O encontro foi solicitado pela antiga ministra da Justiça de Portugal, João Lourenço teve ali uma boa oportunidade e um bom interlocutor para reabrir uma janela de esperança e de reconciliação. Apesar de uma aparente boa vontade do anfitrião e seus auxiliares, o encontro não produziu resultados significativos e deixou sinais preocupantes: o processo de reconciliação pode estar a sofrer um retrocesso, pode estar a perder confiança e credibilidade e poderá ser alvo brevemente de uma queixa numa organização internacional.
"É na indiferença que se alimentam os preconceitos e se activam os rancores", disse o Papa Francisco, em Junho de 2019, na Roménia, quando pediu perdão aos ciganos, em nome da Igreja Católica. Precisamos de olhar para o perdão como libertação, como uma necessidade evolutiva. Precisamos de perdoar para nos libertarmos, para avançar. Perdoar é aceitar o outro, é também reparar o mal praticado. É olhar também para a nobreza e elevação de quem pede perdão e se compadece com a dor alheia.
Num período em que os discursos de ódio e de intolerância vão tendo espaço e promoção em diferentes lugares da nossa sociedade, é necessário que se apresentem alternativas, é necessário que se mostrem outros caminhos. Os gestos, os detalhes e as atitudes fazem toda a diferença num processo como esse. É preciso perceber a dimensão humana do processo. "Só quem tem sentimento entende esse nosso momento", cantou Paulo Flores.
É preciso ter sentimento e perceber que, neste momento, que neste processo, está uma mulher de 100 anos de idade e que há 46 anos é vítima de indiferença, de falta de compaixão e que sofre com certos silêncios perturbadores. Uma mulher filha desta Angola, que nesse País se fez mulher, gerou e educou os seus filhos. Uma mulher que viu essa mesma Angola tirar-lhe um dos seus filhos, uma mulher que não cobra e exige nada à sua terra, mas que apenas pede que lhe entreguem o corpo do seu filho, para que possa fazer-lhe um enterro condigno e depois então partir deste mundo em paz.
É preciso dialogar para reconciliar. É preciso ouvir as preocupações, os receios, os medos e anseios das vítimas e familiares. O espectáculo da mediatização e da politização de um processo tão sensível e delicado não é positivo e não irá trazer-nos bons resultados. É preciso não fazer deste processo um campo de batalhas partidárias e de aproveitamento político. Foi um gesto nobre e de grande elevação o Presidente João Lourenço ter iniciado um processo de reconciliação nacional e ter feito um pedido público de desculpas às vítimas do 27 de Maio de 1977. Foi um gesto de coragem e de abertura em quebrar um tabu que levava anos e procurar unir os angolanos em torno da paz, harmonia e reconciliação nacional. É um processo que começou bem e é preciso que não tenha "morte prematura".
Esse processo mexeu com a memória e o lado emocional das pessoas, não pode agora entrar em fase de ruptura com certos integrantes. Não podemos ficar confortáveis quando amanhã o País for advertido ou sancionado por organismos internacionais por situações que deviam ter a capacidade, paciência, humildade e inteligência para resolvermos internamente.
Temos de ter capacidade, tempo e paciência para o diálogo, temos de aprender a ouvir-nos uns aos outros e mesmo até quando o discurso dos outros não soa bem aos nossos ouvidos. João Lourenço, o "reformador", pode e tem tudo para poder ser o "reconciliador", contando com o apoio, a experiência e o prestígio de figuras da dimensão de Francisca Van-Dúnem e outros.
A CIVICOP é um actor muito importante no processo de reconciliação e harmonia nacional. É importante depois ser preservada, valorizada e credibilizada. É uma instituição de Angola e dos seus cidadãos e não de partidos políticos, forças de segurança e de inteligência ou ao serviço de interesse de grupo. João Lourenço, "o reconciliador", tem aqui uma oportunidade de fazer história e de ficar (bem) na História. Ainda vai a tempo.