Nada há de condenável na acção dos necrófagos. Pelo contrário, ao consumirem biomassa em decomposição, ajudam o ecossistema a livrar-se de carcaças de animais mortos. Do mesmo modo, não vislumbramos qualquer problema no facto de um sócio em pleno gozo dos seus direitos estatutários aspirar ao "cadeirão" máximo do clube, mesmo que o aspirante num passado não muito distante seja alguém que se multiplicava em vénias e hossanas ao homem que agora quer ver pelas costas o mais rápido possível. Há pretendentes ao "trono", ditos "amigos" de Carlos Hendrick, que nunca antes lobrigaram nele qualquer defeito e até há pouco tempo o tratavam como verdadeira divindade.

O problema da mais que provável substituição da direcção é o caminho que muitos estão tentados a seguir. Nos bastidores há movimentações intensas, em várias direcções, para que, na eventualidade de o elenco directivo ou apenas o presidente sair, se crie uma Comissão de Gestão até ao fim do mandato, que acontece em 2024. Fortes lobbies foram montados no Ministério da Defesa e noutros círculos do poder para a criação da tal Comissão quando chegar a hora.

O caminho da Comissão de Gestão é tão íngreme quanto escorregadio. E de certo modo desrespeitoso para a história daquele que muitos consideram o "maior clube angolano". Vários motivos e, sobretudo, a experiência que vimos vivenciando no desporto e na sociedade angolanos levam-nos à conclusão lógica de que o carreiro sugerido por parte nada negligenciável de "notáveis" do 1.º de Agosto pode constituir-se em verdadeira esparrela, que mais tarde terá, seguramente, custos altíssimos.

Uma Comissão de Gestão, cuja imperiosidade não figura, em artigo nenhum dos Estatutos do clube, pode acarretar problemas sérios. Atentemos: em regra, no nosso País, quando detentores de cargos relevantes são afastados ou obrigados a isso, o primeiro passo que dão é arrumar as bikuatas e partir para um retiro sabático no exterior, preferencialmente em Portugal, o eldorado das elites política, empresarial e castrense angolanas. Por norma, quando se acham em terras distantes, desligam completamente. Alguns chegam ao ponto de não querer saber da terra que lhes proporcionou os milhões que lhes permitiram se estabelecer no estrangeiro. Há mesmo quem jure nunca mais voltar ao País e peça à família que seja enterrado no "exílio dourado".

Este tipo de situações costuma emperrar a conclusão de auditorias (ou sindicâncias) porque quem deveria prestar informações e dar esclarecimentos a fim de desfazer dúvidas ou clarear áreas cinzentas está ausente. Sem a colaboração dos gestores, é muito difícil chegar-se a conclusões. Por isso, em muitos casos, relatórios finais de auditorias não espelharam a realidade ou nunca chegaram a conhecer a luz do dia por ausência de elementos informativos que deviam ser dados por quem esteve à frente da instituição.

Do modo como se apresenta o tema em pauta no 1.º de Agosto, o caminho mais sensato será a abertura de uma auditoria independente credível às contas do clube, mantendo, entretanto, o presidente no seu posto para que possa dar as explicações que se impuserem. Num país como Angola em que os clubes são essencialmente de pendor presidencialista, há operações financeiras e tomadas de decisão que só ao líder dizem respeito e só ele pode explicá-las tim-tim por tim-tim - nunca um estranho qualquer caído de pára-quedas numa Comissão de Gestão, onde por vezes há figuras que mal conhecem a instituição.

O presidente do 1.º de Agosto está num "polígono de tiro", onde meio mundo lhe aponta a arma e dispara, mesmo sem provas materiais de conduta dolosa. Na praça pública já foi julgado e condenado. Nas redes sociais assassinaram-lhe o carácter da forma mais vil. Por esta razão, faz-se necessário o mais breve possível a realização de uma auditoria, a fim de se apurar a verdade dos factos para que seja tudo esclarecido. É assim que acontece em instituições sérias, de modo a não permitir que qualquer abutre, no meio de uma eventual desordem vá debicar o seu pedaço de carniça.

Se os resultados da auditoria confirmarem conduta inapropriada por parte do presidente, este é obviamente afastado e a figura imediata na linha de sucessão assume interinamente a presidência. Paralelamente, o presidente da Mesa da Assembleia-Geral convoca eleições antecipadas, às quais pode concorrer quem estiver em condições estatutárias de o fazer. E, desse modo, os gestores que se seguem ficam legitimados pelo voto dos associados, tendo respaldo para tomar qualquer tipo de decisão. Mas o 1.º de Agosto tem uma particularidade transversal a todos os clubes suportados pelo Orçamento Geral do Estado: funciona em sistema de "partido único" - estes são contos de outros rosários.

Recentemente em Portugal houve um caso mais ou menos semelhante ao do 1.º de Agosto. No Benfica de Lisboa o presidente colocou o seu lugar à disposição por problemas com a Justiça. Não houve Comissão de Gestão, coisíssima nenhuma. O vice-presidente assumiu interinamente a liderança da colectividade e quase simultaneamente a Mesa da Assembleia-Geral marcou eleições que mais tarde legitimaram o poder do novo presidente. É tão simples quanto isso.

Um clube com a grandeza do 1.º de Agosto não pode estar à mercê de uma Comissão de Gestão. Tem assuntos ingentes, cuja resolução não cabe na condição ad-hoc de uma qualquer Comissão de Gestão. Na verdade, com milhentos assuntos para tratar fica bastante limitada na tomada de decisões e na movimentação de valores financeiros, o que pode prejudicar o clube em temas que demandem resolução imediata. Ademais, as Comissões de Gestão têm, muitas vezes, a tentação de se posicionarem para pleitos eleitorais após conclusão do "trabalho", levando vantagem "competitiva" indevida sobre outros eventuais concorrentes. O que é imoral.