Alugam pequenos espaços de terra, pagando a renda com a sua própria força-de-trabalho. Se no período da manhã trabalham para o dono do espaço, no da tarde dedicam-se às suas pequenas lavras, onde plantam de tudo um pouco. Conheço uma senhora, Dona Fátima, que é uma grande trabalhadora, está na sua lavrinha todos os dias, de segunda a sábado. Tem couves, rama, beringelas, tomate, quiabos, maçaroca, etc. Podem-lhe faltar alguns condimentos, nunca comida. O grande problema são os roubos, à calada da noite, ou mesmo à tarde. Gatunos montados nas suas motorizadas de três rodas, vulgo "caleluia", tiram os produtos cultivados com tanto sacrifício. O que a reportagem da TV Zimbo mostrou é um facto que deve merecer reflexão de quem tem a responsabilidade de proteger a propriedade consagrada na Constituição da República (artigo n.º 14.º)

Dedico algum tempo fazendo uma pequena horta, nas proximidades da lavra da Dona Fátima, onde semeio hortícolas, milho e feijão. Sendo em menor grau vítima dos gatunos a que me refiro, se comparado aos pequenos espaços das mulheres na proximidade. Tenho ouvido relatos semelhantes de agricultores no município do Balombo, que dizem estar a ser prejudicados por gatunos que usam as motorizadas, carregam maçarocas, vendem abertamente produtos roubados, mas nada lhes acontece, mesmo a comunidade sabendo que não têm lavras. Se está a vender maçaroca, não tendo essa pessoa lavra, é evidente que se trata de produto roubado. As autoridades deviam agir imediatamente, investigando a origem do produto que está a ser vendido. Nas cidades, como o caso a que me refiro, no perímetro da Catumbela, é um pouco mais difícil. Mas nos municípios ou nas aldeias, as pessoas conhecem-se, podem-se, facilmente, identificar os gatunos.

Vivemos momentos de penúria e muita pobreza. Porém, também há pessoas que se prestam mais a pedir e a viver na sua zona de conforto e nada fazem para melhorar a sua condição de vida. A história da Dona Fátima é bastante inspiradora, é uma mulher batalhadora. Vive do seu esforço, alimenta a sua família com o trabalho. O seu esforço não pode ser aproveitado por oportunistas, preguiçosos que nada querem fazer, optam em viver às custas dos esforços de outras pessoas. Em Junho do ano em curso, semeei feijão e milho no meu espaço. Já estou a comer a maçaroca, e o feijão produziu bem e está quase pronto a ser colhido. Vejo os vizinhos bastante animados com a colheita, unicamente preocupados com a gatunice.

A questão da gatunice está generalizada na sociedade angolana. As pessoas não se importam em pegar no que não lhes pertence. Vemos os prédios e casas gradeadas quase até ao tecto. Visitei, recentemente, um familiar na Zona de Viana e tinha a casa com muros altos e gradeada por dentro e por fora. Diz que tem de a fazer dessa forma, porque os gatunos têm o descaramento de tirar o gradeamento externo para terem acesso ao interior da casa. Já foi assaltado um sem-número de vezes, dorme sobressaltado, pois quase numa base semanal têm tentativas de assaltos.

Ouvi há alguns anos, em Portugal, que uma das razões pelas quais o ditador António de Oliveira Salazar, então ministro das Finanças (1928-1932) e depois Presidente do Conselho de Ministros de Portugal (1933-1968), é idolatrado por algumas pessoas é o seu rigor e mão-de-ferro, inverteram o quadro de penúria que se viveu em Portugal entre 1910 e 1928. Conta-se que houve alturas que uma carroça com mantimentos alimentares da estação de comboio do Cais do Sodré, na baixa de Lisboa, para o Largo do Rato, sofria mais de três assaltos. A biografia de Salazar no Wikipédia reporta-se que, convidado para ocupar a pasta de ministro das Finanças, fez exigências, que, na primeira passagem pelo Ministério das Finanças, que durou apenas duas semanas, não foram aceites pelos militares golpistas. Entretanto, na sua segunda passagem, foram aceites as medidas propostas de reformulação das finanças públicas, obrigou a sacrifícios, tais como o controlo sobre as despesas e receitas de todos os ministérios. Qual será a forma de revertermos a actual penúria no País? Será com outros sacrifícios? A penúria e a consequente delinquência estão, também, associadas à degradação da economia. A elevada taxa de inflação, os elevados níveis de desemprego e o fraco crescimento da economia, contra a explosiva taxa de crescimento demográfica, são algumas das razões por que se verifica esse roubo generalizado por parte dos cidadãos mais fracos.

