"...Os homens, diz o autor, " não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
No dia seguinte o príncipe voltou.
- Teria sido melhor se voltasses à mesma hora -disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz! Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar meu coração... É preciso que haja um ritual.".
Dias antes do 25 de Janeiro, vou à minha gaveta da memória, onde coleciono cautelosamente alguns livros, papéis antigos, alguns daqueles discos, que prendem por dentro, que soam sempre de maneira diferente. E os poemas de uma vida.
Começo com o Luandino, o atento ouvinte do pianista Thelonius Monk, A paixão do Luandino pelo silêncio é a minha paixão pela música, o Jazz sempre, e Monk para sempre. Do Luandino abraço sempre dois livros " Nós, os do Maculusso" escrito em 1967, quando estava preso no Campo de Concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde (Campo de Trabalho de Chão Bom). E depois, na minha memória e estima, surge logo, da tal gaveta: "Luuanda", que conquistou o Grande prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1965; livro da maka grossa que levou a tenebrosa PIDE, a polícia política do Dr. Salazar e do Professor Marcelo Caetano a assaltar a sede da Instituição que o outorgara, " destruída e execrada por toda a imprensa da ditadura", como nos conta José Manuel Mendes, no prefácio da edição comemorativa do 50º aniversário da atribuição do galardão (1965-2015). E, entretanto, nessa altura, Luandino prisioneiro no Tarrafal.
E a pensar em Luanda, há sempre a oportunidade para destacar o distinto geografo e académico kaluanda, Ilídio de Melo Peres do Amaral ( 1926- 2017), cuja obra científica sobre as regiões tropicais e, especialmente, sobre o território dos países africanos de língua portuguesa, designadamente Angola e Cabo Verde, é amplamente reconhecida e respeitada pela academia internacional.
No seu livro Luanda, Estudo de Geografia Urbana, lançado em 1968 e editado em Luanda em 2015 pela Kilombelombe, "estão assentes as bases da Geografia Urbana de Luanda e de um modelo de estudo Geodemográfico, assim como, da própria História da cidade de Luanda", como destacou o académico angolano Luiekakio Afonso.
Um excerto da sua obra surpreendente, retirado de Luuanda, aqui:
" E quando saiu o grande trovão em cima do musseque, tremendo as fracas paredes de pau-a-pique e despregando madeiras, papelões, luandos, toda a gente fechou os olhos, assustada com o brilho azul do raio que nasceu no céu."... " O musseque, nessa hora, parecia era uma sanzala no meio da lagoa, as ruas de chuva, as cubatas invadidas por essa água vermelha e suja correndo caminho do alcatrão que leva na Baixa ou ficando, teimosa, em cacimbas de nascer mosquitos e barulhos de rãs". (In Luuanda).
Triângulo do Mar: Luanda, São Paulo e Rio de Janeiro.
É um espaço muito importante no meu imaginário. Mas, começarei por Luanda, a "minha" Luanda, onde nasci.
E agora, nesse 25 de Janeiro, ainda bem vivo, continuarei a retomar leituras e imagens, "autênticos poemas de amor e canções desesperadas", como escreveu Neruda.
Mergulho, por exemplo, de corpo inteiro, no Luandando de Pepetela, autor de São Filipe de Benguela- terra de poetas- José da Silva Maia Ferreira, autor da obra Espontaneidades da minha alma, Alda Lara, autora de Testamento e seu irmão Ernesto Lara Filho, criador de Infância Perdida e O canto do Martrindinde, e o poeta lírico Ayres de Almeida Santos, "um mestiço bieno, nascido em 1922 no Chinguar, transplantado em menino para Benguela" autor de Meu amor da rua onze.
Luandando, livro para folhear, com carinho, depois da funjada de sábado. Luandando é de uma luminosa frescura e de uma intensa serenidade.
