Jorge Sampaio foi Presidente na década 1996-2006, era ele, portanto, o Presidente de Portugal quando Angola conquistou a paz, a 04 de Abril de 2002. Portugal foi mesmo a primeira escala de José Eduardo dos Santos logo após a assinatura do Acordo de Paz no antigo Palácio dos Congressos, em Luanda, quando ia a caminho dos EUA. Jorge Sampaio foi uma das figuras de destaque por ocasião das celebrações dos 30 anos da independência nacional, em 2005, naquela cerimónia no estádio da Cidadela, em Luanda. Sem esquecer o seu papel na criação e constituição da CPLP, em 1996. Um ano depois, em Abril de 1997, Jorge Sampaio esteve em Angola por ocasião da constituição do Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional. Mesmo antes disso, já na qualidade de presidente da Câmara de Lisboa, sempre percebeu e defendeu que todos eram indispensáveis e já aí mantinha um diálogo aberto com as diferentes comunidades de uma Lisboa multicultural.

E inspiro-me numa expressão sua para este editorial, citando um homem que sempre promoveu o encontro de culturas e de civilizações. Inspirando-me em Jorge Sampaio, também digo que, entre nós, devemos promover a mensagem de que não há angolanos dispensáveis. Já somos poucos para a "obra" e devemos contar com todos. Devemos ter sentido de Estado e evitar "partidarizar" este mesmo Estado e as suas instituições. Passar a ideia de que só uns é que valem porque pertencem aos CAP`s, ao Comité Central ou ao Bureau Político do Partido, que são mais válidos que outros por privilégios de nascimento é errado. Achar que quem vive fora de Angola tem menos autoridade moral, cultural ou científica para falar de Angola ou porque não vive no seu país é perfeitamente "dispensável" de discutir, agir ou decidir sobre matérias do interesse nacional é errado. Não se pode criar a narrativa de que um cidadão, pelo facto de não pertencer ao partido A, B ou C, ou por não se vergar aos ditames das máquinas partidárias, não possa um dia ser dirigente deste País. Ser considerado "dispensável" por causa da sua qualidade de independente. Todos somos filhos da terra e todos fazemos falta.

É necessário que se promova uma cultura de tolerância, uma cultura de respeito, de coexistência pacífica e de aceitação do Outro. Aceitar o Outro, mesmo com as suas diferenças, mesmo com as nossas divergências. E nunca colocar uns contra outros ou uns contra o Outro. É importante que se aprenda a criar processos e modelos de diálogo em que todos participem. A inclusão, integração, cooperação e busca de consensos devem estar sempre presentes. Vamos buscar o poder, excluindo os outros, mas, quando formos governar, vamos governar para quem? Só para os ditos "nossos"? Só para os que votaram em nós? É preciso ter sentido de Estado e pensar o País. A prioridade não deve ser garantir a próxima eleição, mas, sim, as próximas gerações. Não se pode construir o

País com "uns " e "outros". Não! Ele é feito com todos e para todos. Quem ganha poder não ganha tudo, e quem perde o poder não perde tudo.

Anda muito vincado, anda muito partilhado e estimulado no mundo digital, um discurso de ódio, de extremos e de radicalismos. . Não se discutem estratégias, não se debatem ideias, não se promove uma discussão em torno do País, do seu presente e do seu futuro. Somos um País que, por causa de certa promiscuidade, fanatismo e até mesmo obscurantismo que tomou conta de certas máquinas e lideranças, acabamos dispensando o indispensável. Dispensamos tudo e todos. Um dia nesta luta cega pelo poder, pela manutenção da arrogância e dos privilégios, pela mania de pensarmos que somos os únicos "iluminados" de que os outros não valem nada, de que os outros não pensam, ainda vamos dispensar-nos a nós mesmos.

Em democracia, os órgãos de comunicação social não substituem os tribunais, e o jornalista não é um juiz. Os jornalistas e os órgãos não estão acima da Constituição, não estão acima do interesse público. Não se podem dar ao luxo e capricho de "dispensar", fazer cobertura de actividade deste ou daquele partido político, porque estão a favorecer a agenda ou a ceder a pressões de político vigente. É um insulto, é uma desvalorização e desrespeito pelo trabalho dos jornalistas a visível interferência do poder político, dos interesses palacianos, de estruturas partidárias, de serviços de inteligência e de uma acção psicológica na linha editorial dos órgãos e no exercício da actividade jornalística. É revoltante quando estes poderes olham e tratam os jornalistas como produtos descartáveis, como elementos meramente dispensáveis, quando já não servem os seus interesses. Recordo-me o que o actual PCA da TPA, Francisco Mendes disse em tempos ao PR João Lourenço quando visitava as suas instalações em Camama. Fez uma analogia em que praticamente dizia que o Poder recorria aos "seus jornalistas" quando precisava deles para o período de campanha eleitoral e de conquista do poder e que, depois disso, eram perfeitamente dispensados do "corte do bolo" ou que deste "bolo" só apanhavam migalhas deixadas por outros. Quando até os seus se dispensa quando já se está servido, é um bom sinal à navegação. É um sinal de que acabam todos "dispensados" em determinada fase do processo. Não devia ser assim, pois todos fazemos parte, mas, muitas vezes, é assim quando o Jornalismo não faz a sua parte, quando o Jornalismo toma parte. Não há angolanos dispensáveis !.Todos fazemos parte do processo de construção da nossa Angola, da promoção do diálogo, do respeito pela diferença.