Quem diria que uma janela pudesse ser tão útil!? Em 1992, saí de Kambambe, onde a escola e as casas não tinham muros, mas jardins, para morar em Luanda. Matricularam-me na escola do 2.º e 3.º níveis "Alda Lara". Lá descobri que as janelas podiam ser multifuncionais! Davam para pousar os cadernos e escrever, bancos para sentar as bundas cansadas da falta de carteiras, porta de emergência caso alguém acorrentasse o portão que substituía a porta de entrada da sala de aulas e, como já não havia vidros, entrava ar fresco ou quente, aves, insectos, poeira, chuva e mau cheiro. A partir do 1.º andar, dava para ver os cubicos no prédio do Livro, o da Maianga, ou assistir aos jogos 35 vitórias ou garrafinha.
Se me tivessem dito que as janelas eram assim, riria e duvidaria, porque janela é janela! Podia até ser usada por algum ngombidi ou gatuno, mas mais do que isso era raro. Descobri também que existiam salas de aula que nem janelas tinham, porque não havia paredes, nem carteiras, inclusive agora em 2023, só mesmo o pongue no orçamento com toda a pimpa e bilingue a fingir que se quer formar bem.
Estudávamos todos com as mesmas faltas de condições, fosse quem fosse o pai ou padrinho - ministro, carpinteiro, general, professor, juiz, escritor, motorista, deputado, governador, director-geral, embaixador, pescador ou cantor. O caricato foi quando quem podia melhorar a escola pública preferiu ter colégio, levou o filho e os melhores professores.

Numa altura em que estudar deixara de ser dever revolucionário e, como disse o Pedro "Velho do Rio, "foi aí que começámos a perceber o que andava mal, mas sonhávamos com uma Angola que não é a de hoje, em que vemos o presente dos nossos filhos trémulo e o futuro dos netos hipotecado". Já naquela altura, sentíamos que o futuro estava a ficar turvo, estranho, o que nos deixava assustados com o cenário, muito mais amedrontados do que quando nos deparássemos com os "gregos do Mutu-Ya-Kevela", que desmontavam tudo e mais alguma coisa. Ti" Rui e Baica eram os mais falados, tal como aqueles que ficavam encafuados na cave, e que tinham fama que baptizavam no uso da liamba a quem entrasse lá pela primeira vez. Outra cena que nos fazia tequetar era o Caixão vazio. Gritávamos, chorávamos, fugíamos por causa de um grupo que nunca vimos, mas que ajudávamos a afamar, se calhar em busca de mais uma borla.

Para entrar era duro, os p.f. exigiam o cartão de estudante pendurado na bata bem abotoada. Ainda assim, faziam doce, abriam o portão de caxexe, criando confusão, empurrões, bofas, cotoveladas e outros amassos de desespero e descontentamento. Piorava quando eles decidissem bater com porretes e mangueiras os alunos que só queriam entrar para assistir às aulas. Pânico! Havia vezes que dava errado, alguns alunos nos desarmavam e devolviam a surra, gerando uma ovação heróica dos piôs de bata branca que só pausavam quando os guardas manipulassem ou disparassem para o ar.
Em alternativa, os alunos mais afoitos pulavam o muro da escola para entrar à socapa, arriscando serem suspensos, ou pior, terem de lavar os imundos wc"s da escola, em que alguns faziam as necessidades a partir da porta criando um cenário nauseabundo aliado à falta de água!

Já na escola, começava a guerra por carteiras ou para um tampo ou ferro de carteira para sentar ou apoiar e assistir às aulas, que nem o aroma do mata-bicho que a dona Mena dúzia na cantina, bolas de Berlim, filhoses, sandes e outros pitéus ou os quitutes nas bancadas das tias na esquina, acalmavam. Era a lei do mais viju, com grupos que geriam as poucas carteiras à mistura. Quem conseguisse entrar primeiro ocupava uma para o kamba, desde que não surgisse um matulão ou de grupo (do judo ou dos gregos do Mutu) e recebesse a carteira porque viu o nome dele no tampo, maka rija! Recebia na hora e ai de quem piasse! Só não havia confusão quando fosse a hora da educação física, pois haviam campos e ginásios. Já as aulas práticas de Química, Física e Biologia eram mitológicas, não havia laboratórios funcionais, daí se calhar a apreensão para ver as pautas com as notas.

Espero que a nossa geração que começa a tomar as rédeas do destino do País, que não teve carteiras, merenda escolar ou laboratórios, nem salas de aulas em condições, que sabe os danos que as greves de professores causam, faça o possível para que as janelas das salas de aulas das escolas públicas que acolherão os nossos netos sejam apenas janelas com vidro e rede para travar os insectos e deixem entrar luz, brisa e lindas vistas para que o processo de ensino e aprendizagem seja feito como deve ser com todas as condições como se fosse num bom colégio!

Kandando e vénia aos heróicos alunos, professores e funcionários das escolas públicas! Katé