A família ficou transtornada. Mas a resignação ancestral perante o infortúnio ajudou a encarar a situação com a energia que era exigida. Era preciso preparar os rituais de passagem. Reunir a família. Discutir o que fazer relativamente a eventuais pendentes do passado e a preparar o futuro. Havia crianças pequenas. Com um pai sem muitos recursos financeiros - funcionário público honesto não tem como amealhar - era Dona Quina que, com a sua infatigável capacidade de inventar fontes de rendimento - desde os quitutes que confeccionava, ao pequeno comércio que realizava, para além da pequena lavra que tinha na terra dos seus ancestrais - ia fazendo com que, como por magia, o pão não faltasse à mesa, e as crianças conseguissem ter as batas e os apetrechos para poderem ir à escola. Reunidos, num ambiente onde se foi buscar o melhor que a tradição recomendava, as famílias da falecida e do marido tomaram as medidas possíveis, num assinalável exercício de sensatez e bom-senso.
A crença de que uma solução se há de encontrar para cada uma das dificuldades que, quais pedras no caminho, abundam nos dias de hoje - situação sumamente agravada para as famílias numerosas - parece não diminuir, e as jovens e senhoras continuam a considerar indispensável dar origem a uma extensa prole, mesmo quando a rede de apoio familiar está cada vez mais fraca, e o acesso à educação e saúde envolve recursos que a maioria das famílias não tem. O resultado é a quantidade de crianças que são exibidas pelas mães nos passeios das cidades, onde vivem, como quadros vivos da desgraça, ou a trabalhar nos campos para poder ajudar a família a prover para as suas necessidades. O que pode fazer o INAC para intervir nessas situações, para que se possa oferecer um futuro a essas crianças?
Angola 2050, documento que procura traçar as metas de desenvolvimento do País até àquele horizonte temporal, já coloca a questão da diminuição das taxas de natalidade como um objectivo essencial para que se possa melhorar as condições sociais da população, pois é muito difícil criar infra-estrutura social ao ritmo actual de crescimento da população. A questão que se coloca é a ausência de programas concretos, como já houve, em quantidade e com a qualidade suficientes, para que os objectivos traçados sejam alcançados. E a necessidade de mudança de mentalidade das futuras mães, despindo-as do peso de tradições de outros tempos e outras realidades.
Entretanto, as Donas Quinas vão morrendo. E já vamos ficando satisfeitos quando as famílias se solidarizam, procurando diminuir as dificuldades dos que estão mais próximos, particularmente os filhos, em vez de se assistir a encontros familiares que mais parecem batalhas campais, com elementos oportunistas que só procuram tirar vantagens da desgraça.