E este tem sido o retrato desta desgastada governação pobre e vingativa, sem genialidade na proposta, sem eficiência na estratégia, sem rigor no tratamento do dinheiro público, imediatista com especial preferência pelo negócio, beneficiária do compadrio, impunidade que mostra, sem pudor, a tremenda falta de amor pela Pátria. Os sistemas de valores desta governação devem ser criticamente avaliados por todos os eleitores e contribuintes, incluindo pelo MPLA, se quiser sobreviver, colocando todos os recursos intelectuais ao serviço dessa demanda. Não há verdades intemporais, mas as lideranças passadas e actual não valorizam este facto. E por essa razão têm o mesmo lema falhado desde 1975, que defendeu que "o mais importante é resolver os problemas do povo", mesmo que em 48 anos não tenham sido capazes de resolver nenhum prolema do povo.

Pretender manter uma governação sem visão estratégica, vitalidade, coragem na adversidade tornou o nosso Estado decadente e sem mérito. Faltou a coragem para empreender reformas eficazes, faltou a sabedoria para perceber que um povo educado e com saúde é o maior aliado do desenvolvimento, pois estará para nascer o País que foi a algum lado sem Capital Humano. Faltaram as políticas sociais expeditas, inteligentes e capazes de aproveitar as oportunidades de ouro que tivemos com a Paz. Falta a responsabilidade de responder a cada voto, não permitindo que, por um lado, se enalteça a produção local em feiras cheias de pompa que garantem a presença presidencial e, por outro, permitir que o adubo se torne insuportável para qualquer agricultor ou deixar empresas alinhadas venderem abaixo do preço de mercado produtos importados depois de beneficiarem do beneplácito do acesso privilegiado a todas as mordomias financeiras. Falta também a consciência de que os fins do Estado têm de caber dentro do horizonte humano, das suas exigências naturais, sendo imperativo que se governe para além da lei e dos números, que se governe também com misericórdia e compaixão, não ficando indiferente à fome, ao desabrigo, à orfandade, à morte da esperança, que afecta milhões de cidadãos abandonados institucionalmente a quem a Presidência Aberta não chega, não sente, não vê e não ouve.

O Primado da Culpa Alheia tem um séquito em manifesto crescimento, que quer participar da abundância, que almeja sair da sala de espera das fezadas e sentar-se entre aqueles que têm e são poder. E para isso não se inibem de envergonhar os seus diplomas, defendendo o indefensável, num exercício perene e humilhante, pois mais do que nunca hoje temos a certeza da razão de Heraclito, quando disse que "as coisas estão em constante mudança". A volatilidade com que se viram as costas a um endeusado político, que em segundos passa de "bestial a besta" quando perde o poder e se torna persona non grata ou caso o cenário político constitucional mude, chega a ser mais rápida que a velocidade do som. Este primado também prova a fraqueza das governações. A falta de respostas económicas, sociais e políticas competentes é, para a liderança, o Calcanhar de Aquiles sem que, tantos anos depois, tenham sido capazes de compreender que a primeira obrigação pública é evitar o sofrimento extremo, que é, hoje, tudo quanto resta à maioria da população angolana.

Ouvir o Governo Provincial culpar os motociclistas pela mortalidade rodoviária, num País onde o Executivo não conseguiu nunca prover transportes públicos que garantam a universalidade e a cobertura territorial do atendimento, onde a cada vez que os candongueiros param, o País também pára, é deprimente. Ouvir o MASFAMU pedir para que o povo "respeite os Direitos da Criança" num País onde todos os anos ficam milhões de crianças com 6 anos fora do sistema por falta de escola ou que estão milhares de crianças seropositivas sem acesso aos medicamentos retrovirais é deprimente. Ouvir o Governo dizer que vai exportar energia quando a imprensa mostra que, das "14 províncias, apenas 4 províncias beneficiam de Laúca e Capanda" é deprimente. Obrigar impostos de forma predadora às empresas, sem atender a cada caso ou à situação da economia que está nos cuidados intensivos e permitir que as empresas públicas, embaixadas e consulados não apresentem contas respeitando os prazos que a Lei estipula, é deprimente. Tratar umas empresas como filhas e outras como enteadas e depois vir pedir responsabilidades às que sozinhas estão, há anos, a construir valor e a dar emprego sem terem qualquer regalia pela sua competência é deprimente. Ouvir pessoas com responsabilidade, comentadores alinhados e a liderança, que não vivem no mesmo País dos pobres nem partilham a sua dor, chamá-los antipatriotas, quando eles exigem um Direito, é deprimente. A estratégia visa comprometer a sociedade civil, as ordens, os sindicatos ou a oposição, mas sem efeito. Qualquer situação que seja desfavorável à imagem do Governo, partido ou liderança, a culpa é transferida para fora da responsabilidade de quem errou. Podíamos enumerar as insuficiências, filhas da ineficiência das políticas públicas que são transferidas para a culpa alheia e ao fim de um mês não teríamos terminado a tarefa.

A cada geração Angola tem aumentado a sua colecção de recordações sombrias. A perda da nossa democracia merece que se retirem lições para construir o futuro. Uma governação que se mantém em estágio governativo há 48 de anos, que exerce uma prepotência desmedida contra um povo que só pede os mínimos olímpicos para sobreviver com dignidade, não se pode espantar se um dia o povo responder com o mesmo azedume com que é tratado desde que nasce. Depois, não valerá a pena imitarem o "Make Noise" bonguiano, pois os primeiros a abandonar o barco serão os que hoje aplaudem com vigor, e os responsáveis do abandono do povo enfrentarão a Lei exercida por uma Justiça conspurcada e sem ética, fortalecida quando eram poder.