Apesar do advento da media digital, que permitiu a criação de uma série de títulos, convenhamos que dois jornais diários é muito pouco para uma população de pelo menos 26 milhões de habitantes, segundo o censo populacional de 2014. Essa contagem apurou que só Luanda, onde são publicados os dois títulos diários, tinha, à época, em torno de sete milhões de almas.
Às vésperas da independência nacional, a capital angolana contava com pouco mais de 700 mil habitantes, quase 70% dos quais iletrados. Ainda assim, publicava quatro jornais diários, designadamente o vespertino Diário de Luanda e os matutinos A Província de Angola (predecessora do Jornal de Angola), O Comércio e ABC, esse que durante um longo período editou o caderno Tribuna dos Musseques, que mais tarde ganhou vida própria, evoluindo para jornal autónomo de periodicidade semanal.
Além dos quotidianos publicados em Luanda, havia dezenas de revistas generalistas, a que se somavam jornais locais, geralmente semanários, como o Planalto (Huambo), Jornal do Congo (Uíje), O Intransigente (Benguela), O Lobito, Jornal da Huíla e por aí adiante... Tudo isso, sem contar com revistas como Notícia, Noite e Dia, Revista Angolana e muitas mais.
Antes da disseminação da informática, produzir um jornal configurava uma verdadeira odisseia, um tormentoso cabo dos trabalhos. Tudo começava com a escrita do texto numa máquina de dactilografar em folha de papel pautado designada linguado. O escrito seguia para o linotipista, a figura que transcrevia o texto no teclado da linotipo, uma máquina de compor, na qual se fundem em um só bloco de chumbo, com as letras em relevo.
O processo prosseguia com o compositor, que acondicionava manualmente, com base na maquete previamente feita, as linhas de chumbo saídas do linotipo. As linhas eram depositadas numa bandeja de metal do tamanho da página de jornal (fosse tablóide ou standard). Em resumo, conferia ordem estrutural às páginas.
Na trabalhosa "operação", após impressão de prova para a revisão, o linotipista inseria as emendas. Enquanto isso, as gravuras eram captadas na secção de fotografia offset para depois serem apostas nas páginas já em películas, na montagem. Paralelamente, havia uma pré-impressão em papel-cristal, que depois seguia para a montagem. Antes da impressão do jornal, as películas das páginas eram ordenadas por um especialista, cujo ofício era montador. Só depois eram gravadas em chapas e, finalmente, seguiam para a rotativa ou para uma máquina plana. Ferramentas como pinça, martelo, régua de metal e cordas, entre outros, eram comuns na produção de jornais ou outro tipo de publicação impressa.
Mesmo nestas condições, quando os jornais saíam à rua cedo da manhã, as páginas desportivas ou os suplementos afins, além das crónicas de jogos, lá estavam também as fichas técnicas dos distintos desafios, fossem de futebol, basquetebol, andebol ou hóquei em patins, que terminavam geralmente tarde da noite... E quase não faltavam "cabines", como se designavam então as declarações pós-partidas feitas por treinadores ou atletas.
O trabalho jornalístico feito à época era completo, pelo menos no sector desportivo, embora seja mister reconhecer que não possuía o rigor técnico dos tempos modernos. Isto é algo compreensível, uma vez que, então, a maioria das pessoas fazia jornalismo por hobby, sendo profissionais de outras áreas, além de que não dispunham de formação específica para o exercício da profissão. Ainda assim, deixaram legado histórico de imensurável valor, altamente facilitador do trabalho de qualquer pesquisador ou historiador do desporto angolano.
Quando me decidi a escrever o livro Caminhos do Basquetebol Angolano (1930-1975), um relato sobre o que considero ser o primeiro período da história do basquetebol angolano, tive acesso a várias fontes escritas, a um riquíssimo manancial de informação que tornaram fácil o trabalho de pesquisa. Salvo um campeonato de Angola disputado em Silva Porto (actual Kuito), em 1968, encontrei tudo e mais alguma coisa nos jornais e revistas da época, tanto de Luanda como de outros distritos. De sorte que o volume conta com todos os resultados, constituições de equipas, quer dos "Provinciais" (até 1975 Angola era província portuguesa), quer nos "Nacionais" de Portugal, que tinha participação dos campeões das antigas colónias, entre as quais Angola.
Já para o segundo período (de 1975 aos dias de hoje), as dificuldades na pesquisa são imensas, visto que há largos períodos em que relatos de jogos, principalmente de modalidades de sala, não se fazem acompanhar das respectivas fichas técnicas. Se nos primórdios da República os escassos jornais ainda se davam ao trabalho de indicar quem apitou, quem jogou ou quem esteve no "banco", há muito tempo que essa prática foi deixada para trás, tornando o trabalho incompleto.
Este é, pois, o "novo" jornalismo desportivo angolano. Estranhamente, mesmo quando joga a Selecção Nacional de futebol em provas oficiais nem sempre a crónica de jogo é acompanhada da respectiva ficha técnica, de modo a que o leitor - aqui sequer entra o pesquisador ou o historiador - saiba quem jogou, quem substituiu quem e quem, por exemplo, foi o quarto árbitro. Desafortunadamente esta é informação que tem sido sonegada aos amantes de desporto.
É óbvio que jornalismo não é história. São metiers diferentes. Contudo, complementam-se. Quem, por hipótese, lá mais para a frente, quiser saber quantos jogos determinado jogador da Selecção Nacional fez na campanha de apuramento para a fase final do CAN do Egipto"2019 terá sérias dificuldades, porque muito pouco está registado nos jornais. É verdade que, para as provas sob égide da FIFA, se pode recorrer ao arquivo electrónico da instituição. Mas o mesmo já não se pode dizer em relação às provas africanas, já que a CAF não é propriamente um exemplo no que diz respeito à gestão documental.
Tudo isto não deixa de ser estranho e até certo ponto bizarro, visto que as tecnologias de informação facilitam grandemente todo o trabalho no jornalismo. Da cadeia de produção de jornais desapareceram os linguados, o chumbo, a fotografia offset, etc. Hoje, mesmo com toda a informação disponibilizada pela organização dos jogos oficiais, só raramente temos uma crónica de jogo complementada com ficha técnica. Para desassossego dos historiadores e desconsolo das futuras gerações.
É o "novo" jornalismo desportivo angolano!