Os poucos quarteirões que ainda se mantêm inteiros, como o do Mabílio de Albuquerque (que se destaca pelo cuidado que o seu proprietário dedica à preservação do edifício centenário), ou o do Elinga Teatro, já apresentam sinais de que, excepto se algo se faça urgentemente, acabarão por ter o destino de tantos outros espaços sacrificados à ideologia arquitectónica do novo-riquismo sem gosto, que nos assola.

Os passeios são caminhos que só não são lúgubres porque o Sol, e a luz tão bela que nos propicia, consegue colorir as suas imperfeições, fazendo que o desmazelo com que são tratados - com frequentes crateras imprevistas, e ocupações anárquicas de vária ordem - acabe por ser disfarçado pela vida agitada que por eles transita, colorindo as dificuldades, como num quadro que retrata o sub-mundo tropical, que parece sempre menos dramático que o dos pobres nos países frios e sombrios. As nossas crianças pululam por esses passeios, junto com os jovens desempregados que procuram alguma ocupação, ou as mamãs que vendem o que podem para matar a fome aos transeuntes a preço mais razoável, garantindo, assim, o seu sustento e o dos seus. Infelizmente, a muitos dos petizes, não resta outra alternativa senão estender a mão, enquanto pronunciam a ladainha: "me dá só qualquer coisa. Tenho fome!". E não podemos deixar de ver nesses rostos um mundo de oportunidades perdidas. O retrato daquilo que está mal e que deveria ser corrigido.

Andar a pé pelos passeios da nossa cidade deveria ser exercício obrigatório para os nossos governantes, assim como a visita aos bairros periféricos e a deslocação às províncias por estrada, pois obter-se-iam informações mais precisas que as que se retiram dos refinados relatórios de onerosos consultores, que se leem em ambientes assépticos, no ar condicionado dos gabinetes, convenientemente isolados da realidade. Afinal, parece ter sido necessária uma breve viagem de comboio para se aferir as condições da ligação terrestre entre o Bungo e o Novo Aeroporto Internacional, que, por tardia, teve (que se saiba) como único resultado, mais uns decretos presidenciais a libertar umas centenas de milhões, certamente não previstos no OGE, para que, por adjudicação directa, se criem as condições não só para a circulação dos comboios, mas, certamente, também dos autocarros milionários que se vão adquirir contrariando as regras, desprezando os concessionários nacionais, e sem consulta pública.

É que a experiência de andar por Luanda tem ainda uma componente adicional característica: o inefável fedor que preenche a maioria dos seus recantos. Pois, com tanta gente na rua, sem casas-de-banho públicas, o que se poderia esperar?