Os meus estudantes de economia e finanças públicas, por essa altura, devem estar a murmurar consigo mesmos a propósito das denúncias do aumento do contrabando de combustível na fronteira Norte. Porquanto, referi, há muitos anos (14 anos), que a altura de se remover os subsídios de combustíveis era aquela, estávamos no ano 2010, porque poderia ser muito difícil mais tarde, pois as condições económicas, em consequência da redução do ritmo de crescimento da economia nacional, não permitiriam tal desiderato. Repetem-se os argumentos de que as actuais condições de fraco crescimento económico, altas taxas de inflação, altas taxas de desemprego e fraco desempenho dos transportes públicos tornam quase impensável remover os subsídios aos combustíveis. Então, até quando, onde sairá o dinheiro para subsidiar os combustíveis?
Aqui estamos, o ajustamento mais recente do preço da gasolina foi feito em Junho do ano passado, saindo de AOA 160,00 para AOA 300,00 o equivalente a USD 0,33, muito abaixo dos preços nos países limítrofes de Angola, nomeadamente, República Democrática do Congo (RDC) AOA 957,70, Namíbia AOA 1 057,95 e Zâmbia AOA 1 124,63. Constituindo, desta feita, uma oportunidade especulativa sem precedentes. Que ninguém em sã consciência pode pensar que os órgãos competentes guardiões das fronteiras podem fazer face, quer pelas actuais condições de vida desses agentes públicos (mal remunerados), auferindo próximo de 200 mil Kwanzas por mês, quer pela extensão da fronteira angolana com esses países vizinhos, com tantos caminhos fiotes (como se diz na linguagem local).
Assim, mais uma vez, vemos as autoridades em volta do problema do contrabando de combustíveis, para os países vizinhos, tal como foi denunciado pelo Governador do Zaire, temática depois retomada pelo Ministro de Estado da Casa Militar do Presidente da República. O problema do contrabando de combustíveis só acontece pela diferença de preço. O preço dos combustíveis em Angola é 6 vezes menor que da RDC, da Namíbia e Zâmbia. É o mercado a determinar a especulação, que é um fenómeno económico normal. Dão-se mal aqueles que tentam impor ao mercado as regras de forma administrativa. Esse assunto vai ser recorrente enquanto não forem removidos os subsídios aos combustíveis em Angola. O contrabando custa à Angola aproximadamente 3,5 mil milhões de dólares por ano, é absurdo! Para além dos fundos do Orçamento Geral do Estado (OGE) alocados cobrir a diferença do preço dos combustíveis. No ano passado, o País gastou AOA 2,30 bilhões de Kwanzas, equivalente a USD 2,7 mil milhões. O que, na verdade, é uma má despesa, isso todos sabem e dizem abertamente. Falta apenas coragem de tomar a decisão política que se impõe.
A minha opinião em relação à problemática da subvenção de combustível não mudou, continuo a acreditar que é um péssimo gasto público! Não é sustentável a médio e longo prazo a manutenção dos subsídios aos combustíveis, não há fonte de recursos do lado das receitas que possam sustentar esta despesa. Embora tenha consciência de que, no contexto actual, a remoção dos subsídios aos combustíveis tem um impacto muito negativo nas famílias, que já enfrentam uma elevada taxa de inflação, corroendo o poder de compra, não vejo o racional de se estar a fazer muito pouco para se resolver o problema. Pelo andar das coisas, a tendência da economia é piorar, pois não tem crescido a medida das necessidades, pelo que, um dia, o País será forçado a remover os subsídios, num contexto ainda muito mais complicado do que se vive hoje, ou seja, será o mesmo como forçado a tomar uma decisão, porque está com a navalha no pescoço! Se prestarmos atenção, os ganhos que se esperavam obter com o ajustamento do preço em Junho de 2023, que subiu de AOA 160,00 para AOA 300,00 pela depreciação da moeda, esfumaram-se. Em 02 de Junho de 2023, a cotação era de 1 USD = 595,39 AOA, no momento que escrevo essas linhas 1 USD = 919,35AOA, a moeda nacional perdeu cerca de 35,24% do seu valor desde aquela data. Deve-se ter em conta que 2/3 dos combustíveis consumidos, e/ou, contrabandeados são importados, a taxa de câmbio dos bancos comerciais, que é mais alta que a taxa da autoridade cambial. O que determina o preço nos países vizinhos, onde o preço é fixado na base do preço do crude no mercado internacional, por conseguinte, a taxa de câmbio do Dólar é crucial para a formação de preço dos combustíveis.
