménia e a Moldávia.
Tendo a vítima, no caso a Ucrânia, o direito à legítima defesa, o seu Presidente, Zelenski, não hesitou - e bem - em procurar apoios nos países do mundo democrático ou nas instituições desse mundo, naturalmente também militares, como a NATO.
Perante a heroicidade manifestada pelo povo ucraniano desde a primeira hora da invasão, que fez evidenciar a debilidade militar da Rússia que passou a conceber uma narrativa como se fossem a NATO, os EUA e a UE os invasores, isto depois de negar que as manobras militares iniciais, prévias à invasão, eram meros exercícios militares inofensivos.
A heróica defesa da soberania da Ucrânia pelos valentes e patriotas ucranianos, situação imprevista para a Rússia, levou essa a efectuar referendos naquelas quatro regiões, como se os homens e mulheres livres de todo o mundo concebessem ser possível alcançarem-se resultados minimamente credíveis num quadro de uma violentíssima guerra.
O objectivo da Rússia era, desde a primeira hora em que concebeu esta fraude dos referendos, reforçar a narrativa de que é a Rússia, de que é vítima da agressão, agora com redobrada razão, uma vez que estes apresentam resultados em pelo menos três dessas regiões, com mais de 90% de apoiantes defendendo a integração na Rússia.
Alguma criança acredita nesta narrativa?
O que Putin parece pretender é que as eventuais respostas da Ucrânia em defesa da soberania destas regiões passem a ser agora consideradas agressões à própria Rússia.
Indiferente a tudo e a todos, inclusive à tomada de posição da República Popular da China e da Índia, que consideram que a soberania dos Estados não pode ser posta em causa por invasões militares, a Rússia parece preparar-se para fazer subir os patamares da guerra, inclusive com recurso a meios inimagináveis.
Daí que não tenha hesitado em recrutar milhares de novos recrutas para serem incorporados nas forças armadas, seguindo para zonas de guerra mesmo sem preparação militar.
Esta fuga em frente teve antecedentes em 1938, na preparação do segundo conflito militar, quando Hitler, ao exigir que a região dos Sudetas, na ex-Checoslováquia, devia ser integrada na Alemanha, como o foi, promovendo também nela uma "auscultação" aos residentes.
No discurso da tomada de posse do Presidente João Lourenço, após as recentes eleições em Angola, foi seguramente ponderada por este as consequências da guerra na Ucrânia que o levaram a ter - e justamente - uma posição clara de condenação da invasão, defendendo a soberania do país invadido.
É uma posição justa - repito - conforme o direito internacional que aproveita a África porque, como é sabido, a quase totalidade dos países africanos, incluindo Angola, têm fronteiras herdadas do colonialismo, que os constituintes da Organização de Unidade Africana (OUA) entenderam por bem deverem ser preservadas.
Se estas fossem postas em causa, com os argumentos de Putin, África abria uma verdadeira Caixa de Pandora.
Esta parte do discurso do Presidente João Lourenço não pode deixar de ser positivamente sublinhada.
No mais referente ao discurso e como várias vezes escrevi, não duvido que a sua longa experiência política e inteligência conduzirão, tal como aos mais próximos, a levar à prática a vontade dos eleitores expressa nas urnas nas eleições realizadas a 23 de Agosto último, da necessidade do reforço do diálogo, priorizando-o com justa repartição da riqueza, atendendo aos mais desfavorecidos e à auto-sustentabilidade do país, nunca descurando a despartidarização da administração pública.
Admito ser uma opinião sensata e imposta pelos factos.
É que os resultados das eleições, ao conduzirem à clareza da posição sobre a Ucrânia, não deixarão, seguramente, de dar lugar também a políticas públicas que atendam aos novos desafios que se colocam aos mais altos responsáveis do País, incluindo nestes os responsáveis dos partidos políticos..
*(Secretário-geral da UCCLA)