Se, para Nichols, "os americanos atingiram um ponto em que a ignorância, sobretudo a que se refere às políticas públicas, é uma virtude", por aqui, o culto da (in)competência é exaltado em alguns círculos do poder e também de outros afectos aos aspirantes ao poder como um activo de excelência.

Amancebado com uma mistura explosiva de arrogância, cinismo e narcisismo, o culto da (in)competência tem vindo, entre nós, a alimentar e a encorajar perigosamente a ignorância.

O culto da (in)competência destapa um edifício frágil e inóspito, que alberga uma qualidade de políticos e de governantes que é, de um modo geral, de uma densidade ostensivamente confrangedora, e aplaude uma qualidade de gestão pública francamente péssima, uma qualidade de competência funcional profundamente precária e uma qualidade das instituições assustadoramente fraca, para não dizer praticamente inexistente.

O culto da (in)competência descarna ainda por aqui um preocupante défice ético, sendo que a ética, como refere o Prof. Bagão Félix, "só tem valor quando assenta na autoridade exemplar" e o seu "o valor moral mais relevante é a decência", que, pelas nossas paragens, está cada vez mais fora de moda...

O culto da (in)competência ao provocar por aqui a perda de tempo, de energia e de dinheiro, está, por isso, a adiar as reformas que se impõem à sociedade para que os cidadãos possam livremente acionar a chave da ignição e, desta forma, voltar a pôr o país em movimento.

A invasão da incompetência sendo real, ao assumir contornos verdadeiramente bárbaros, ameaça esmagar qualquer tentativa de reformas em Angola. No plano político, está provado que, como defende o jurista António Paulo, "sem uma clara identificação ideológica como ponto de partida para qualquer upagrade não será possível promover a mudança de paradigma e da sociedade".

Já no plano social, sem uma verdadeira reforma qualitativa do ensino e da educação, que expurgue a imbecilidade alojada na cabeça de muitos decisores públicos, não sairemos do pântano em que nos encontramos soterrados.

Perante o estado de calamidade geral a que chegámos nestes dois domínios, nunca como agora essa preocupação foi chamada a ser levada tão a sério e a ser assumida com carácter de urgência pelos nossos mais altos poderes públicos.

Na verdade, é tão assustadoramente criminosa a forma como lidamos com um sistema de ensino que, já não bastando ter mais de 3 mil professores (!) que não sabem ler, como denunciou o Prof. Dr. Filipe Zau, revela ainda a existência de muitos professores que advogam a introdução da feitiçaria no currículo das nossas escolas. Pasme-se!

Estranho?

Talvez não. Se olharmos para o perfil dalguns daqueles que, detendo poder de decisão, lideraram e continuam a liderar algumas áreas nucleares deste sector, só podemos concluir redondamente que não!

Se nos lembrarmos também que já tivemos um Ministro da Educação que confundia "os flamengos " - referenciados numa das obras de Pepetela - com os "flamingos que também temos no Lobito", então não há muito que estranhar...

Como não haverá também muito a estranhar quando num passado recente nos deparámos com um outro Ministro da Educação que, confrontado com a necessidade de se implementar um programa específico dirigido às crianças superdotadas, declinou essa necessidade, alegando que "já temos esse ensino especial" institucionalizado no país. A que ensino se referia? Ao ensino dirigido aos alunos... deficientes. É preciso dizer mais alguma coisa?...

Não menos preocupante e assustador também é ter alguns dos nossos mais famosos juristas - aqueles que deveriam ter o mais perfeito domínio da língua portuguesa - a agredirem-na a céu aberto com "pérolas" como as que nos oferece um conhecido escritório de advogados:

"Mas/mais: o funcionário não estava na repartição mais já me deram um contacto alternativo" - "Há/à: Professor vou chegar atrasado, mas vou aula na mesma" - "Fazemos/fizemos: Neste escritório não fizemos esse tipo de contratos" - "Acerca/ a cerca: Temos de rever os termos a cerca do Direito Fiscal" - "Levantaste/levantas-te - Já levantas-te a certidão".

Aqui chegados, se quisermos ter uma reforma bem sucedida, ela não pode, pois, permanecer divorciada de um olhar crítico sobre o descarrilamento do nosso sistema de ensino para que o mínimo de instrução com o mínimo de esforço deixem de ser o ponto de chegada da educação e para que não continuemos a assistir "ao colapso da separação entre profissionais e leigos, professores e alunos, sábios e comentadores".

Se pretendemos ter uma reforma bem sucedida, não podemos deixar de reflectir sobre a necessidade de se proceder ao "desvio" de alguns recursos financeiros destinados às despesas militares para os sectores de educação e ensino num país que tem o segundo pior orçamento da África Subsaariana depois do Sudão do Sul e que, se olharmos para a "Bazuca" de 1,3 triliões de dólares disparada pelo Presidente Biden para os reformar nos Estados Unidos, não podemos por aqui continuar a recorrer a espingardas de pressão de ar para distribuir àqueles dois sectores algumas migalhas orçamentais...

Se pretendemos ter uma reforma bem sucedida, temos de fazer um sério investimento na via profissionalizante do ensino como fizeram países como o Chile, Singapura ou a Coreia do Sul, que transformaram a educação no principal motor de desenvolvimento das suas economias.

Se pretendemos ter uma reforma bem sucedida, temos de parar para reflectir por que razão, desde o ensino primário ao ensino universitário, existe há muitos anos um número significativo de professores altamente qualificados que, subvalorizados, acabaram por abandonar a docência para ir trabalhar para ONGs, embaixadas, organizações internacionais e outros organismos.

Se pretendemos ter uma reforma bem sucedida, não podemos deixar de fazer uma melhor gestão de cérebros, para que a iniciativa política e a liderança de alguns organismos públicos, não fiquem nas mãos de gente ignorante e atrevida, ainda que os portadores dessa ignorância e desse atrevimento, sejam pessoas licenciadas.

Se pretendemos ter uma reforma bem sucedida, não podemos continuar a enveredar por uma escolha de quadros de duvidosa competência, assente em avaliações parametrizadas por critérios essencialmente partidários.

Se pretendemos ter uma reforma bem sucedida, esse processo não pode continuar confinado unicamente no espaço territorial reservado a quem governa sob o risco de acentuarmos ainda mais a prevalência do caciquismo político e do carreirismo partidário nas instituições públicas.

Se pretendemos ter uma reforma bem sucedida, temos de ter a coragem política para recrutar os melhores sem olhar para os crachás partidários, mas apenas à competência, ao saber e ao conhecimento, que existem também fora das fortalezas partidárias e que constituem a única via para ultrapassamos a crise de cérebros instalada em vários sectores da nossa sociedade.

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