Nos últimos seis anos, foi notório o empenho do Executivo na melhoria da saúde da população. Mesmo sem o impacto prático desejado, este empenho foi notório principalmente nos seguintes aspectos:
O acesso aos serviços primários de saúde passou de 25% em 2017 para 60% em 2022. Isto significa que mais angolanos tiveram acesso aos serviços de saúde. Simultaneamente, significa uma exclusão em torno de 40%.
Unidades de saúde: nos últimos 6 anos houve um aumento de aproximadamente 200 novas unidades de saúde nos mais diversos níveis de assistência, passando o País a contar com cerca de 3000 unidades de saúde. O número de leitos para internamento teve um acréscimo de aproximadamente 15.000 leitos, passando para um total aproximado de 40.000. Durante este período, cerca de 1 bilião de kwanzas terá sito investido na edificação de unidades de saúde com mais incidência no nível secundário e terciário, no âmbito dos programas de investimento público (PIP) e de Intervenção nos Municípios (PIIM). Além das unidades sanitárias, o País conta, hoje, com uma rede de laboratórios de biologia molecular e celular, fruto do investimento feito durante o período da Covid-19. Os mesmos encontram-se distribuídos em várias províncias. Igualmente, houve aumento no número de leitos para os serviços de hemodiálise, que passaram para cerca de 400.
Recursos humanos: no período em referência, registou-se, igualmente, um aumento na força de trabalho. Foram absorvidos pelo serviço nacional de saúde, a parte pública do sistema Nacional de Saúde, um número aproximado de 50 mil profissionais de saúde, o que corresponde a cerca de 50% e distribuídos maioritariamente na capital, Luanda. Dentre esses quadros, encontramos médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica e pessoal de apoio hospitalar. O processo de especialização continua activo, sendo prioritária a formação de pediatras, gineco-obstetras e demais especialidades cirúrgicas prioritárias. Outro destaque recai para a formação especializada em Medicina Geral e Familiar, ramo importantíssimo para o sector dos cuidados primários de saúde.
Recursos financeiros: O orçamento para o sector da Saúde é maioritariamente oriundo do Estado, correspondendo a cerca de 95%. Nos últimos seis anos, esse orçamento passou de 317 mil milhões Kz em 2017 para 1,3 bilhões Kz. Este valor corresponde a uma média anual de 5 a 6% do total de despesas para o sector da Saúde. No que concerne à execução da Função Saúde por Unidade Administrativa, cerca de 60% do total das despesas foram alocadas aos órgãos da administração central do Estado, que estão voltadas para o sector da Saúde e 40% para a administração local, órgão responsável pela gestão do sistema primário e secundário da Saúde.
Recursos materiais: com a implementação do sistema de compras agrupadas, através da plataforma electrónica do SNCP e por intermédio das agências das Nações Unidas, houve uma redução significativa dos custos ligados à aquisição de medicamentos e produtos médicos para os programas da malária, tuberculose, VIH/Sida, doenças negligenciadas, vacinas, hipertensão e diabetes, assim como de meios gastáveis de uso clínico e administrativo.
- Perfil epidemiológico: O perfil epidemiológico nacional é dominado por doenças transmissíveis, assistindo-se, no entanto, a um aumento de doenças crónicas não-transmissíveis, traumas provocados por acidentes de viação e violência, provocando uma tripla carga de doenças. As doenças ligadas ao saneamento básico continuam sendo responsáveis por cerca de 80% dos motivos de busca pelos serviços de saúde e de 75% das causas de morte.
OS DESAFIOS DO SISTEMA NACIONAL DE SAÚDE
Independentemente dos ganhos do sector da Saúde, o mesmo mantém-se desafiante. Entre estes, podemos referir os seguintes:
Determinantes sociais da saúde: Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística de Angola, o crescimento populacional tem sido superior a 3%, que corresponde à média de crescimento económico. De acordo com os resultados do Índice de Pobreza Multidimensional Global, um de cada dois angolanos (51,2%) vive na pobreza multidimensional, com uma taxa de pobreza de 88,2% nas áreas rurais e 29,9% nas áreas urbanas. As taxas de desemprego variam entre os 29 e 34,5%. O acesso à água potável está em torno de 42 a 55% da população. A taxa de fecundidade é de 6 a 7 filhos por mulher, estando entre as mais altas do mundo. Actualmente, existem cerca de 163 nascimentos por 1.000 meninas entre 15 e 19 anos, uma das mais altas da região e a necessidade não atendida de planejamento familiar entre essas adolescentes é de 43%. Em Angola, 38% das crianças menores de 5 anos sofrem de desnutrição crónica. A nível da população, as perdas de capital humano, devido à desnutrição infantil, podem prejudicar o crescimento económico e os esforços de redução da pobreza. Segundo a UNICEF, pelo menos 45 crianças com menos de 5 anos morrem todos os dias por causa da desnutrição. Agravando este quadro, está o deficiente saneamento básico. Estes aspectos geram uma pressão bastante grande ao sistema de saúde, uma vez que a população adoece com mais frequência, fazendo que todo investimento no sector não se evidencie na prática e no quotidiano das populações.