Quando redigia o presente texto, chegou-me a entrevista que o Senhor Alhaji Aliko Dangote, o bilionário nigeriano, concedeu à Francine Lacqua da Bloomberg News, em que exprimiu a sua opinião sobre a problemática dos subsídios aos combustíveis na Nigéria. Apontou dois aspectos que me parecem cruciais, que são idênticos aos enfrentados por Angola: o primeiro, tem a ver com a determinação do volume real do consumo de combustíveis no País, porquanto com o elevado nível de contrabando, os números que se aventam, por exemplo, para Angola de cerca de 200 mil barris por dia, podem não ser reais; o segundo aspecto, muito relacionado com o primeiro, é o facto de que os países vizinhos vivem do combustível contrabandeado da Nigéria, que custa ao país bilhões de dólares, o mesmo que em Angola. Portanto, para além do facto de ser uma má despesa, há esses aspectos que induzem imensas deformações ao mercado doméstico, e também dos países limítrofes, que deve ser revertido. Um outro absurdo que a Nigéria está prestes a reverter é a sua auto-sufiência na sua capacidade de refinação, que em África apenas dois países têm este privilégio, a Argélia e a Líbia, todos outros países exportam o crude, para importarem produtos refinados. O que é vergonhoso!
Olhando para os preços da gasolina praticados em vários países, apresentados pela GlobalPetrolPrices.com, a data de 21 de Outubro de 2024, o preço da gasolina de Angola (AOA 300,00) é o quarto mais barata do mundo, precedido apenas pelo Irão (AOA 26,074), Líbia (AOA 28,25) e Venezuela (AOA 31,903). A Nigéria, o maior produtor de petróleo a Sul do Sahara, já deu passos muito positivos, estando o preço da gasolina a AOA 573,056, esperando-se ganhos maiores com o grande investimento da refinaria de Aliko Dangote, que vai reverter o quadro de dependência externa nos produtos refinados e derivados de petróleo. Para além do benéfico cambial induzido, na medida em que a conversão do combustível importado induz a inflação na sua conversão para a moeda local, que na Nigéria tem um efeito da ordem de 40%.
Em Angola, o quadro é dramático, os investimentos nas refinarias do Lobito e Soyo, creio ser uma das razões para o adiamento da tomada de decisão da eliminação dos subsídios, continuam só no papel e nos noticiários! A refinaria de Cabinda já teve várias datas de início de operações. No momento que redigíamos este texto, não havia notícias sobre o seu arranque. O argumento para a resistência em remover os subsídios é o impacto que a subida do preço dos combustíveis tem nos transportes públicos. Foram feitos investimentos para melhorar os transportes públicos, adquiriram-se autocarros, que eram para fazer face à subida arbitraria de preços pelos taxistas com a subida do preço dos combustíveis, mesmo nas pequenas cidades, ainda se nota a pressão, quando os carros azuis (vulgo candongueiros) não estão em operações. As transferências para as famílias de baixos rendimentos foram feitas, talvez, em menor grão do que seria necessário. Portanto, o argumento de que é preferível manter os subsídios, porque os ganhos orçamentais resultantes da sua eliminação não vão beneficiar os que mais precisam, não me parece correcto, porque um erro não justifica o outro.
As pessoas com que tenho interagido, quer estudantes, como pessoas ordinárias, quanto à minha firme posição sobre a necessidade da eliminação dos subsídios aos combustíveis e energia, não concordam com o aumento dos preços, porque as autoridades não têm feito bom uso dos recursos públicos. Mencionam-se uma infinidade de escolhas públicas feitas ao longo dos anos (me escuso listá-las aqui, o leitor, se calhar, as saberá melhor), que na maior parte das vezes, fico, também, sem capacidade de argumentação. Efectivamente, as escolhas públicas ao longo dos anos não têm sabido seleccionar as prioridades e as necessidades mais prementes, para o bem-estar colectivo, o que faz com que, hoje, estejamos todos a pagar uma factura bem pesada, com a dívida pública. Numa altura em que o País se confronta com dificuldades em restaurar as vias de comunicações, aumentar o número de professores (prefiro olhar para o ensino e não para a escola), enfim, lutar com a pobreza extrema, que graça em todo País, gastar-se AOA 2,30 bilhões (só em 2023), com a subsidiação dos combustíveis, que por sua vez, alimenta o contrabando para os países vizinhos, que têm o combustível ao preço do mercado mais caro comparado com o subsidiado de Angola, é uma tremenda irracionalidade. Por conseguinte, as medidas administrativas e as ameaças que se fazem aos autores não vão conter o contrabando de combustível, a menos que se vá pelo preço do mercado lá e cá.
* Economista