A idéia de construir um aeroporto desta dimensão na capital, foi a decisão acertada no quadro de uma política de investimentos desastrosa que afectou também o ramo aero-portuário. O pensamento estratégico que levou a decisão da construção e reabilitação de vários aeroportos no país, a preços altamente especulativos, correspondeu ao pensamento de uma elite política angolana totalmente desprovida de pensamento crítico, quanto à ordem de prioridades mais adequada para a prossecução de um projecto de desenvolvimento equilibrado do tecido nacional, nas vertentes económica, social e ambiental. Os governantes naquela altura, estavam inebriados pelo boom do preço do barril de petróleo no mercado mundial. Foi a época do tudo quero e tudo posso. Por isso, ignoraram ingenuamente as regras básicas da política económica, cuja inobservância já tinha feito fracassar outras nações dependentes dos recursos naturais. Queriam até construir um centro financeiro para rivalizar com wall street, em plena Mutamba.

Na altura, o excessivo protagonismo do Gabinete de Reconstrução Nacional, afecto a então Casa Militar da Presidência da República, na tomada de decisões estratégicas, esvaziou completamente as competências dos órgãos ministeriais afins. A decisão final para a execução de obras estruturantes, era tomada por um núcleo restrito de políticos, ao arrepio de um plano estratégico de desenvolvimento aero-portuário sustentável, como foi o caso. Não houve uma metodologia adequada para a tomada de decisões para executar investimentos prolongados no tempo. Estão aí a vista de todos, milhões de dólares aplicados em aeroportos que não funcionam simplesmente, ou funcionam muito abaixo das capacidades instaladas, por falta de tráfego. Já passamos a primeira década de espera da certificação internacional para o aeroporto da Catumbela.

A diferença entre uma liderança visionária e uma liderança megalómana, é o seu compromisso com o futuro. Existem externalidades e envolvèncias que não devem ser ignoradas. Com a entrada em funcionamento do novo aeroporto internacional de Luanda, os olhos se voltam para a transportadora aérea nacional, a TAAG. As declarações do Presidente da República na tomada de posse do novo secretário de Estado da aviação civil, vieram demonstrar que a companhia de bandeira é uma peça fundamental para a efectiva e desejada mudança de paradigma no sector.
A TAAG é uma empresa estruturante para o alcance dos objectivos estratégicos de Angola na arena internacional. Tarde ou cedo a companhia estatal terá de aliar-se a um dos grandes grupos de aviação civil, pois, sozinha não terá muitas hipóteses de sobreviver num segmento de mercado tão exigente e competitivo. Qualquer que seja a solução contratual a adoptar pelo executivo para a intervenção de investidores estrangeiros neste importante activo, a posição negocial do Estado angolano não poderá ser de fraqueza ou de desespero, na ànsia de se ver livre do pesado fardo que hoje a TAAG representa.

Desejamos que o novo aeroporto internacional de Luanda represente o indeclinável convite para a decisiva ruptura de continuidade com as nocivas práticas de desgoverno. Que o NAIL se transforme num marco incontornável para a entrada de Angola num novo mundo, a que todos aspiramos. Que seja a soberana oportunidade para a viragem crucial e abrirmos definitivamente os olhos para encararmos os desafios que nos acenam. Nos encontramos perante a premente necessidade de uma mudança fundamental, sem a qual não atravessaremos o umbral da porta para o progresso.

O birmanes Maha U Thant, antigo secretário geral da ONU (1961/71) escreveu que "a verdade focal e assombrosa acerca das economias avançadas, é poderem ter, num espaço de tempo reduzidissimo, o género e a escala de recursos que decidem ter". Para ele já não são os recursos que limitam as decisões mas sim é a decisão que faz os recursos.

II. O novo aeroporto é legitimamente meu, é teu, é nosso. Em memória, ele pertence igualmente à velha Candinda, nacionalista convicta que sempre se bateu para que Angola fosse transformada numa terra de Bem, cujo progresso deveria beneficiar todos os seus filhos, por igual. Sem dúvidas, no dia da inauguração, a velha estava lá no céu, sentadinha em frente ao écran gigante que Deus mandou instalar, para os nossos falecidos assistirem a festa da inauguração. Como tinha bom coração, os seus olhos descobriram, no meio da grandeza e do glamor dos inaugurantes, uma humilde quitandeira de pano amarrado e ginguba torrada na bacia que levava nas mãos. Agostinho Neto, cujo nome foi dado ao aeroporto inaugurado, homenageou a mamã quitandeira num dos seus mais lindos lindos poemas, com um pregão arrepiante: " compra laranjas doces/compra-me também o amargo desta vida sem vida/ este botão de rosa que não chegou a florir". Manguxi era a favor dos deserdados. A Candinda também.

Na sua vida terrena, minha mãe não morria de amores nem pelos politicos, nem por aviões. Até hoje ainda penso que, por alguma razão, mamãe partiu acreditando que eram os políticos quem fabricava os aviões. No caso das aeronaves, creio que se tratava do simples medo de elevar-se nas alturas. Já a ojeriza que mamãe nutria pelos políticos, vinha do tempo colonial, quando a câmara municipal nos enviou, como se fóssemos bois, para recomeçarmos a vida numa montanha agreste chamada Mbumba. Isso ficava nos arrabaldes do campo de futebol onze, onde os nossos ídolos do Sporting Clube de Novo Redondo, com Dias na baliza, pontapeavam bolas de "catchu" calçando pesadas chuteiras com traves de madeira.
Num espaço situado à ilharga do campo, havia um clube de tiro-aos-pombos. Os columbídeos eram metidos em pequenas gaiolas metálicas em frente aos atiradores, antes de serem soltos para o derradeiro vôo. Aos domingos de manhã, após confessarem os pecados da semana na missa das seis, o pessoal da cidade ia para lá as nove horas fuzilar os pobres pombos, com caçadeiras de dois canos. Até zarparem daqui, em 1975, os políticos da câmara não cumpririam definitivamente a promessa de nos realojarem numa habitação condigna, algo a que se comprometeram por terem feito a demolição da casa da nossa familia no Inconcon. O terreno ilegalmemte expropriado. foi doado à igreja católica e ali se construiu a linda catedral de Novo Redondo.

Na década de sessenta, lá na terra dos verdejantes palmares, onde nasci e vivi a primeira infãncia, os aviões não aterrissavam em aeroporto algum. Simplesmente porque não os havia. As poucas e minúsculas avionetas que sulcavam os ares, pertenciam maioritariamente às companhias de algodão e de café, usadas para a fumigação dos campos agrícolas ou outras destinadas a deslocar entidades oficiais em visitas ao distrito, ou realizarem uma ou outra evacuação de emergência. As avionetas aterravam no poeirento campo de aviação do Chingo.

Como manifestação de algum resquício atávico, luto com o medo e a ansiedade quando tenho de viajar de avião. Sou daqueles que acredita piamente que, pelas leis de Deus, voar deveria ser exclusivo dos seres alados. Em contra-partida, nutro uma invulgar paixão pelos aeroportos, enquanto obras de engenharia e local de confluência de pessoas que representam a diversidade geográfica e cultural da humanidade.

*Advogado e jornalista