Tenho de deixar Luanda, com alguma urgência, e cair em Ipanema, terra dos poetas da cerveja gelada e da água salgada, mas, não resisto a mordiscar mais alguns papéis, que alfarrabista amigo, conservado em aguardente e tabaco, no seu permanente garimpo literário, me conseguiu um dia em Lisboa, nas imediações do Bairro Alto:
- Está aqui, camarada, o que procura. Isso deu trabalho, mas veja: "Luanda, Île créole", de Mário António Fernandes de Oliveira ( 1934- 1989), poeta com publicação, autor de Poesias ( Lisboa, 1956), Poema & canto miúdo ( Lubango, 1960), Chingufo- Poemas angolanos ( 1962), poesia que seria reunida em Cem Poemas ( Luanda, 1963). E é urgente recordar o esquecido criador de Poema da Farra e Morro da Maianga, que Ruy Mingas celebrizou em canções eternas. É Luanda!
E o avião parte ou não parte? Luanda- Rio sai ou não? Ainda há tempo para ouvir, mais uma vez, a linda..." Luanda debruçada sobre o mar/onde as ondas uma a uma / vêem desfazer-se em espuma / a tua ilha beijar/ Luanda da fortaleza em pendor / na expressão de uma aguarela/ que o artista com fervor/ pintou majestosa e bela/ Luanda do batuque pela noitinha/ das acácias em flor / és tu Luanda rainha/ senhora do meu amor./ Assim cantou o nosso inesquecível artista Eleutério Sanches, o trovador de Angola ( 1935-2016).
25 de Janeiro, concerto de aniversário Tom Jobim
Cheguei ao Plataforma, no Rio. Desta vez São Paulo, que também nasceu num 25 de Janeiro, vai ter de esperar. Talvez 2025. Ver-se-á se os fundos resistem...
No entanto, de São Paulo não esqueço que é uma megalópole, com milhões, milhões de pessoas, e, se o famoso doutor alemão não me bater à porta nos próximos tempos, recordarei, com carinho, as obras do Mestre Oscar Niemeyer naquela cidade: os edifícios Montreal e Copan, com a sua marca única, a curva. E mais alguns. Destacaria o Complexo Arquitetónicos do Parque do Ibirapuera e o Memorial da América Latina.
Plataforma cheíssimo. Tom Jobim ( voz e piano), Paulo Braga ( bateria), Danilo Caymmi ( flauta e voz), Paulo Jobim ( violão e voz), Jacques Morelenbaum ( violoncelo), Sebastião Neto ( baixo) e as lindas vozes das "Jobinettes": Maucha Adnet, Simone Caymmy, Ana Lontra Jobim, Elizabeth Jobim e Paula Morelenbaum.
E a noite começa e não terminará nunca. O concerto vive comigo, tatuado na alma, e continuo a caminhar numa espécie de planura de encantamento... Samba de uma nota só, Desafinado, Água de beber, Dindi, Wave e Chega de saudade...e, de repente, o Samba do Soho, que é cantado assim, com um balanço daqueles: Quando ando pelo Soho /Eu me lembro da Gamboa /Ai, ai, ai, que coisa louca /Ai, meu Deus, que coisa boa /Por ali, no Peu /Donga fez o samba /No batuque do povo /De Angola, de Luanda / Quem não sabe o que é saudade/ Não conhece esse dilema /Não provou desse veneno /Nunca teve uma morena/Ai, meu Deus, que bom /Te encontrar nessa cidade /Quando dobro a esquina /Dou de cara com a saudade. Que belo Tributo a Luanda!
Tom Jobim nasceu a 25 de Janeiro, na Tijuca, num distante 1927.
Amizade eterna com Vinicus de Moraes, o diplomata de Ipanema. Viagens em canções intermináveis.
América do Norte. Concerto no Carnegie Hall.
A seriedade no trabalho. A simplicidade é o seu talento.
Tom Jobim chegou (quase) ao limite. A sua música pertence-nos.
Músico e Poeta. Um homem Bom e generoso.
Um homem atento. Uma alma pura, este António Carlos, essencialmente Brasileiro, e Jobim, em especial. Um homem que não perde a Bossa.
Adeus em Tom Maior. Só um grande músico e um homem simples consegue produzir um silêncio ensurdecedor; no dia em que nos deixou- Nova Iorque, 8 de Dezembro de 1994.
Adeus, Tom Jobim.