Está agora na moda colocar ramos de picos na parte de trás da carga dos camiões que transportam mercadoria facilmente roubável, para dificultar gatunos de açambarcarem a carga. Onde estamos a chegar? Desde a minha tenra idade que aprendi que roubar é pecado. Se tirar algo que pertence a outra pessoa, vai causar perda e dor à alguém, configurando-se em falta de amor ao próximo. Independentemente das consequências legais, o normal seria a pessoa ter de pensar no prejuízo que vai causar ao outro. Estamos na era do vale tudo. Parece-me que aqui não bastarão as punições previstas na lei. Também deverá haver castigos como trabalho comunitário, vexame público e castigos físicos severos, para além, é claro, de medidas que proporcionem oportunidades de forjar as pessoas no trabalho.

Na minha segunda semana como imigrante no Canadá, fui comprar umas ferramentas para consertar algumas coisas na casa nova. Aquela ansiedade de recém-chegado a um outro país, pai de duas crianças e duas adolescentes, estava pensativo, de tal sorte que, quando desci do autocarro, esqueci as ferramentas que tinha ido comprar. Só me lembrei quando já estava na nova casa. Oh! Esqueci as ferramentas que comprei no autocarro! O meu compatriota, que já se encontrava no país há mais tempo, disse-se para que não me preocupasse, pois estavam nos perdidos e achados da companhia de transporte urbano. Disse-lhe, oh meu, não brinques comigo, pois que não acredito no que estás a dizer! A verdade é que telefonou e o saquinho com as ferramentas lá estava na secção de perdidos e achados. Foi o primeiro sinal que recebi de que aquele era um país diferente, comparativamente a outros lugares onde já vivi.

O nível generalizado de roubos nas lavras põe em causa a segurança alimentar das famílias angolanas. Como se sabe, mais de 80% dos produtos agrícolas comercializados no País provêm da agricultura familiar, só uma pequena porção vem da agricultura de grande escala. Os produtores agrícolas andam, de facto, profundamente desesperados e desmotivados. Clamam por socorro das autoridades, pois os roubos acabam por desencorajar os produtores a empenhar-se nas suas actividades, o que, de certo, tem o seu impacto na oferta dos produtos ao mercado. Infelizmente, a prática do roubo afecta, também, os criadores de gado. No Sul de Angola (Cunene, Huíla e Namibe), ouve-se repetidamente o clamor dos criadores pelo roubo de gado bovino e caprino. O esforço que os produtores fazem para depois verem o seu sacrifício, simplesmente, apropriado por delinquentes, tem de ser invertido. Como disse inicialmente, por uma multiplicidade de acções: prevenção - programas de educação cívica (nas rádios, televisão, escolas, igrejas e organizações comunitárias), prevenindo que as pessoas optem pela vida fácil, aproveitando-se do esforço de outrem; punitivas - castigando severamente os prevaricadores com penalizações pecuniárias (multas), físicas e vexame público (expondo a pessoa na sua comunidade como gatuno). Os maus exemplos da racionalização do roubo vieram também das reportagens televisivas, transmitidas pela Televisão Pública de Angola (TPA), "O Banquete". Perseguiam a denúncia das acções de corrupções corridas no País, que, em meu entender, permitem a racionalização do roubo, dizendo que há quem tenha feito pior. Porquanto, a oportunidade, a racionalização do mal fazer e a vida imaginária são as principais razões por que as pessoas cometem fraude. Os momentos são difíceis, mas cada um deve procurar, de forma honesta e digna, minimizar as dificuldades que enfrenta. Roubar prejudica quem já tem muito pouco, é condenável e tem de se combater com todo o vigor.

*Economista