O milagre em que eles acreditam foi reverso. A ineficácia da governação voltou-se contra o povo, maltratando-o, despojando-o de tudo, incluindo o esgoto, eficiência que os romanos já tinham há 3 mil anos. Todos os dias assinam tratados, acordos, ratificam promessas internacionais. Ostentam a defesa da sustentabilidade. Dos Direitos da Criança e da Mulher. Dos Objectivos das Agendas globais. Todos os dias delegações vão em missão de serviço para os quatro cantos do mundo com relatórios que mostram uma Angola que está a evoluir economicamente, a cumprir metas da diversificação, amiga do ambiente, que o investimento na ciência é uma realidade, enquanto no Sul o povo reza pelos três milhões de dólares dados pela ONU para combater a seca.
O País tem duas realidades, a dos que governam e a dos que votam. Os que votam desconhecem esse País próspero que é lido nos discursos do Estado da Nação. No fim do dia, o balanço é a malária, uma educação sem qualidade, a falta da cédula, as estradas da treta, a predadora voracidade fiscal estéril na criação do Estado de Bem-Estar Social, as colheres de óleo vendidas no mercado e o investimento que passa ao lado das prioridades. A governação é como as nódoas, por mais que as disfarcemos são sempre visíveis como as dermatites. O que está mal é sempre mais forte, porque é visto, sentido fisicamente, testemunhado anulando a manipulação.
E ainda assim o povo não se tornou rebelde. Não puxou dum nervo. Não fez ondas. Decidiu enfrentar o futuro com lágrimas e suor. Mas quando abrimos o jornal que é pago com o dinheiro do povo e vemos o descaramento de pedirem "o comprometimento dos angolanos para com o País", apelando à "denuncia de todos os actos que coloquem em causa o crescimento do País", com as repetidas afirmações de "que estão engajados na resolução dos problemas sociais dos angolanos", passamos a acreditar que, para além da falta de plano, também lhes falta a vergonha na cara.
Esticaram a corda até asfixiarem as famílias com emprego. A multiplicação dos pobres é obscena, criminosa. A abundância apenas acontece dentro dos muros do Palácio e seus anexos. A cidade alta é a única zona do País onde se vê a eficiência do GPL. Exemplar. Não falta uma lâmpada. Não existe um buraco na rua. Não há lixo. O capim tem estudos e não se atreve a invadir os passeios. As valas estão mais limpas que muitos blocos operatórios. No Natal, as luzes ofuscam de tanto brilho. Parece a Suíça. O resto do País é resto. A desabar todos os dias. Um sítio de dor e de insegurança. Esta liderança não teve mérito nenhum. O partido está enfraquecido. Dividido. Incapaz de inovar. A transparência só existe no prato dos que nada têm. A economia está nos cuidados intensivos. A expectativa de um terceiro mandado é um sapo difícil de engolir.
Às portas da comemoração do 50.º aniversário da Independência. Um único partido a governar. 50 anos. O balanço é deprimente. Violência. Perseguição. Assassinatos sem culpa. Desprezo pelos direitos humanos. Eleições sem crédito. Futuro adiado. Economia de rastos. Sistema bancário gerido com total impunidade. Governação telepática. Diversificação económica nula. Política diplomática errática. Tribunais em guerra aberta. Inflação. Uma vergonha.
O Presidente João Lourenço, apesar de ter conseguido granjear simpatia no início da sua tomada de posse com atitudes aplaudidas, não foi capaz de concretizar nenhuma das suas promessas. Os indicadores são preocupantes. Não foi peremptório. Não corrigiu nenhum mal. Com o tempo tornou-se agressivo. Chamou lúmpen à sociedade civil. Não faltaram nem opiniões nem avisos, vindos de todos os lados. Mas nenhum deles foi tido em conta. As comissões para pensar o País nunca funcionaram. Desvalorizou a fome do povo. Foi constantemente entalado pela mentira dos seus subordinados e pela ausência de uma estratégia consequente e eficaz. Os peritos da cidade alta tornaram-se imunes. Desgastados pela inconsequência dos seus erros, tornaram-se coniventes. A liderança perdeu-se dentro da tragédia de um poder efémero e sem glória. Perdeu a luta contra a corrupção. A impunidade venceu. O ódio e a vingança são maus conselheiros.
A esticar a corda desde 1977. Foram tomados por um sentimento de eternidade. O povo tornou-se invisível. Abandonado. Abandalhado. A realidade da vida da maioria dos eleitores é triste, repreensível e sem desculpa. As suas vozes deixaram de ser ouvidas. A liberdade de expressão foi restringida. A vida encolheu pela morte que mata de véspera milhares de pessoas por negligência institucional. Tornamo-nos inimigos. A abater. O futuro deixou de ser visível. Mas paira a certeza de que não será pacífico. É urgente salvar o futuro.