O acesso à educação representa outro problema social. Todos os anos, milhões de crianças são privadas de acesso a um ensino de qualidade. A educação possui relação directa com a qualidade de vida. Desta forma, uma legião de potenciais cidadãos marginalizados é criada, prejudicando a situação económica e social da população, cuja maioria sobrevive com menos de 1 dólar por dia.
Serviços de saúde: A situação dos determinantes da saúde agudiza-se, porque pelo menos 40% da população permanece sem acesso ao sistema de saúde primário, factor esse que estimula a procura por serviços de saúde ligados à medicina tradicional, preenchida com profissionais com idoneidade formativa e profissional questionável. Quando tal não ocorre, muitas destas populações procuram por serviços de saúde em outros países fronteiriços com Angola, como é o caso da República da Namíbia e a República Democrática do Congo. O País precisa de investir mais em unidades de saúde do nível primário e profissionais de saúde que actuam neste mesmo Subsistema Primário, como é o caso dos postos de saúde, centros de saúde, hospitais municipais e na formação de médicos gerais, de família, pediatras e ginecologistas, para darem resposta às necessidades do sector e da população. O sector primário é a base e deveria ser cabimentada a maior fatia orçamental da saúde para este sector, o que não acontece na actualidade. Este sector primário, quando funcional, é responsável pela resolução de 85% dos problemas de saúde da população angolana. Deve-se melhorar a articulação entre o sector primário, secundário /Hospitais provinciais e gerais, bem como com o nível terciário (Hospitais Nacionais), com vista a garantir um atendimento célere e de qualidade. Não se deve esquecer o papel do serviço de atendimento de urgência/emergência, representado pelo Instituto Nacional de Emergências Médicas (INEMA), que, na actualidade, se encontra desprovido de meios e de profissionais. O tempo de resposta em caso de solicitação por parte da população não deve ser superior a 20 minutos. Assim sendo, meios e profissionais devem ser colocados em pontos estratégicos em todo o País, com o objectivo de torná-lo eficaz.
A nível das diversas unidades de saúde espalhadas pelo País, ligadas ao sector público, ainda é notória a escassez de meios como seringas, luvas, medicamentos, reagentes para análises clínicas, entre outros. Tal escassez é maioritariamente objectivada no sector primário. A falta de Orçamento próprio para essas unidades dificulta o processo de gestão, levando à escassez frequente de meios. É necessário garantir um orçamento directo para essas unidades de saúde. A distribuição dos meios necessários ao funcionamento das unidades de saúde por via do CECOMA constitui uma barreira para a programação periódica das mesmas, devido à cascata de gestão bastante burocratizada.
Com a inflação vigente no País, o poder de compra dos cidadãos reduziu e com ela a dos profissionais de saúde. Torna-se assim necessário um aumento salarial para fazer face a esta situação.
O actual modelo de funcionamento dos gabinetes do utente constitui uma barreira à necessária humanização dos serviços de saúde. Ela não permite um fluxo adequado da informação com a urgência e organização de que se necessita. É preciso reestruturar. O mesmo se pode referir em relação aos gabinetes de humanização. Não é condigna a forma como tratamos os nossos utentes e seus acompanhantes, a família, que, após longos anos desde o fim do conflito em Angola, continue a verificar-se que os familiares de pacientes pernoitem e se instalem no exterior dos hospitais, ocupando a via pública. O processo de humanização deve ocorrer em simultâneo com a humanização dos profissionais de saúde, que passa por quantidade necessária de meios de trabalho, valorização, remuneração e ascensão na carreira. Depois de minimizadas estas situações, o resultado será observado na situação das famílias e comunidades.
A situação epidemiológica de Angola é caracterizada por doenças infecciosas e contagiosas com carácter preventivo em sua maioria. A degradação do saneamento básico potencializa o surgimento das mesmas. É o caso da Malária, Meningite, Tuberculose, Febre Tifóide, Doenças Respiratórias Agudas e Doenças Diarreicas Agudas, Tétano, entre outras.
Um maior impacto das medidas de saúde poderá ser objectivado se o investimento no sistema de saúde primário for o foco das políticas de saúde, conforme descrito na Constituição da República de Angola, na Lei de bases do Sistema Nacional de Saúde e nas conferências e documentos-reitores da Organização Mundial da Saúde. O investimento na melhoria do saneamento básico, como o tratamento do lixo, o sistema de macrodrenagem e microdrenagem, o acesso cada vez maior à água potável, a melhoria das condições de habitação, o incentivo às famílias mais carenciadas, o programa de alimentação nas escolas, bem como a redução do número de crianças fora do sistema de ensino são medidas que devem ser implementadas para melhorar a situação sanitária dos indivíduos, das famílias e das comunidades. n
*Médico especialista em Saúde Pública