De acordo com as normas da Confederação Africana de Futebol (CAF), para que alguém esteja habilitado a dirigir uma equipa na Liga, precisa de ter, no mínimo, a Licença A de técnico, o nível mais alto da categoria de treinador, apenas abaixo do CAF Pro. A situação é um tanto quanto bizarra e em ambos os casos acontece a reprise. Ou seja, tal como na temporada finda, na próxima ambos voltarão a dirigir as respectivas equipas a partir das bancadas ou do balneário.
Como é óbvio, isto tem um impacto tremendo, tanto do ponto de vista desportivo como do ponto de vista psicológico. É que dirigir uma equipa a partir de um aparelho de telefone celular por interposta pessoa não é o mesmo que fazê-lo directamente, na primeira pessoa, cara-a-cara. No calor do jogo, muitas orientações podem perder-se a meio do caminho, além de que o substituto nunca estará inteiramente concentrado no jogo, porque em determinados terá de ficar com os olhos postos no campo e os ouvidos no telefone para receber instruções do seu chefe de equipa.
Roque Sapiri e "Bodunha" têm apenas a Licença C, assim como outros 141 técnicos angolanos. O que quer dizer que nem sequer podem sentar-se no "banco" com técnicos-adjuntos, função que implica a posse da Licença B. Para dirigirem em provas sob égide da CAF como técnicos principais, terão de galgar ainda muito terreno. Por outras palavras, terão de concluir seis módulos, sendo três para cada nível. Durando cada um dos módulos algo em torno de 20 dias, estamos a falar em 120 dias espaçados, o que totaliza qualquer coisa como quatro meses!
No escalão B há apenas 10 (!) técnicos, quase metade dos quais já fora do activo. Nomes como os de João Machado, Mário Calado e Nando Jordão há muito que estão afastados dos balneários. Por isso, sobram muito poucos com essa qualificação e, desafortunadamente, no "Girabola"20/21", por exemplo, há apenas um treinador com Licença B, Agostinho Tramagal (Ferrovia do Huambo). O mesmo acontece com a Licença A, sendo o único da prova maior Zeca Amaral (Bravos do Maquis). Na elite de técnicos angolanos só há mais dois nomes, designadamente Raul Chipenda, que neste momento dirige a área de desenvolvimento da Confederação Africana de Futebol (CAF), e Miller Gomes, que é o director técnico nacional da Federação Angolana de Futebol (FAF). Nesse capítulo, a pobreza angolana é franciscana. Mete dó...
Curiosamente, as equipas dos clubes que vão competir na Taça da Confederação têm os respectivos técnicos em dia. Zeca Amaral e Srdan Vasiljevic (1.º de Agosto) estão habilitados a sentar-se nos respectivos "bancos", orientando dali as suas equipas. O sérvio possui a Licença UEFA Pro, o mais alto grau do escalão de treinador.
No início desta semana, Zeca Amaral, que também é presidente da Associação de Treinadores de Futebol de Angola (ATEFA), disse no programa "Prolongamento" da TV Zimbo que a falta de provimento do cargo de director técnico nacional na FAF durante mais de meia década foi a principal causa da não-realização de cursos que habilitam técnicos angolanos a subir de escalão ou a iniciarem uma carreira profissional.
Zeca Amaral culpabilizou a Direcção da FAF, liderada por Artur Almeida e Silva, pelo facto de os representantes de Angola na Liga dos Campeões da CAF não poderem contar com os seus treinadores no "banco". Os números apresentados pelo técnico arrepiam, sobressaindo o facto de o País não possuir nenhum elemento com a Licença Pro, o topo da carreira profissional de treinador, uma espécie de PhD.
O líder dos treinadores avançou também que se o programa gizado pela ATEFA com a anterior Direcção da FAF (a de Pedro Neto), em concertação com a CAF, a esta hora Angola teria no mínimo 60 técnicos com a Licença A e 18 instrutores, podendo estes ministrar cursos internamente, apenas com o acompanhamento de um inspector indicado pela CAF.
O plano não foi materializado, simplesmente porque a Direcção da FAF, empossada em 2017, entendeu que isso não era prioritário! Arrastou pés durante quase longos três anos para nomear um director técnico, quesito básico para haver acções formativas de Licenciamento de treinadores. Só em Outubro de 2019 o cargo foi provido. Mais: só no ano seguinte, já no final do mandato, Artur Almeida e Silva e pares entenderam que era ingente aderir à Convenção da CAF para os treinadores, instrumento que baliza o exercício da profissão de técnico de futebol no continente.
Em 2020, a FAF tentou ministrar uma acção formativa afim, mas não conseguiu devido à pandemia, uma vez que não havia inspectores nem instrutores disponíveis para o efeito. O timing dessa tentativa não deixa de ser suspeito. É que estava agendado para o ano de eleições na FAF. E isso pode significar muita coisa. Afinal, "Rei Artur" ou "King Artur", como também é conhecido na "Tribo do Futebol" angolano, não tem problemas em socorrer-se de expedientes cavilosos quando o assunto é apelar ao voto. Alguém se esquece do superpatrocínio que ele diz ter "descolado" junto do Presidente da República para a realização do "Girabola"20/21"?
O que Artur Almeida e Silva e seus "acólitos" fizeram ao futebol angolano é de tal gravidade que, se houvesse um pouco de bom-senso, na hora da votação, não teria perdido a eleição apenas no círculo de Luanda. Teria sido "cilindrado" em todo o País. Ao apostarem na continuidade do homem - as makas jurídicas não são para aqui chamadas - 42,4% dos eleitores do futebol angolano caucionaram o cerceamento do conhecimento na comunidade de treinadores. Em resultado disso, o campeão e o vice-campeão nacionais disputarão a Liga da CAF sem os seus treinadores! Isto pode condicionar a prestação das equipas; condicionando a prestação, há maiores probabilidades de insucesso; havendo insucesso, Angola pode baixar ou cair no ranking do G-12, o selecto grupo de equipas que compete com quatro clubes nas "Afrotaças", onde é extremamente difícil entrar! É para isso que muita gente votou.
O futebol é um dos negócios mais lucrativos no Mundo. Mas só o é, quando há qualidade, como na Europa, por exemplo. E a qualidade do futebol europeu deve-se essencialmente à evolução do conhecimento táctico, algo aportado pelo aprimoramento dos treinadores. Mas para chegar a este nível, a Europa teve que trabalhar muito. É isso exactamente o que a CAF também está a fazer.
No caso de Angola, parece que a FAF de Artur Almeida e Silva não vê no futebol um potencial negócio. Só assim se entende que tenha mandado bugiar os treinadores de futebol, negando-lhes formação que muito ajudaria na melhoria qualitativa do futebol nacional e, concomitantemente, na melhoria da prestação além-fronteiras. Com isso, haveria maiores possibilidades de se "vender" a marca futebol entre as nossas quatro paredes.